A incrível peleja do amigo do meu amigo contra o inimigo do meu inimigo

Pelo contrário

Outro dia vi, num texto de minha líder, Marina Silva, uma referência aos que só conseguem “construir por oposição”. Está claro que esta é uma daquelas expressões muito particulares que Marina costuma usar, para desespero e delírio dos que fingem que não entendem e a acusam de “falar difícil”. Mas a idéia é clara e tem história, aliás, várias histórias, no Brasil e no Acre.

Na província acreana, lembro de uma entrevista, há coisa de uns 15 anos, na qual o então vice-governador Binho Marques contestou uma formulação do jornalista sobre “os dois projetos em disputa”, afirmando que só conhecia um projeto, o do governo da época, pois a oposição não tinha um projeto, tão-somente era contra o que existia.

Tem muitas histórias sobre isso, de quem define sua identidade menos por ser alguém e mais por ser anti-alguém. Procuro os fundamentos disso e encontro tantas possíveis causas que nem me animo a resumir. Num dos mundos em que vivo, o da arte-ciência do Xadrez, vi ainda ontem uma explicação de um mestre sobre a grande competitividade nesse esporte da mente: a tristeza da derrota é muito maior que a alegria da vitória. Também na política, que é um esporte do Ego, extremamente competitivo, as vitórias costumam ser menos deliciosas que a derrota do adversário.

Vai daí que a uma vitória eleitoral segue-se uma grande confusão, em que a pergunta “e agora, o que vamos fazer?” vai aos poucos se impondo e fazendo mudar as opiniões e argumentos anteriores, que não tinham base na realidade e serviam apenas para o combate contra o malévolo inimigo. Por isso, chegando ao poder, os governantes muitas vezes pensam e fazem exatamente igual -ou muito parecido- ao que mais criticavam nos seus antecessores.

A beleza irônica da democracia, com sua tão falada e pouco desejada “alternância no poder” revela-se nesses momentos. E vale tanto para a situação quanto para a oposição. Aqueles que passaram os últimos anos fazendo uso dos “direitos” governistas, agora querem retirar esses “privilégios” do novo governo. E os novos governistas acham que é a sua vez de ter os direitos que antes chamavam de privilégios.

Mas o tempo, inexorável, implacável, vai emendando as histórias umas nas outras. Logo saberemos quem tem algum projeto, quem apenas é contra alguém, quem é um ator que faz um papel diferente em cada novela… E a polarização nós-contra-eles, no final das contas, pode não ser mais que um espelho onde cada um encara sua própria imagem.

Por outro lado

Por conta dessas ironias do tempo é que recomendo moderação aos tantos amigos que hoje encontro nas redes sociais, de um lado e de outro do espelho. A defesa fanática de um personagem, mas, principalmente, o combate feroz contra o personagem inimigo nas novelas da política, é garantia de vitórias superficiais e derrotas profundas, euforia fugaz e depressão demorada.

No final, os “seguidores” são apenas números que justificam maior “monetização”, proporcional à quantidade de visualizações das propagandas neste admirável mundo virtual. E aquele sujeito chato cujos comentários ofensivos você responde com sincera indignação, às vezes nem existe, é o perfil fake criado e operado pelo funcionário de alguma agencia de marketing digital contratada… pelo partido do teu ídolo, pra estimular tua adesão e avaliar tua fidelidade.

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