Mariana: acusação mostra documento interno da Samarco para dizer que BHP tinha conhecimento de risco

No dia em que a tragédia completa 9 anos, ação inglesa segue em julgamento em Londres

Em sessão do julgamento contra a BHP em Londres sobre a tragédia de Mariana (MG), a acusação argumentou nesta terça-feira — mesmo dia em que o rompimento da estrutura completou 9 anos — que a empresa tinha conhecimento do risco por conta de um documento interno da Samarco. Segundo o advogado que representa as vítimas, uma apresentação que seria utilizada em novembro de 2011 avaliava que, entre os empreendimentos geridos pela mineradora, o com o maior grau de risco era a “falha da barragem de Germano e Fundão”.

Cidade de Mariana (MG) após o rompimento de uma barragem de rejeitos

Cidade de Mariana (MG) após o rompimento de uma barragem de rejeitos — Foto: Márcia Foletto/Agência O GLOBO

O documento previa uma “perda máxima previsível” de US$ 10,9 bilhões (R$ 62,63 bilhões) e 10 mortes. O texto também destaca que eram necessárias 26 ações para evitar essas falhas, das quais 3 já tinham sido concluídas, 18 estavam em progresso e 5 tinham sido reprogramadas.

Embora a BHP alegue que o relatório pertencia a um comitê da Samarco e que a mineradora anglo-australiana não tinha conhecimento ou gerência a respeito, a defesa das vítimas afirma que representantes da empresa faziam parte de todos os comitês da Samarco e, portanto, “tinham conhecimento desses riscos”.

A ação em âmbito internacional é movida em Londres por 620 mil atingidos pelo desastre que vitimou 19 pessoas e contaminou o Rio Doce, representados pelo escritório Pogust Goodhead. O judiciário inglês aceitou a ação porque a empresa é anglo-australiana e, junto com a Vale, era controladora da Samarco, responsável pela barragem do Fundão, que rompeu em 2015.

O pedido é de indenização recorde, que pode chegar a R$ 230 bilhões. A BHB nega as alegações e diz que a ação “prejudica os esforços” pela repactuação de um acordo financeiro no Brasil.

Segundo o cronograma do julgamento, ocorre nesta terça-feira o interrogatório das testemunhas da BHP. A Corte escutou Chris Corless, que era Chefe de Risco e Governança da empresa entre 2011 e 2015.

A ação em Londres teve início em 2018, para atender moradores da região afetada direta ou indiretamente pela tragédia. O total de vítimas inclui lideranças indígenas, quilombolas, 46 municípios da Bacia do Rio Doce, instituições religiosas, empresas, associações comerciais e autarquias.

Inicialmente, a BHP era a única réu, mas ela pediu e conseguiu incluir, em 2023, a Vale no processo, como responsabilidade solidária. Em junho passado, porém, as duas empresas entraram em um acordo, e a Vale foi retirada da ação inglesa, mas com o compromisso de pagar 50% das indenizações em caso de responsabilização.

Veja a cronologia do julgamento:

  • 21 a 24 de outubro: foram ouvidas as declarações iniciais de ambas as partes;
  • 28 de outubro a 14 de novembro: ocorre o interrogatório das testemunhas da BHP;
  • 18 de novembro a 19 de dezembro: oitiva de especialistas em direito civil, societário e ambiental brasileiros;
  • 20 de dezembro a 13 de janeiro: recesso do Judiciário;
  • 13 a 16 de janeiro: oitiva de especialistas em questões geotécnicas e de licenciamento;
  • 17 de janeiro a 23 de fevereiro: preparação das alegações finais;
  • 24 de fevereiro a 5 de março: ambas as partes apresentarão as alegações finais.

Entidades vão ao STF

O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) e a Associação Nacional dos Atingidos por Barragens (Anab) encaminharam uma petição ao Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o acordo de reparação de danos causados pelo rompimento da barragem de Mariana (MG), em 2015. As entidades apontam que o documento, que foi assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e aguarda homologação, tem cláusulas “abusivas” e obriga as vítimas a abrirem mão de buscar justiça por outros meios.

A tragédia na Barragem de Fundão deixou 19 mortos e segue como um marco de debate sobre reparação. A discussão do acordo vinha sendo conduzida pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), mas foi transferida ao STF diante de impasses que poderiam prolongar o processo judicial.

Um dos apontamentos feitos pelas entidades é de que o Programa de Indenização Definitiva (PID) tem cláusulas abusivas e discriminatórias ao oferecer os valores de R$ 35 mil e R$ 95 mil como quitação final de danos às vítimas da tragédia ambiental.

O MAB e a Anab pontuam ainda que a exigência de Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF) ou Declaração de Aptidão ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (DAP) e Registro Geral de Pesca (RPG) para solicitar a indenização específica no valor de R$ 95 mil, dá tratamento desigual a pessoas que desempenham as mesmas atividades, apenas por algumas delas não possuírem os documentos exigidos pelas mineradoras.

Foi solicitado também a não homologação da cláusula referente à quitação ampla e irrestrita prevista no acordo, sob argumento de que o PID viola a Política Nacional de Atingidos por Barragens (PNAB) sob mais de um aspecto.

— Como está na petição, é absolutamente inaceitável que um programa de indenização desenhado sem participação dos atingidos tenha quitação ampla e irrestrita. Artigos da PNAB e PEAB (Política Estadual de Atingidos por Barragens do Estado de Minas Gerais) foram ignorados, além de obrigar o atingido a abrir mão de buscar justiça por outros meios — enfatiza Thiago Alves, integrante da coordenação do MAB.

Novo acordo assinado

Assinado no último dia 25 entre os governos federal, do Espírito Santo, de Minas e as empresas Vale, BHP e Samarco, o novo acordo para reparação dos danos do caso Mariana (MG) prevê que as empresas pagarão mais R$ 100 bilhões em 20 anos, além do que já foi gasto desde a tragédia de 2015, em indenizações individuais e ações estruturais diversas.

Esse pagamento será gerido por um fundo do BNDES, o Fundo Rio Doce. O primeiro pagamento, de R$ 5 bilhões, será feito 30 dias após a assinatura do acordo judicial.

Outros R$ 32 bilhões irão para reassentamentos, recuperação ambiental e indenizações individuais, no valor médio de R$ 35 mil por pessoa, além de R$ 38 bilhões que as empresas alegam já terem desembolsado, via Fundação Renova, criada em 2016 para compensar os danos pelo acidente. O valor total chega a R$ 170 bilhões.

O presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, decidiu que o tribunal será o responsável pela análise e validação do acordo após pedido das partes envolvidas. A decisão foi tomada devido a divergências entre os entes envolvidos, como a União, o Estado de Minas Gerais, o Estado do Espírito Santo e as empresas Samarco, Vale e BHP.

Mineradoras vão ao Supremo

Já as mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton encaminharam ao STF um pedido de homologação imediata do acordo de repactuação da tragédia de Mariana, que completa nove anos nesta terça. O termo, assinado em 25 de outubro, envolve as empresas, a União, os Estados de Minas Gerais e Espírito Santo, além de representantes das comunidades atingidas.

O valor previsto é de R$ 170 bilhões para reparações, projetos e obras na bacia do Rio Doce, dos quais R$ 38 bilhões já foram investidos, e o restante será desembolsado nos próximos anos.

Na semana anterior, um grupo de advogados solicitou que a homologação fosse suspensa até que representantes de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais da bacia do Rio Doce fossem consultados. Em resposta, as mineradoras argumentaram que o processo já incluiu audiências com a Funai, o Ministério dos Povos Indígenas, o Ministério de Igualdade Racial e a Fundação Cultural Palmares.

As empresas defendem que esses grupos tradicionais participaram das negociações, destacando que o acordo foi construído para assegurar a “participação efetiva” dessas comunidades. “Os pleitos das comunidades foram considerados nas negociações para a repactuação pelas instituições de Justiça e demais órgãos do poder público”, afirmam as mineradoras.

Conforme o acordo, R$ 40,7 bilhões serão destinados em indenizações de R$ 35 mil para a população geral atingida e de R$ 95 mil para pescadores e agricultores. Além disso, cerca de 20 mil pessoas que ficaram sem água após a tragédia em 2015 devem receber R$ 13 mil em indenização por “dano água”.

Em nota, a assessoria da BHP afirmou que a empresa e a Vale “sempre estiveram comprometidas em apoiar a empresa a fazer o que é certo para as pessoas, as comunidades, as organizações e o meio ambiente brasileiro atingido pelo rompimento da barragem” e definiu a assinatura do acordo como um “reflexo importante” do comprometimento. A nota completa está disponível no fim da matéria.

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