A COP29, que deveria ter acabado nesta sexta-feira, 22 de novembro, segue sem consenso entre países sobre a nova meta global de financiamento climático (NCQG, em inglês).
As negociações foram temporariamente suspensas na tarde deste sábado (horário de Baku), depois que os países menos desenvolvidos e as pequenas ilhas em desenvolvimento, que somam mais de 70 países, solicitaram que a presidência da COP29 trabalhasse em um novo texto que refletisse suas necessidades. Entre as demandas desses países, está a de que o valor de financiamento seja elevado de $300 bilhões até 2035 para $500 bilhões até 2030.
A especialista em política internacional do Greenpeace Brasil, Jardim Camila, afirma: “Não existe consenso possível sem que essa demanda dos países em desenvolvimento e pequenas ilhas sejam levados em consideração e, apesar de repetidas consultas e de estarmos já na prorrogação da COP, a presidência apresentou um texto muito longe das demandas e necessidades desses países. Os únicos que queriam debatê-lo eram os países desenvolvidos, o que mostra o desequilíbrio da proposta apresentada. Sabemos que a necessidade de financiamento é de trilhõesde dólares, o que mostra que a demanda atual dos países em desenvolvimento é muito razoável”.
Agora, a presidência precisa trabalhar em um novo texto que seja aceitável para debate pelas partes ao longo das próximas horas. “As posições dos diferentes blocos estão claras. Esperamos que eles consigam refletir os debates em uma nova versão de texto mais equilibrada. Por outro lado, encontramos um ponto de inflexão: o tempo está acabando e os países desenvolvidos adotaram uma postura vergonhosa e inflexível no que diz respeito ao valor e o prazo até quando precisa ser atingido. Os países em desenvolvimento já flexibilizaram bastante seu posicionamento, agora é hora dos países desenvolvidos também mostrarem compromisso com este processo”, diz Jardim.
A diretora de Campanhas do Greenpeace Brasil, Raissa Ferreira, comenta:”Sabemos que adaptar, mitigar, reconstruir e transicionar custa muito dinheiro aos países em desenvolvimento – estamos falando de trilhões de dólares ao ano necessários. Parece um valor alto, mas ele é possível e a fonte desses recursos já existe: está nas mãos daqueles que lucram há décadas com a poluição climática e a destruição da natureza, assim como nas mãos dos países desenvolvidos. Cabe ao grupo dos países desenvolvidos, que vergonhosamente estão se esquivando das suas responsabilidades na COP29, apresentarem valores e qualidade de financiamento que garantam que as metas climáticas nacionais sejam ambiciosas nos países em desenvolvimento.
A ausência de um número robusto e a suspensão das negociações em torno da NCQG dá um sinal político sobre a compreensão coletiva dos países desenvolvidos sobre o seu nível de responsabilidade sobre crise climática e o quanto estão comprometidos com as futuras gerações. Não queremos que os países desenvolvidos ‘liderem’ o financiamento climático, como foi apresentado no texto, queremos que eles garantam recursos robustos e públicos, preferencialmente em forma de doações, aos países em desenvolvimento. Mais do que valores, o que estamos discutindo nesta Conferência não é caridade, mas o direito a uma vida segura e digna para as populações no mundo inteiro, especialmente nos países em desenvolvimento, assim como a existência de tantos povos e comunidades locais. A COP29 é sobre justiça climática, principalmente”, ressalta Ferreira.
Contexto
Depois de três anos discutindo o conteúdo e estrutura do novo objetivo de financiamento climático, só tivemos o anúncio de valor no último dia da COP 29, quando já deveríamos ter um texto base para acordo. Além disso, no dia anterior, foi retirado do texto-rascunho da COP29 o princípio do poluidor-pagador, assim como foi amenizado a responsabilidade dos países desenvolvidos frente ao financiamento climático.
“É visível que não era intenção dos países desenvolvidos discutir um valor para o financiamento climático em tempo hábil, sem contar que o valor é absolutamente ridículo. Agora subiram a proposta de 250 bilhões para 300 bilhões até 2035, o que continua sendo vergonhoso e não reflete o tamanho dos desafios que o financiamento climático precisa dar conta nos países em desenvolvimento. Só no Brasil, por exemplo, em 2024, as inundações de maio no Rio Grande do Sul custaram ao menos USD 17 bilhões aos cofres públicos brasileiros [dados do relatório Pagando o Preço, do Greenpeace]. Não temos mais tempo para acordos vagos e compromissos diluídos como os apresentados na COP29 até o momento. Infelizmente, a ação climática nos países em desenvolvimento está cada vez mais difícil sem financiamento”, afirma Jardim.