Stepan Nercessian se tornou um especialista em Chacrinha. Depois de viver o Velho Guerreiro em um musical entre 2015 e 2017 e protagonizar o especial da Globo que comemorou 100 anos do nascimento de Abelardo Barbosa, o ator chega aos cinemas com o personagem nesta quinta-feira 8.
Dirigido por Andrucha Waddington, o longa Chacrinha: O Velho Guerreiro acompanha a carreira do pernambucano, desde o seu primeiro programa em uma rádio fluminense até os últimos anos na televisão. “As forças que iam contra o Chacrinha eram a igreja, a censura, o moralismo e a psiquiatria, que o enquadrava como um louco. Ele era o kit gay da época”, compara Nercessian, bem-humorado, em entrevista a VEJA.
O ator vive Chacrinha já na sua fase consagrada da carreira, quando o apresentador dominava a audiência na televisão com o seu programa de calouros. Na primeira parte do longa, quem interpreta o protagonista é o comediante Eduardo Sterblitch, que, aos 31 anos, não tem muitas lembranças sobre o pernambucano, mas garante: “O brasileiro tem um mal de vira-lata e o Chacrinha mostrou que ser vira-lata é maravilhoso, que é maravilhoso ser brasileiro.”
Confira a entrevista com a dupla:
O Chacrinha está no imaginário do Brasil inteiro. Qual foi o maior desafio em interpretá-lo?
Eduardo Sterblitch: Eu estava muito preocupado com a questão do corpo, do centro de gravidade dele e como ele fala. O Chacrinha teve problema no pulmão, então também tinha uma questão com a respiração. O Stepan me ajudou muito nos ensaios na casa dele. Ele interpretava o meu texto e eu filmava todos os nossos encontros, para entender como seguir.
Stepan Nercessian: Já a minha preocupação, desde o início, era ficar na forma e esquecer o conteúdo. Quando você coloca a cartola e pega a buzina todo mundo fica parecido com o Chacrinha, é uma fantasia. Mas, ao mesmo tempo, tinha que fazer cenas só de cueca e as pessoas precisavam acreditar que era o mesmo personagem. Com o passar do tempo, também é necessário fazer um exercício de humildade de não querer aparecer. O público não quer ver o ator, e sim o Chacrinha. Ele é o campeão de audiência. Depois de já ter feito no teatro e o especial na televisão, o pânico é maior no cinema, porque vai ficar registrado para sempre e a câmera fica na sua cara.
Para vocês, qual foi o principal legado deixado pelo Chacrinha?
Sterblitch: O brasileiro tem esse mal de vira-lata e o Chacrinha mostrou que ser vira-lata é maravilhoso, que é maravilhoso ser brasileiro. Ele é um palhaço e representa muito o brasileiro para mim, que não se abalou com as dificuldades que a vida apresentou e soube trabalhar com o que foi aparecendo.
Nercessian: Foi fundamental para mim entender que o Chacrinha é fruto da perseverança dele. O Chacrinha brigou com Deus e o mundo, com os poderosos. Ele não brigava com o contrarregra, mas sim com o Roberto Marinho, com a TV Tupi e com a Bandeirantes, porque acreditava no que fazia. Talvez, hoje, não exista mais espaço para esse tipo de briga. As forças que iam contra o Chacrinha eram a igreja, a censura, o moralismo e a psiquiatria, que o enquadrava como um louco. Ele era quase o kit gay daquela época. É importante a gente saber disso, porque, quando essa mesma sociedade o aceita, foi porque ele resistiu a tudo e a todos. Muitas críticas sobre o Chacrinha eram sobre ele desrespeitar os mais pobres e essa mesma sociedade que achava que era um absurdo ver o cara sem dente ser buzinado no programa do Chacrinha é a que aceita o único lugar que o povo brasileiro tem hoje na televisão: nos programas de crimes.
O senhor chegou a ter contato com o Chacrinha dentro da TV. Passou a vê-lo de outra forma depois das pesquisas para interpretá-lo?
Nercessian: No fundo, eu não fui surpreendido. O que marcou para mim foi o mergulho emocional no Chacrinha. Ele só conseguia ser feliz de verdade quando estava em cena, era o único momento em que tudo parecia fácil.