Quarenta jovens convertidos à Igreja Evangélica, em Rio Banco, num universo de 755 adolescentes que cumprem medidas socioeducativas em todo o estado. O que parece ser uma ação de formiguinha, na verdade é o que menos importa quando os esforços são pelo bem comum, o de reinserir esses meninos ao convívio social saudável, além dos muros do Instituto Socioeducativo do Estado do Acre (ISE).
Segmentos que lidam com a questão do menor reeducando não avaliam números, mas resultados individuais, como de extrema importância para a sociedade, pois cada jovem convertido representa um impacto positivo junto a pelo menos outras 50 pessoas do seu convívio familiar, e entre amigos.
Ao trocar a criminalidade pelos princípios cristãos, a ideia e a de que o adolescente não vai mais gerar comportamentos negativos, seja sendo aliciado pelo tráfico de drogas, seja cometendo assaltos e homicídio, ou se integrando a facções criminosas.
“O resultado positivo se dá também no organismo social como um todo, já que é um indivíduo cometendo crime a menos nas ruas”, explica o presidente do ISE, Rogério Silva. Portanto, na ressocialização do menor, fazer valer ações que colaborem positivamente será a prioridade na nova gestão do Instituto.
São ações pensadas sempre como necessidades urgentes, uma vez que os jovens só cumprem essas medidas por no máximo três anos, além do que indicativos apontam que na maioria dos casos, eles retornam para as ruas ainda piores.
Assistência normatizada
Dentro dessa linha, o Instituto conta com a assistência religiosa voluntária, ministrada pela igreja evangélica Assembleia de Deus e pela Universal, e que tem alcançado, cada vez mais, menores internos de todo o estado.
A própria igreja interessada em prestar essa assistência que ocorre de forma semanal e sistemática, procura, por meio de oficio devidamente assinado pelo pastor-presidente, a coordenação do ISE.
Se devidamente aprovada, a equipe evangélica recebe um curso de segurança, bem como sobre toda temática envolvendo a ressocialização com ênfase sobre o bom relacionamento social, questões familiares e tudo que é regulamentado pela Lei.
Essa assistência religiosa é oferecida em todos os núcleos do Instituto Socioeducativo, sendo quatro em Rio Branco, um em Sena Madureira, outro em Feijó, um em Cruzeiro e em Brasileia. A evolução, no bom comportamento do reeducando, e o entrosamento com a equipe evangélica resulta em diversas atividades sociais, recreativas e profissionalizantes, todas devidamente autorizadas pelo Juizado da Infância e da Juventude.
Todos os menores em medidas socioeducativas podem participar de forma voluntária, mas com acompanhamento individual somente quando o menor manifesta interesse, assim como seus familiares.
O presidente do ISE, Rogério Silva, reconhece o sucesso do trabalho evangélico e defende a necessidade de envolver cada vez mais organismos religiosos, independente de credo ou de denominação, nessa ação de cunho social, classificada por ele como indispensável.
“A ação religiosa está nas prioridades da nossa gestão de governo, casadas com outras que possam trazer a iniciativa privada, gerando postos de trabalho para os reeducandos”, ressalta Silva.
Resgate familiar
O pastor Nonato Veras se orgulha da ação missionária ministrada há 15 anos junto aos presídios, com ênfase pra o trabalho voltado aos jovens em conflito com a lei, sobretudo porque o acompanhamento leva à reconstrução familiar.
Veras destaca ser gratificante quando ocorre a transformação familiar, com a conversão de todos, já que existem casos em que a própria família estimula o menor a participar do crime por ser esta a fonte de renda fácil e rápida para todos os membros.
Segundo explica o pastor, o acompanhamento religioso vai muito além dos ensinamentos bíblicos.
“Na verdade, nos tornamos parte da família também. Nós auxiliamos com doação de alimentos, com roupas, e muitas vezes, no auxílio com saúde”, explica Veras.
Crime ou conversão
O pastor Bruno Santana tem experiência em ações missionárias em estados como o Rio de Janeiro, por exemplo. Ele destaca que no Acre existe uma situação que não ocorre, por exemplo, em grandes centros de muita tensão criminosa.
“Aqui tem o atípico”, afirma Santana. Em que o jovem faccionado só tem o direito de deixar a organização criminosa e continuar vivo se estiver convertido, mesmo assim precisa comprovar que está sendo acompanhado por um pastor.
“Curioso é que não basta só a palavra. Ainda é preciso gravar um vídeo, devidamente acompanhado do pastor e enviar esse vídeo aos chefes das organizações criminosas”, ressalta o pastor.
Santana afirma que, somente em 2018, pelo menos dez jovens que receberam o acompanhamento religioso largaram o crime e hoje estão, de fato, ressocializados e inseridos em atividade produtiva legal, alguns inclusive nas obras da Igreja.
A equipe do pastor Bruno ministra acompanhamento religioso para 70 adolescentes reeducandos, sendo que 30 deles ainda estão internos, mas já conquistaram o direito de ficarem numa ala oferecida pelo ISE aos convertidos ao evangelho.
“Nesse caso, a ação religiosa é uma contribuição para a Segurança Pública, pois é um criminoso a menos nas ruas causando danos à sociedade”, pontua Bruno.
Antes medo, agora tranquilidade
O grupo de cinco jovens com idades variando de 15 a 17 anos, que estão recebendo acompanhamento religioso individual destacou que o sossego de uma vida tranquila é uma realidade de sonhos, pois antes sempre inseguros e assustados.
Os temores, segundo eles, eram de serem alvejados por facções rivais, serem reconhecidos por alguma vítima, que a família fosse atingida por causa dos seus crimes e ainda a caçada policial a eles pela prática de crimes como homicídio, assalto, latrocínio, tráfico e associação criminosa faccionada.
Outro ponto comum que destacaram era a falta de esperança de mudanças em suas vidas criminosas, para que se livrassem de conflitos familiares, conflitos com facções rivais e conflitos sociais generalizados.
“É como renascer, dormir tranquilo, não ter conflito nem com os meninos internos que eram de outras facções e por isso não podíamos ficar juntos mesmo aqui dentro “, comemora P.J.
“Não fazer mais meus familiares sofrerem, estar em comunhão com eles, com a igreja é uma realidade que encontrei na minha nova vida em Cristo”, declarou A.D.
“Hoje é possível sonhar com o futuro e depois que eu cumprir o que determina a Lei, por ter cometido crimes tão graves eu pretendo trabalhar na obra de Deus e ajudar salvar outros jovens também”, garantiu M.J.
Fé e trabalho
Mauri Ferreira de Souza, 18 anos, exibe numa das mãos sua Carteira de Trabalho assinada pela primeira vez e na outra a Bíblia, cuja leitura diária faz parte de sua nova filosofia de vida, desde que se converteu a igreja evangélica, enquanto cumpria medida socioeducativa no ISE por quase um ano.
O trabalho, um verdadeiro milagre resultante de sua fé, conforme enumera Mauri, pois avalia que até pra um jovem comum não é tão fácil conseguir trabalho. Se for reeducando é praticamente impossível.
“Se a entrega pra Cristo for verdadeira e com fé o impassível Deus faz acontecer, pois fez na minha vida”, reconheceu.
A rotina de Mauri inclui expediente diário de trabalho, frequência nos cultos e programação recreativa com jovens da igreja.
“Meu sonho é que meu testemunho de conversão e fé possa livrar outros jovens da criminalidade e que Deus use mais empresários para dar oportunidade de trabalho a outros jovens, combatendo assim o drama da criminalidade”, defendeu.