Bolsonaro vai a igreja como candidato e pode ser enquadrado por propaganda irregular

Por subir no púlpito da igreja que sua esposa, Michelle, frequenta, e em plena corrida presidencial, Jair Bolsonaro (PSL) periga ser enquadrado por propaganda irregular.

A lei eleitoral proíbe que candidatos façam campanha em “bens públicos de uso do povo”, e as igrejas se enquadram nessa categoria —assim como estádios, cinemas, paradas de ônibus e lojas, por exemplo.

O presidenciável publicou nesta terça (21), em sua conta no Twitter, um vídeo em que fala ao público da Igreja Batista Atitude, no Rio, a convite do pastor Josué Valandro Jr.

“Bolsonaro, vou deixar você dar uma palavra. Eu nunca faço isso, não, mas vou fazer porque é candidato a presidente. Se vier outro presidente, eu deixo também”, diz o líder evangélico.

O candidato, com microfone na mão, primeiro conta estar “muito emocionado”, parece lacrimejar e, depois de alguns segundos, explica por que concorre ao Palácio do Planalto.

Jair Bolsonaro deixa o enterro de um oficial morto em operação no morro do Alemão, no Rio/Foto: Ricardo Moraes

“De tanto ver coisas erradas, há quatro anos eu decidi fazer o que estou fazendo”, afirma. “Sei o que os outros têm, mas eu tenho o que eles não têm. Eu tenho a paz dentro de mim, graças a Deus tenho uma família maravilhosa”, continua.

Bolsonaro também faz uma deferência ao general Antonio Hamilton Mourão, seu companheiro de chapa. “Botei uma pessoa pra ser meu vice que tem a minha cara.”

“E já que os 30 segundos estão acabando”, diz ele num discurso que acabaria durando quatro vezes isso, “a gente tem que unir este país”.
A plateia aplaude quando, em seguida, o presidenciável fala em “varrer o comunismo do Brasil”.

“Encerrando: o Estado pode ser laico, mas eu sou cristão”, ele afirma nos segundos finais. Bolsonaro se declara católico, mas é próximo do eleitorado evangélico e teve seu casamento com Michelle celebrado pelo pastor Silas Malafaia, em 2013.

A Procuradoria-Geral Eleitoral, por meio da assessoria de imprensa, diz que está acompanhando de perto o caso, mas não há uma denúncia aberta por ora.

Em anonimato, por não querer se pronunciar sobre um caso em andamento, um procurador disse à Folha que vê margem para que a chapa de Bolsonaro seja multada (de R$ 2.000 a R$ 8.000) por propaganda eleitoral irregular.

“Ainda que não haja uma proibição expressa de candidatos usarem o púlpito de templos para pedir votos ou mesmo do padre ou pastor declarar apoio a um candidato, hoje a jurisprudência caminha para o reconhecimento de abuso decorrente dos recursos econômicos, da estrutura e dos veículos de comunicação das igrejas”, diz o advogado Luiz Eduardo Peccinin, especialista em direito eleitoral e autor do livro “O Discurso Religioso na Política Brasileira: Democracia e Liberdade Religiosa no Estado Laico”.

“Para isso, a justiça eleitoral analisa se esse benefício da candidatura foi grave e potencial para afetar a igualdade entre os candidatos. Reconhecido o abuso, pode haver perda do mandato e decretação de inelegibilidade por oito anos”, afirma Peccinin.

O pastor Josué disse à Folha que chamou Bolsonaro não por ser candidato, mas “para orar pela vida dele”.

“Sempre orei por pessoas que se candidatam, independente do partido ou ideologia. Se acreditam na oração, oramos por eles, pedindo que a vontade de Deus seja feita em suas vidas.”

E ainda: “Chamei à frente um candidato a presidente cuja mulher é membro da nossa igreja, e ele é católico. Não é fácil para a família ver tantas acusações a quem amam. Há sofrimento demais para a família. Como pastor, decidi orar por ele pedindo que a vontade de Deus seja feita em sua vida e que tenha paz ao longo da campanha. Deixei claro que na igreja cada um vota em quem quer, que não há voto de cabresto, e que oramos por todos. Assim é a democracia.”

Josué afirma que não pediu voto nem distribuiu material de campanha. “Não disse que ele era meu candidato, não citei seu número de legenda e ainda declarei que outros candidatos a presidente podem vir à igreja que serão recebidos da mesma forma. E mais, não divulguei este vídeo em minhas redes sociais.”

Bolsonaro não respondeu ao telefonema da Folha nem respondeu mensagens enviadas para seu celular.

O presidenciável Jair Bolsonaro poderá ser punido/Foto: Reprodução

DEUS É POP

A romaria de políticos a igrejas é um clássico em período eleitoral.

Marina Silva deu o pontapé nesta que é sua terceira campanha presidencial no salão paroquial de uma igreja católica no Cangaíba (zona leste de São Paulo), dizendo que quer “tratar da saúde das pessoas e da saúde do Brasil”.

Em 2014, o então presidenciável Aécio Neves (PSDB) louvou “um Brasil que valorize a família” num culto, e Dilma Rousseff (PT) disse no Congresso de Mulheres da Assembleia de Deus – Ministério Madureira: o Estado pode até ser laico, “mas, citando um salmo de Davi, feliz é a nação cujo Senhor é Deus”.

E encontros com evangélicos foram praxes nas gestões dos tucanos João Doria e Geraldo Alckmin, enquanto prefeito e governador de São Paulo, respectivamente.

Na semana passada, o Ministério Público Federal do Amapá começou a campanha com ares de cordel “Nenhuma Religião Combina com Eleição” nas redes sociais.

São versos como “Se tem campanha na igreja/ O candidato está errado/ Seja na missa ou no culto/ Está mal intencionado/ Aquele que pede seu voto/ Em um momento sagrado”.

A ilustração: um candidato genérico (“Fulano – vote 99”) com sorriso malicioso e, ao seu lado, uma cruz.

O procurador regional eleitoral em São Paulo, Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, disse em junho à Folha que o calibre religioso deve aumentar nestas eleições. “Como houve redução do tempo de propaganda e uma série de limites para propaganda eleitoral, quem tem viabilidade eleitoral é quem já tem uma rede de conexões”. E as igrejas são um bom exemplo disso, afirmou.

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