Como entender um mal-entendido
Li os jornais locais, os sites, as colunas e blogs, procurando saber o que está acontecendo. Minha curiosidade não se dirige especificamente à “política”, que é como costumamos chamar a futrica em redor e dentro dos poderes públicos, mas na mudança de governo, quer dizer, nas novas decisões que afetam a vida das comunidades que vivem nesta interessante província dos altos rios amazônicos. A única coisa mais ou menos importante que encontrei foi a problemática nomeação dos novos ocupantes dos cargos no Executivo estadual. Fiquei deverasmente impressionado com a confusão em que o novo governo pareceu, como descrito pela velha expressão popular, “perdido feito cachorro que caiu do caminhão de mudança”.
Foram 3 meses entre a eleição e a posse, o famoso “período de transição”, tempo suficiente para conhecer a situação de cada setor do Estado, debater rumos gerais e definir, pelo menos, as tradicionais metas para os primeiros 100 dias. Que a situação financeira era difícil, ou até catastrófica, isso já se sabia desde muito tempo. O povo já está devidamente preparado e ninguém espera milagres. Mas de cada gestor escolhido espera-se que, além de atender ao óbvio critério de conhecimento do assunto e competência, tenha capacidade de formar uma equipe e apresentar algumas idéias, propostas ou plano mínimo de ação, começando por um acordo interno com os funcionários e o público imediatamente próximo, a comunidade do setor. Pelas notícias, isso parece estar começando a acontecer agora, em alguns setores. Tá devagar.
Devemos ser pacientes e tolerantes. Por mim, vou logo dizendo: torço para que o governo seja bem-sucedido, que as instituições funcionem bem, que tudo dê certo. Danem-se as preferências partidárias, nem sei mais o que é isso, só sei que o povo precisa de escola, assistência à saúde, transporte, apoio à produção… coisas básicas que um governo pode fazer ou ajudar, se tiver um mínimo de responsabilidade e eficiência. Nasci nesta terra, aqui vivo com minha família, não vou ficar torcendo pra nada dar errado. Só me reservo os direitos democráticos essenciais: liberdade de dizer o que penso, criticar o que achar ruim e manter um saudável ceticismo com o lero-lero da propaganda oficial.
Mas no imbróglio das nomeações, além das óbvias polêmicas dos fichas-sujas apontados pelo Ministério Público (com ou sem razão, ainda é necessário dar-lhes o direito de defesa), o que me impressionou foi a confusão da chamada “despetização”. Começa com uma besteira: é claro que nenhum governo vai manter em cargos de direção o pessoal do partido oposto, do governo anterior, derrotado nas eleições. Isso não é a famosa “caça às bruxas” ou “perseguição”, é uma substituição natural e institucionalizada, feita civilizadamente desde o momento em que o governo que sai demite todos os que ocupavam cargos de confiança para que o governo que entra nomeie os seus novos ocupantes. E isso, ao que me consta, foi feito. Então, o governo já encontrou o Estado despetizado e, ao sair, deverá deixá-lo destucanizado, despepizado, despemidebizado ou seja lá qual for o nome da etnia partidária que vai sentar nas cadeiras públicas nos próximos 4 anos. Simples assim.
Até aí, tudo normal, só o espezinhamento de quem pegou balsa, sempre acontece. A confusão se deu quando o vice-governador, no exercício do governo pela viagem do titular, nomeou gente ligada ao PT ou que tinha cargos no governo anterior. Vixe, foi um escândalo nos botecos e nas redes sociais. Outra bobagem. Numa estrutura administrativa pequena, costuma-se colocar pessoas com qualificações técnicas em cargos de confiança, muitas vezes mantendo equipes ou aproveitando competências que já estavam nos governos anteriores para não interromper o andamento de projetos ou programas importantes.
Ah, não se trata disso? Não eram técnicos ou gestores competentes os que foram nomeados, mas militantes políticos ou apadrinhados dos antigos governantes? Então tá esquisito. Me digam: como foi que essas pessoas foram escolhidas? E aí vem uma explicação que me deixa perplexo: os nomeados estavam num “pacote com mais de 50 nomes” indicados pelos parlamentares de sustentação do novo governo. E mais: ainda estão tentando descobrir qual foi o parlamentar que colocou os tais petistas no “pacote”.
Como dizem meus filhos, “caraca, véio!”. O governo nomeia aos pacotes? As listas são feitas pelos parlamentares? É assim que se formam as equipes que vão dirigir os serviços públicos? Tenho várias perguntas, mas não sei se fico espantado com esse método de formar um governo ou com a naturalidade com que isso é noticiado e comentado. E se alguém me diz que “todo governo é assim”, me permite e obriga a discordar. Já vi governos -de diferentes partidos- em que a nomeação para cargos de confiança era feita de outro modo, com avaliações de QI (Quem Indica) bem diferentes. Pra não dizerem que estou falando de governos do PT, vou refrescar a memória de quem tem mais de 50 anos e acompanhou os debates sobre “funções técnicas e cargos políticos” nos tempos de Mesquita, Macedo, Nabor, Iolanda, Flaviano e Edmundo. A politicagem era grande, talvez até maior que hoje, a influência dos parlamentares e dirigentes partidários era forte e escancarada, mas quem fechava o “pacote” era o governador e muitos setores mantinham uma reserva técnica que os políticos respeitavam, mesmo torcendo o nariz.
Fico imaginando a situação de um secretário de estado, já nomeado e começando seu trabalho, ao receber os novos integrantes de sua equipe, que chegam num pacote enviado por algum deputado. Como vai se atar com essa gente que não conhece (ou conhece e não gosta) e que tem laços de fidelidade com o político que lhe indicou? Cada vez que penso nisso, só me lembro de meu filho: caraca, véio!
Como já disse, tenho toda boa-vontade e paciência cidadã. Mas vou subir ao último degrau da arquibancada e ficar olhando pra ver qual vai ser o resultado dessa tão interessante despetização.
A volta de Bolpebra
Quando vi a notícia de mais um encontro de brasileiros do Acre com bolivianos e peruanos, desta vez na cidade de Iñapari, logo pensei: vai começar de novo aqueles intermináveis convescotes de negociação para intercâmbio entre os três países que se bicam em Assis Brasil, não por acaso outrora chamada de Três Bandeiras. Só só os muito antigos lembram esses nomes, mas alguns não tão antigos devem lembrar dessas reuniões que cada novo governo promovia, levando empresários pra passear lá e cá e más allá. Inventaram até um nome para a região, com as letras iniciais de cada país: Bolpebra. Nome mais feio, nunca vi.
Mas li a notícia até o fim e achei interessante. Dessa vez, a reunião era só de empresários, com algumas poucas autoridades convidadas. Quando os próprios interessados começam a se mexer por conta própria, sem depender nem esperar pelos cerimoniais da política, a coisa anda melhor. Tomara que dê certo, os patrícios merecem comer bolacha Miragina e eu quero poder comprar chicha no supermercado.