Vivemos na época de maior prosperidade material e liberdade individual da história, algo que pode ser facilmente comprovado com dados e estatísticas, como a expectativa de vida e as garantias de direitos das minorias, especialmente nos países ocidentais. Não obstante, poucas vezes se viu tanta vitimização e reclamação, como se as novas gerações vivessem num antro de opressão e miséria. O que se passa?
Para explicar esse paradoxo, e defender os pilares da civilização ocidental hoje enfraquecidos, Ben Shapiro lançou seu novo livro The Right Side of History, que já ocupa há dias o número um entre os mais vendidos. Merecido. Trata-se de uma obra de grande qualidade e poder de síntese, que navega por séculos de filosofia, religião e pensamento político, mostrando como o legado que mistura Grécia e Jerusalém é o responsável pelo relativo sucesso ocidental.
Para Shapiro, o segredo está justamente na constante tensão entre razão e fé, entre argumentação lógica e busca de sentido mais elevado, que marcou a trajetória ocidental. A herança judaico-cristã forneceu o “telos” para a civilização ocidental, ou seja, o sentido, o “onde” chegar, propósitos morais, enquanto a razão grega ofereceu o instrumento mais poderoso para essa jornada. Um não pode se sustentar sem o outro.
Segundo o autor conservador, o grande erro dos modernos foi achar que a razão, por si só, poderia garantir o futuro do Ocidente, abrindo mão daquilo que permitia a manutenção do tecido social das comunidades. O materialismo não basta, pois o homem tem necessidade de sentido. Aqueles que enaltecem o iluminismo, ignorando que ele só foi possível no contexto ocidental, não teriam compreendido a relevância desse casamento, ainda que tenso, entre razão e religião. Querem manter o efeito abrindo mão da causa.
O sucesso ocidental não é de raça ou de etnia
Shapiro bebeu bastante de fontes como Tomás de Aquino, mas há muita influência de pensadores mais recentes também, assim como os “pais fundadores” da América – o experimento social que sintetiza esse principal legado ocidental, uma nação criada com base na ideia de liberdade individual dentro de um ambiente moral definido. E seu livro é uma defesa desse legado, que merece ser defendido, mas que vem sendo difamado pela esquerda, que pinta a América como um rastro de opressão e injustiças, em vez de entender que se trata da mais bela conquista humanitária, ainda que imperfeita (como tudo que é humano).
Tanto o coletivismo, que mata o indivíduo (tratado como meio sacrificável), como o individualismo exacerbado, que anula a importância do coletivo, são condenados por Shapiro. Para ele, existem quatro fatores fundamentais para o sucesso de uma sociedade: o foco nos objetivos individuais, já que cada um é único; os instrumentos que capacitam os indivíduos a buscar esses objetivos; o foco nos objetivos coletivos; e os instrumentos que capacitam a sociedade a concretizar esses objetivos.
Os dois extremos – coletivismo e individualismo – seriam traições a esse delicado equilíbrio de forças. Quando a coesão social se perde, quando as comunidades se enfraquecem e cada um é visto como uma ilha ou um átomo, ocorre um esgarçamento do tecido social que é extremamente perigoso, e coloca em risco as próprias liberdades individuais.
Na falta de valores morais, que para Shapiro dependem das religiões, os cidadãos perdem o norte e correm o risco de cair no hedonismo e no relativismo. Por trás dos “valores universais” que os humanistas seculares enaltecem, há uma premissa de cunho religioso que vem como legado judaico-cristão: o homem é feito à imagem de Deus. Sem esse critério absoluto fica impossível defender certas condutas, pois tudo valeria. Não há base moral forte o suficiente, sem isso, para condenar o poder pelo poder, o evolucionismo amoral, até a eugenia. E as tendências “progressistas” em relação ao aborto comprovam isso.
A narrativa do autor sobre como saímos de um ambiente que nos trouxe o próprio iluminismo, graças aos pilares judaico-cristãos que fomentaram o avanço da ciência, e caímos num pós-modernismo irracional é bastante interessante. Shapiro mostra a influência de vários filósofos e psicólogos na destruição dos principais fundamentos de nossa civilização, que foi abandonando aos poucos os padrões morais e permitindo o advento de um subjetivismo insano, em que os sentimentos pessoais passam a importar mais do que fatos objetivos e a busca pela verdade.
Hoje, com a política de identidades e a ideologia de gênero, chegamos ao ápice do ataque contra a razão, a moral e a ciência. Regressamos a um tribalismo doentio que segrega em vez de unir baseado em metas comuns. Abandonamos a lei natural grega e os valores cristãos, e nos entregamos às paixões e aos apetites bestiais. Viramos as costas para Atenas e Jerusalém, e isso nunca fica impune. Precisamos, diz Shapiro, resgatar os valores que fizeram do Ocidente essa grande civilização, lembrando-se do alerta de Reagan: a liberdade nunca está a mais do que uma geração de ser perdida.
Precisamos fazer nossa parte, educar nossos filhos para a vida real, incutir neles a noção do sacrifício em prol de algo maior do que seus umbigos, ao mesmo tempo em que os ensinamos a valorizar as liberdades individuais e a razão. O sucesso ocidental não é de raça ou de etnia, como os supremacistas brancos da “direita alternativa”, em parte reagindo aos “progressistas”, alegam. Shapiro detesta esses racistas e não esconde isso.
O sucesso é de ideias, e são elas que devem ser resgatadas, pois o Ocidente é especial. Não importa o que os ingratos mimados e ressentidos digam. Eles vivem numa época e num lugar incríveis, por mais que cuspam naquilo que possuem. Precisamos ajudá-los a reencontrar propósitos morais elevados, que encarem a vida humana como sagrada e que nos guie para um desejo de ser sempre melhor, tanto como pessoa, como também do ponto de vista da sociedade.
O indivíduo, num entorno de decência moral e com propósitos morais elevados, protegido pela razão e o direito de propriedade, pode buscar sua felicidade e florescer como pessoa, contribuindo assim para o avanço da sociedade como um todo. Uma ideia que merece ser defendida!
Rodrigo Constantino, economista e jornalista, é presidente do Conselho do Instituto Liberal.