O engenhoso plano para matar o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes incluiu até mesmo um simples acidente de trânsito na BR-060, em Goiás, no Entorno de Brasília.
Apontado como uma das lideranças no esquema criminoso, o tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira tentou esconder qualquer tipo de vestígio das identidades dos militares envolvidos. Para isso, ele usou dados do dono de um escritório de contabilidade para adquirir um chip que seria usado em celular exclusivo para realizar a trama assassina.
O nome teixeiralafaiete230, que também atende pelo codinome Alemanha, aparece como líder em trocas de mensagens que orientam os militares na Operação Punhal Verde Amarelo, em 15 de dezembro de 2022.
A nomenclatura, contudo, não foi aleatória. Dias antes de cadastrar um telefone, o tenente-coronel Rafael Oliveira e o verdadeiro Lafaiete Teixeira Caitano bateram o carro a 600 metros do restaurante Sete Curvas, no município de Santo Antônio do Descoberto (GO).
Após o acidente, sob a justificativa de lidar com os trâmites burocráticos da batida, Oliveira fotografou a Carteira Nacional de Habilitação (CNH) de Lafaiete e o Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV), e usou as informações para habilitar a linha no nome do contador goiano em 8 de dezembro de 2022 – uma semana antes do plano de homicídio.
Procurado pelo Metrópoles, Lafaiete disse que só descobriu o uso dos dados pessoais após a divulgação da investigação da Polícia Federal nessa terça-feira (19/11). “Comecei a receber ligações”, afirmou.
Em entrevista, ele disse que está assustado com o fato de ter sido usado como bode expiatório para o militar tramar o assassinato de um ministro do STF. “No momento, estou com medo. Em choque”, declarou à reportagem. “Não sei o que pode vir a acontecer”, destacou.
Na época dos fatos, Rafael de Oliveira era major do Exército Brasileiro, mas foi promovido ao cargo de tenente-coronel em 19 de dezembro de 2023 – um ano após ter tramado a morte de autoridades federais.
Dinâmica do acidente
Lafaiete saía de Valparaíso de Goiás, com destino a Anápolis, às 22h15 de 24 de novembro de 2022. A pista estava molhada após uma chuva no local, e parte da via estava bloqueada, porque já tinha ocorrido um acidente com carreta, que ficou presa a uma ponte. Um guincho fazia a sinalização no local.
Na mesma via, Rafael conduzia um Volkswagen modelo T-Cross, com a placa de início RMG.
“O VW T-Cross do Rafael estava em baixíssima velocidade passando pelo local do acidente. Quando eu passei pela curva, vi que o T-Cross estava quase parado e não consegui frear a tempo de evitar a colisão. Depois do acidente, conversamos e acionamos a seguradora para retirar os veículos da via”, relatou Lafaiete à Polícia de Civil de Goiás (PCGO), em um boletim de ocorrência on-line, registrado em 6 de dezembro.
Nas investigações, a Polícia Federal identificou que Rafael de Oliveira havia alugado o carro com a mesma placa no aeroporto de Goiânia. A retirada foi feita em 21 de novembro de 2022, às 16h40, e a devolução ocorreu quatro dias depois – no dia 25 do mesmo mês.
Investigação
As investigações extraíram dados do aplicativo Signal instalado em aparelho telefônico apreendido com Rafael de Oliveira. A polícia apurou a relação do nome Lafaiete Teixeira com o coronel.
No aparelho, encontraram uma fotografia armazenada no celular do tenente-coronel da imagem da CNH do contador. Como as pontas dos dedos de quem segurava a CNH estavam à mostra, a PF encaminhou a imagem para o Instituto Nacional de Identificação (INI) para passar por perícia.
No laudo papiloscópico, foi possível identificar que as impressões papilares do dedo indicador esquerdo coincidem com as digitais de Rafael Martins de Oliveira.
Após a confirmação de que o oficial do Exército Brasileiro tinha em posse os dados do homem, a PF buscou os metadados (o local e o horário) da fotografia. Pelas coordenadas, a imagem foi capturada em um trecho da BR-060, no sentido Brasília-Goiânia.
A galeria de Rafael tinha outra imagem registrada apenas um minuto após a captura da CNH. Era o CRLV de um carro no nome de Lafaiete. A fotografia também foi feita nas mesmas coordenadas que a anterior.
Com essas informações, a PF fez buscas em bancos de dados e encontrou o boletim de ocorrência que Lafaiete registrou dias após o acidente, que coincidia com o horário e o local da fotografia.
“Considerando todas essas informações, a equipe de investigação solicitou, junto à operadora de telefonia TIM S/A, os dados cadastrais do terminal telefônico (61) 98178-[…] associado ao codinome ‘teixeiralafaiete230’. Em resposta, a empresa confirmou que o referido terminal telefônico foi cadastrado no dia 8/12/2022, exatamente em nome de Lafaiete Teixeira Caitano, condutor envolvido no mencionado acidente”, destaca o relatório da Polícia Federal.
A investigação concluiu que Lafaiete não tinha nada a ver com a operação, nem mesmo com a trama envolvendo um atentado ao ministro do STF.
“A investigação chegou à conclusão de que Rafael de Oliveira usou os dados de Lafaiete Teixeira Caitano, terceiro de boa-fé, para habilitar número telefônico que, posteriormente, foi utilizado na ação clandestina do dia 15 de dezembro de 2022”, acrescenta.
“Essa conclusão converge com o processo de ‘anonimização’, técnica prevista na doutrina de Forças Especiais do Exército que possui como finalidade não permitir a identificação do verdadeiro usuário do prefixo telefônico. Além dessa associação direta com a utilização ilícita dos dados de Lafaiete Teixeira, outros indícios demonstram a participação pessoal de Rafael de Oliveira na ação do dia 15 de dezembro de 2022”, completa.
Outros nomes
Apenas no telefone usado por Rafael, foi possível identificar o uso de 1.423 linhas em um período de sete meses. Lafaiete não foi a única pessoa que teve seu nome usado para esconder o envolvimento dos militares treinados na operação que tinha o objetivo de matar o ministro do STF.
Os integrantes usaram nomes de países como codinomes na ação criminosa. A polícia identificou os seguintes números:
- (61) 98179-… (usado por “Áustria”): habilitado em 3/12/2022, às 14h, em nome de Alexsandro Barros de Carvalho, residente em Maceió (AL). O fim do vínculo ocorreu em 8/12/2022, às 20h49. Os levantamentos realizados indicam que a pessoa de Alexsandro não tem qualquer relação com os fatos investigados. “Possivelmente, seus dados pessoais foram utilizados pela organização criminosa para anonimizar o real usuário do terminal telefônico”, destaca a PF.
- (61) 98179-… (usado por “Brasil”): cadastrado em 3/12/2022, às 14h05, em nome de Arão Edmundo da Silva, residente em Salvador (BA). “Assim como nos demais casos, não há indicativos de participação de Arão nos eventos investigados; os dados cadastrais foram empregados de forma ilícita para ocultar a pessoa que verdadeiramente utilizou o número de telefone para a prática de crimes. Da mesma forma, a habilitação do chip ocorre em data compatível aos fatos investigados.”
- (61) 98177-…: cadastrado no nome de Rodrigo Bezerra de Azevedo para uso no aparelho com Imei 866876… (modelo Redmi 10 Prime) no dia 24 de dezembro de 2022, segundo informações da operadora TIM S.A. Este é o mesmo dispositivo móvel empregado na ação de 15 de dezembro de 2022, sob a linha (61) 98179-…, operada pelo usuário “Brasil”, que era membro do grupo “Copa 2022″ no aplicativo Signal. Ou seja, nove dias após a ação clandestina para, possivelmente, prender o ministro Alexandre de Moraes, o aparelho de IMEI 866876… foi associado ao número (61) 98177-…, em nome de Rodrigo Bezerra, major de Infantaria que servia no Comando de Operações Especiais e amigo de confiança de Rafael de Oliveira. Os dois faziam parte do grupo “Dossss!!!!”, administrado por Mauro Cid.
- (61) 98179-… (usado por “Gana”): cadastrado em 3/12/2022, às 14h16, em nome de Arão Edmundo da Silva, residente em Salvador (BA). Os dados já tinham usados para cadastrar o codinome “Brasil”.
- (61) 98179-… (usado por “Argentina 2”): cadastrado na empresa TIM S/A também em 3/12/2022, às 13h59, em nome de Adeildo Ferreira dos Santos, residente em Patrocínio (AL). Mais uma vez, os investigados utilizaram, de forma ilícita, dados cadastrais de terceiros para esconder os verdadeiros usuários dos terminais telefônicos, sem qualquer indício da participação de Adeildo na organização criminosa investigada;
- (31) 97208-…: usado pelo investigado Rafael Martins de Oliveira, associado ao usuário “Diogo Bast” no grupo do aplicativo Signal denominado “Copa 2022″. Pelo contexto das trocas de mensagens, Rafael de Oliveira adotou o codinome “Japão” na ação clandestina.
Conforme os dados fornecidos pela operadora de telefonia Vivo S/A, o militar habilitou o referido número na data de 24 de junho de 2022, em nome de Luís Henrique Silva do Nascimento, residente em Belo Horizonte (MG). O Imei 862583…, habilitado para uso na linha telefônica (31) 97208…, corresponde ao aparelho celular modelo One Touch 307G, da fabricante Alcatel.
Após requisição policial, a empresa Vivo S/A revelou que, no período de 27 de maio a 10 de dezembro de 2022, o referido aparelho de telefone celular, de Imei 862583…, foi usado por 1.423 linhas telefônicas.
A investigação apontou que todos os telefones foram “habilitados em 3 de dezembro de 2022, em horários próximos, praticamente de forma sequencial”, todos na Loja Americana, em Uberlândia (MG).
Operação Contragolpe
A Operação Contragolpe, deflagrada pela Polícia Federal nesta terça-feira, foi autorizada por Alexandre de Moraes. A ação visa desarticular organização criminosa que teria planejado golpe de Estado em 2022 para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência da República e atacar o STF.
Segundo a PF, havia um planejamento operacional, denominado “Punhal Verde e Amarelo”, para matar Lula e seu vice, Geraldo Alckmin, e o ministro Alexandre de Moraes.
A operação mira os “kids pretos”, que seriam militares da ativa e da reserva. Além deles, um policial federal foi preso.
Um dos alvos é o general da reserva Mário Fernandes, que foi secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência no governo Jair Bolsonaro e assessor do deputado federal Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, até março deste ano.
A Polícia Federal (PF) revelou que o general, preso na Operação Contragolpe, incluiu, no documento denominado “Punhal Verde e Amarelo”, quais munições seriam usadas no plano para matar Moraes.
Outros “kids pretos” presos:
- tenente-coronel Helio Ferreira Lima;
- tenente-coronel Rodrigo Bezerra Azevedo;
- tenente-coronel Rafael Martins de Oliveira; e
- policial federal Wladimir Matos Soares.
Arsenal
Segundo a PF, “a lista com o arsenal previsto revela o alto poderio bélico que estava programado para ser utilizado na ação”.
“As pistolas e os fuzis em questão (‘4 Pst 9 mm ou .40′ e ‘4 Fz 5,56 mm, 7,62 mm ou .338’) são comumente utilizados por policiais e militares, inclusive pela grande eficácia dos calibres elencados”, revela a corporação.
A Polícia Federal destaca, ainda, que o arsenal previsto é composto de “armamentos de guerra comumente utilizados por grupos de combate”.
Ainda de acordo com a PF, a primeira arma listada era uma M249, “metralhadora leve altamente eficaz, projetada para fornecer suporte de fogo em combate”.
A segunda era uma arma projetada para disparar granadas de fragmentação ou munições especiais de 40mm, “que fornece capacidade de fogo indireto e versatilidade em termos de tipos de munição”.
E, por fim, o terceiro armamento era AT4, um lança-rojão utilizado “principalmente por forças armadas e de segurança para combate a veículos blindados e estruturas fortificadas”.
Lista de itens previstos
- Seis coletes à prova de balas;
- 12 granadas;
- Quatro pistolas;
- Rádios de baixa frequência;
- Seis telefones celulares descartáveis;
- Quatro fuzis com munição não rastreável;
- Uma metralhadora, um lança-granadas, um lança-rojão, também com munição não rastreável.
O “Punhal Verde e Amarelo” detalhou que seriam necessárias seis pessoas para a execução pretendida, de acordo com o “Copa 2022”, nome dado pelos investigados ao plano de matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes.
O documento ainda versava sobre a análise de riscos e impactos da ação, com a possível ocorrência de “baixas aceitáveis”.