“Ainda Estou Aqui” é a melhor chance do Brasil no Oscar em quase duas décadas

Longa dirigido por Walter Salles é finalista a uma vaga na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar 2025

O Brasil voltou a ser oficialmente mencionado nas conversas sobre o Oscar, pela primeira vez desde 2008, nesta terça-feira (17).

A produção “Ainda Estou Aqui“, de Walter Salles, entrou na pré-lista de Melhor Filme Internacional do prêmio, e encerrou um jejum de 16 anos. A última vez que o cinema brasileiro foi lembrado na categoria foi em 2008, quando o país teve seu nome na lista de pré-selecionados com o filme “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias“, na época chamada de Melhor Filme Estrangeiro.

Selton Mello, Fernanda Torres e Walter Salles na estreia de “Ainda Estou Aqui” no Festival de Veneza/Foto: Vittorio Zunino Celotto/Getty Images

Com isso, “Ainda Estou Aqui” avança para a chamada Fase 2 da campanha, momento em que os votantes do Oscar escolhem os finalistas de cada categoria. Em 2008, o longa de Cao Hamburger ficou fora da seleção oficial, e o Brasil não teve representação na cerimônia. Em 2025, no entanto, a expectativa é de um desfecho diferente.

Atualmente, segundo os principais veículos especializados, como The Hollywood Reporter, Variety, The New York Times, New York Magazine, Deadline e outros, “Ainda Estou Aqui” é um dos principais nomes na corrida pela categoria.

“A disputa por Melhor Filme Internacional deste ano começa com duas vagas em aberto, já que três lugares estão praticamente garantidos: um para ‘Emilia Pérez’, da França, outro para ‘The Seed of the Sacred Fig‘, da Alemanha, e o terceiro para ‘Ainda Estou Aqui’”, observa o crítico, pesquisador e influencer Waldemar Dalenogare à CNN.

O produtor de “Ainda Estou Aqui”, Rodrigo Teixeira, compartilha dessa opinião. “Eu acredito que vamos ser indicados. Nosso filme, ‘Emilia Pérez’ e ‘The Seed of the Sacred Fig’ são os principais títulos internacionais do ano”, afirma.

Mas o que torna a produção estrelada por Fernanda Torres tão bem-quista na corrida por um prêmio que o Brasil não disputa desde 1999, quando “Central do Brasil” foi derrotado por “A Vida é Bela”? Um grande palanque internacional, uma distribuidora de peso e uma campanha milionária.

Tudo começou na Cidade do Amor

“Ainda Estou Aqui” teve sua estreia internacional no Festival de Veneza 2024, um dos maiores do mundo, e cada vez mais no gosto dos votantes do prêmio. Além de fazer parte da seleção oficial, ele ainda garantiu o prêmio de Melhor Roteiro para Murilo Hauser e Heitor Lorega.

A simples menção em um dos maiores eventos do cinema já é suficiente para colocar o filme um passo à frente dos demais concorrentes. Mas esse não é o único fator.

“É necessário fazer um trabalho de formiguinha para fazer com que os votantes vejam o filme, porque são muitos títulos”, destaca Juliana Sakae, especialista em campanhas de Oscar para filmes independentes.

Marcelo Rubens Paiva, Fernanda Torres, Walter Salles, Selton Mello, Maria Carlota Bruno e Rodrigo Teixeira participam do Festival de Veneza por "Ainda Estou Aqui"
Marcelo Rubens Paiva, Fernanda Torres, Walter Salles, Selton Mello, Maria Carlota Bruno e Rodrigo Teixeira participam do Festival de Veneza por “Ainda Estou Aqui”/Foto: Matt Winkelmeyer/Getty Images

Para título de curiosidade, este ano, 89 produções internacionais foram submetidas à categoria. “São muitos filmes. Mas quando uma produção passa por um festival renomado e recebe um selo, isso traz mais respaldo e desperta curiosidade”, explica.

Ela ressalta que, para filmes em língua estrangeira, o processo geralmente começa em um grande festival, como aconteceu com “Ainda Estou Aqui” em Veneza: “É quando o mercado internacional está de olhos abertos para os títulos que devem estar presentes na temporada de premiações”.

Sakae também destaca que filmes internacionais podem ganhar força na corrida caso tenham profissionais envolvidos que já foram indicados ou estejam em circuito comercial nos Estados Unidos. “Ainda Estou Aqui” terá uma semana de exibições em Nova York e Los Angeles a partir de 17 de janeiro e chegará aos cinemas de todo o país em 14 de fevereiro.

A produção ainda conta com o nome de Walter Salles, um dos cineastas brasileiros de maior prestígio nos Estados Unidos. Ele dirigiu filmes como “Central do Brasil”, indicado ao Oscar, “Diários de Motocicleta”, estrelado por Gael García Bernal, “Água Negra”, com Jennifer Connelly, e “Pé na Estrada”, com Kristen Stewart.

Apoio de player norte-americano

Outro ponto a favor do longa sobre Eunice Paiva é o apoio da Sony Pictures Classics, distribuidora com histórico na premiação.

Nos últimos anos, o selo conquistou indicações para filmes como “A Sala dos Professores”, “Meu Pai”, “Dor e Glória”, “Cafarnaum” e “Nunca Deixe de Lembrar”. Além disso, ganhou o prêmio de Melhor Filme Internacional por “Uma Mulher Fantástica”, em 2018.

“É fundamental contar com uma distribuidora que tenha o know-how para atuar nos Estados Unidos. O Brasil enfrentou grandes dificuldades nesse aspecto por mais de duas décadas”, destaca Waldemar Dalenogare. “Na maioria dos casos, o filme não tinha distribuição nos Estados Unidos, e uma campanha é extremamente cara. Quando o filme já chega com uma distribuidora, isso faz toda a diferença”.

O apoio da Sony Pictures Classics foi anunciado em maio deste ano, quando a distribuidora adquiriu os direitos do filme durante as negociações em Cannes. “A equipe da Sony tem sido fundamental na campanha, com o apoio de muitos profissionais. Também contratamos outros profissionais de relações públicas em diferentes mercados”, explica o produtor Rodrigo Teixeira.

Desde então, os principais nomes por trás do filme têm participado de inúmeros festivais ao redor do mundo, como em San Sebastián, Toronto, Nova York e Londres, onde conversaram com jornalistas e a imprensa especializada, posaram para capas de revistas e se esforçaram para garantir que os votantes do Oscar assistam ao filme.

“O primeiro passo é que o filme precisa ser visto, não há segredo”, destaca Teixeira. “Estamos organizando sessões e disponibilizando o filme na plataforma do Oscar. Ele tem alcançado visibilidade, as pessoas estão assistindo. Agora, quanto mais o filme for exibido e assistido, maiores serão as chances de conseguir indicações, inclusive em várias categorias”.

A campanha do filme também visa indicações em outras categorias importantes, como Melhor Edição, Melhor Ator Coadjuvante para Selton Mello, Melhor Roteiro Adaptado, Melhor Diretor para Walter Salles e Melhor Atriz para Fernanda Torres.

Muitos dólares

Todo o material para a imprensa e o mercado, assim como os eventos para a adaptação do livro de Marcelo Rubens Paiva, anúncios em revistas e jornais, e demais ações necessárias para uma campanha ao Oscar, envolvem custos elevados.

“Um simples anúncio em uma revista durante a temporada de prêmios, por exemplo, pode custar até cinco dígitos. E como apenas um anúncio não é suficiente, é preciso multiplicar esse valor, sem contar a variação do dólar“, ressalta Juliana Sakae, que trabalhou nas campanhas do Oscar para filmes como “Babenco” e “Deserto Particular”, que foram candidatos do Brasil ao prêmio em 2021 e 2022.

Fernanda Torres compartilhou registro da entrevista que concedeu ao The New York Times/Foto: Instagram/Fernanda Torres

“Não dá para estimar um valor exato, pois é praticamente uma campanha de filme hollywoodiano. São custos que envolvem sessões fechadas, festivais, bate-papos, viagens a eventos, destaque em publicações como Variety e Deadline. Acho que nem os próprios produtores conseguem precisar um número”, explica Waldemar Dalenogare.

“Mas com a logística da Sony, esses custos diminuem, por isso é tão importante o apoio de um player como esse no mercado.”

O especialista ainda aponta que a campanha de “Ainda Estou Aqui” trata-se da maior já feita na história do Brasil.

Ame ou odeie

Todos os esforços da equipe de “Ainda Estou Aqui” para promover o filme no maior evento do cinema têm um valor bastante simbólico: ajudar a indústria brasileira como um todo.

Montagem com imagem dos filmes "Cidade de Deus", "Central do Brasil", "Pixote - A Lei do Mais Fraco" e "O Pagador de Promessas"
“Cidade de Deus”, “Central do Brasil”, “Pixote – A Lei do Mais Fraco” e “O Pagador de Promessas” foram alguns dos filmes que o Brasil já indicou para representar o país no Oscar/Foto: Divulgação/Montagem

“Tem quem ame ou despreze o Oscar, e eu, particularmente, acho que a gente sabe que o prêmio precisa melhorar. Sabemos que o Oscar, muitas vezes, não valoriza os filmes internacionais como deveria”, conta Juliana Sakae. “Um Oscar abre portas, não só para o filme, mas também para a equipe e o cineasta, especialmente para aqueles que vêm depois. Por exemplo, ‘Cidade de Deus‘ abriu uma porta gigantesca para o cinema brasileiro”.

Para isso, no entanto, a especialista destaca que o país, como um todo, precisa entender, assim como as demais instituições, que uma campanha para o Oscar é importante para o cinema brasileiro, que é exposto ao mundo. “Países como a Argentina, Polônia e França já compreenderam muito bem isso, por exemplo. O Brasil ainda precisa entender essa importância”, acrescenta.

A especialista em campanhas diz que mencionar o prêmio pode ajudar a conseguir parcerias para a produção de outros filmes.

Segundo Waldemar Dalenogare, essa visibilidade será crucial tanto para a indústria quanto internamente. “Eu torço muito para que ‘Ainda Estou Aqui’ seja indicado, pois acredito que isso pode abrir uma janela para a redescoberta do cinema brasileiro fora do país. Muitas vezes, as pessoas querem assistir aos filmes, mas não têm acesso amplo, já que a distribuição é limitada”, ressalta.

Com ou sem prêmio, o produtor Rodrigo Teixeira já comemora. “Eu acho que é uma demonstração de que o sistema brasileiro faz um bom cinema. Hoje, temos uma qualidade de cinema que há muito tempo não se via“, conta.

“Temos muitos bons diretores e diretoras fazendo filmes incríveis, além de muitos profissionais de alta qualidade trabalhando. Por isso, acredito que o Brasil vai crescer bastante nessa área”, destaca ele. “Acredito que o prêmio valida muito o Brasil, especialmente a produção audiovisual brasileira”, finaliza.

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