Na casa da família de Ester, no interior de São Paulo, o wi-fi está desligado. A cuidadora de idosos de 38 anos e os irmãos também têm evitado mexer no celular quando estão reunidos.
A decisão repentina da família de ficar offline é uma tentativa de trazer uma pessoa “de volta à vida real”: a mãe de Ester, que tem 74 anos.
“Ela está muito viciada: leva o celular para o banheiro, dorme com o celular embaixo do travesseiro, não interage e não deixa a gente chegar perto do telefone dela. Parece uma criança”, diz Ester, que preferiu preservar o nome da mãe e o sobrenome da família para evitar constrangimentos.
Em uma medida mais drástica, os filhos chegaram a tirar o chip do telefone da mãe, para cortar o acesso da idosa a dados móveis e que, assim, parasse de entrar no Facebook e TikTok.
“A gente desligou o wi-fi e tirou o chip do celular dela porque não tinha outro jeito”, diz Ester.
O caso da família paulista ilustra um fenômeno que tem aparecido em pesquisas recentes sobre danos causados pelo vício em celular — a chamada nomofobia, expressão que vem do inglês no mobile (sem celular).
Ela não é considerada uma doença ou um transtorno, mas um conjunto de sintomas exacerbados nessa relação não saudável com os aparelhos eletrônicos.
Em alguns casos, o medo de ficar sem celular pode deixar uma pessoa tão nervosa que ela pode suar demais ou ter taquicardia.
O uso excessivo de telas é relacionado a uma piora da saúde mental, com sintomas de estresse, depressão e ansiedade, segundo pesquisas reunidas em um estudo realizado pela terapeuta ocupacional Renata Maria Santos em seu doutorado na Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
A principal surpresa para a pesquisadora, que acompanha pacientes no Hospital das Clínicas da UFMG, em Belo Horizonte, foi o impacto em idosos.
“A gente imaginava que os idosos teriam uma aversão à tecnologia, pela dificuldade de mexer ou por um leve declínio cognitivo natural, que seriam uma barreira para um relacionamento positivo com esses aparelhos”, diz Santos, que analisou 142 artigos publicados sobre pesquisas que, reunidas, envolvem 2 milhões de pessoas no mundo.
“Mas o que a gente encontrou é que as pessoas estão tão apegadas a ponto de desenvolver essa ansiedade generalizada de ficar desconectado [a nomofobia].”
Ou seja, a dificuldade que muitos idosos relatam de lembrar de senhas, baixar algum programa ou conhecer os caminhos para acessar um site não tem sido mais uma barreira.
Os especialistas com quem a BBC News Brasil conversou apontam que os celulares podem ser aliados importantes na melhoria da qualidade de vida de idosos (no contato com a família, por exemplo).
Mas há alguns aspectos que deixam os idosos especialmente vulneráveis a uma possível dependência, como:
- Isolamento e solidão;
- Sentimento de ‘exclusão’ do mundo atual;
- Alto índice de transtornos de humor, como depressão.
Essas situações, somadas a algum declínio cognitivo e à falta de letramento digital, ainda podem levar os idosos a uma maior propensão a cair em golpesou se viciar em jogos, explica a neuropsicóloga Cecília Galetti, especialista em gerontologia, a ciência que estuda o envelhecimento.
“É como uma bola de neve. Um idoso isolado em casa e deprimido é mais vulnerável a um comportamento aditivo”, diz Galetti, que é colaboradora do Programa Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso da USP (Universidade de São Paulo).
Além disso, “um dos critérios diagnósticos para identificar um vício em jogos, por exemplo, é saber se a pessoa aposta para fugir de um humor deprimido”.