No Acre, sonho de ser mãe leva professora a abrir creche para atender crianças carentes

O sonho da maternidade levou a pedagoga Maria Júlia de Oliveira a selar um compromisso: se conseguisse engravidar, cuidaria de crianças ou idosos, em gratidão pelo favor recebido. Com problemas nas trompas, apegou-se à fé que recebera da mãe catequizada por padre Paolino, em Sena Madureira, para obter a graça de um ventre fértil.

Maria Júlia nasceu em Sena Madureira, no seringal Natal Velho, localizado no Rio Iaco. Filha de mãe parteira e pai seringueiro, ela e a família chegaram à Baixada do Sol, em 1993, em busca de atendimento de saúde para o pai que estava doente. Sem recursos, Maria Júlia começou a trabalhar como empregada doméstica para ajudar no sustento da família de 16 irmãos que moravam numa casinha simples às margens do Rio Acre.

Creche atende 412 crianças no bairro Ayrton Sena/Foto: Ascom MPAC

Já casada, a fé se tornara maior e veio a notícia da primeira gravidez: uma menina. Como prometido, resolveu transformar a própria casa em que morava com o marido, no bairro Ayrton Sena, em uma creche, na intenção de aliviar a aflição daquelas mães pobres que, precisando trabalhar, não tinham onde deixar os filhos. Para isso, ela fechou um comércio que tinha e parte da mercadoria foi estocada para a alimentação das crianças.

Foi a partir daí que nasceu a Associação Beneficente Coração de Jesus, nome religioso que remete a uma devoção do catolicismo despertada no século 17, com as revelações de Jesus à monja francesa Margarida Maria de Alacoque. A creche começou a funcionar com 15 crianças e a maior dificuldade, de acordo com Maria Júlia, era conseguir parceiros e doações, bem como, convencer as pessoas a serem voluntárias no projeto.

Hoje, Maria Júlia é mãe de dois filhos e seu projeto atende 412 crianças, com uma unidade no bairro Ayrton Sena e um anexo no Taquari. Em reconhecimento ao trabalho abnegado em favor das famílias da Baixada do Sol, ela recebeu o Troféu Inspiração no ‘Prêmio MP Atitude – Pequenas ações transformam o mundo’, iniciativa do Ministério Público do Estado do Acre (MPAC) que tem o objetivo de incentivar e valorizar as boas práticas.

Uma vida com horizonte

Católica praticante, Maria Júlia participa com o marido Eraldir Vaz do Encontro dos Casais com Cristo (ECC), na Paróquia Cristo Libertador. A realidade dura da infância ainda não saiu da memória e o sentimento de altruísmo desde cedo falou mais alto. “Me sinto realizada em poder fazer algo por alguém. A melhor coisa é se doar, e não querer nada em troca. Como vim de família pobre, me sinto tocada”, declara emocionada.

Maria Júlia de Oliveira/Foto: Ascom MPAC

A Creche Coração de Jesus funciona atualmente através de convênios firmados com o governo do estado e a Prefeitura de Rio Branco, a exemplo do quadro de professores, que são acompanhados pela Secretaria Municipal de Educação e muitos dos quais começaram como zeladores na creche. “Sempre valorizamos a prata da casa”, observa Maria Júlia.

No total, a instituição tem 35 funcionários, entre merendeiras, zeladores, professores, coordenadores pedagógicos e quadro administrativo. A atual sede, no bairro Ayrton Sena, foi adquirida através de emenda parlamentar e a alimentação é fornecida pela Ordem dos Servos de Maria. “Fazemos esse trabalho com muito amor e carinho”, diz Maria Júlia, recordando as primeiras dificuldades, quando muitas portas estiveram fechadas.

As vagas no estabelecimento de ensino infantil são destinadas a crianças carentes entre dois e três anos, sem nenhum custo para elas e, dependendo das condições, recebem até material escolar. Como a demanda é grande, a coordenação promove sorteio de vagas no início do ano. Durante o dia, as crianças participam de atividades diversas, com direito a quatro refeições, inclusive café da manhã, doado por uma panificadora do bairro.

No final do mês, a Creche Coração de Jesus vai inaugurar uma nova sala, com capacidade para mais 50 crianças. O sonho de Maria Júlia é ampliar cada vez mais a creche e construir uma brinquedoteca; por isso ela vem promovendo vários eventos para arrecadar fundos.

Acompanhando desde o início o projeto, quando procurou a fundadora para matricular um filho, a coordenadora pedagógica Maria José da Silva lembra que passou três anos atuando como voluntária e, graças à instituição, conseguiu se formar em pedagogia. “Vejo a creche como horizonte: muitos funcionários têm o sustento daqui, as famílias dispõem de cuidado para com seus filhos e a criança está sendo preparada para a escola”, analisa.

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