Artigo: PL que pretende impedir ida de crianças à Parada LGBT é aberração jurídica

A liberdade, como sempre, é o que mais incomoda os pequenos déspotas

Há algo de profundamente paradoxal em certas figuras públicas: reivindicam a moralidade enquanto flertam perigosamente com a intolerância.

O Projeto de Lei do vereador João Marcos Luz, que pretende proibir crianças e adolescentes de participarem de paradas LGBTQIA+ é uma dessas aberrações jurídicas que só sobrevivem no microcosmo de câmaras municipais, onde o populismo moralista suplanta a razão. Trata-se de um atentado descarado ao direito constitucional de ir e vir, à liberdade de expressão e, ironicamente, à própria infância que o projeto alega proteger.

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Crianças e adolescente podem participar da Parada LGTBQIAP+, garante Segurança Pública. Foto: Reprodução

A Constituição Federal de 1988, esse marco civilizatório que nos protege das tiranias de gabinete, é clara: a liberdade de ir e vir é inviolável, e qualquer tentativa de cerceá-la precisa de uma justificativa excepcional, robusta e, sobretudo, legal. Comparar uma parada LGBTQIA+ a ambientes vedados a menores, como bares e casas noturnas, revela uma leitura enviesada e desonesta do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

Este não é um instrumento para perpetuar preconceitos, mas para garantir que crianças e adolescentes cresçam em uma sociedade plural, democrática e sem censura.

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O Ministério Público Federal, em rara harmonia com o Ministério Público Estadual, já advertiu: o projeto é flagrantemente inconstitucional. Não há espaço para meias-palavras aqui. Ao barrar menores de um evento que celebra a diversidade, o vereador não protege, mas perpetua preconceitos. Pior, institucionaliza a discriminação sob a fachada de moralidade.

Como se não bastasse a extravagância legislativa, João Marcos Luz foi além. Decidiu transformar seus assessores e apoiadores em fiscais do preconceito, enviando-os para “monitorar” a Parada do Orgulho LGBTQIA+. É irresponsável e perigosamente provocativo. A mensagem subliminar? Um convite ao confronto. E todos sabemos como confrontos arbitrados por moralistas inflamados podem terminar: com violência.

O STF, sempre que convocado a arbitrar questões de tamanho disparate, já deu seu veredicto em situações similares: leis que discriminam com base em orientação sexual são inconstitucionais. A ministra Rosa Weber, ao proferir seu voto em outro caso envolvendo a comunidade LGBTQIA+, já lembrou que a democracia não compactua com a intolerância. E não será diferente agora.

Às famílias que temem levar seus filhos à Parada, fiquem tranquilas. Não há perigo algum em celebrar o amor, a diversidade e a igualdade. O verdadeiro risco reside na perpetuação de uma sociedade que censura, segrega e marginaliza. Crianças e adolescentes, têm o direito de participar de eventos que ensinem a tolerância, e não há lei – nem a futura, nem esta aberração do vereador João Marcos – que possa suprimir isso.

No fundo, o que assusta os proponentes de leis como esta não são os supostos “perigos” da parada, mas a quebra do status quo. É o medo de que crianças cresçam em um mundo onde preconceitos não sejam mais aceitáveis. A liberdade, como sempre, é o que mais incomoda os pequenos déspotas.

O Brasil enfrenta uma miríade de problemas reais – violência doméstica, corrupção endêmica, precariedade na educação pública. Mas em vez de enfrentá-los, alguns vereadores preferem legislar sobre fantasmas morais que eles próprios criam. É a clássica política do pão e circo, só que sem o pão. A história não será gentil com figuras como João Marcos Luz, mas será grata aos advogados, procuradores e juízes que, com coragem, desmantelam essas tentativas de retrocesso.

Quem desejar, leve seus filhos à Parada do Orgulho LGBTQIA+. Ensinem-lhes o valor da liberdade, o respeito à diferença e a coragem de resistir ao autoritarismo, mesmo quando ele se disfarça de lei. A próxima geração agradece. E nós, cidadãos, continuamos de olhos bem abertos, defendendo a Constituição daqueles que, com pouca luz, tentam apagá-la.

*Roraima Rocha é Advogado; sócio fundador do escritório MGR – Maia, Gouveia & Rocha Advogados; Especialista em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade Gran; Especialista em Advocacia Cível pela Fundação do Ministério Público do Rio Grande do Sul (FMP); Membro da Comissão de Advocacia Criminal, e Conselheiro Seccional da OAB/AC.

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