Pelo menos em 73% das viagens realizadas em Tarauacá, todo os dias, o meio de transporte utilizado pela população é a bicicleta. A constatação, além de óbvia visualmente para quem transita pela cidade, é fruto de pesquisa do professor, biólogo e cicloativista, Valden Rocha, e objeto de um dos onze capítulos do livro “Brasil que pedala – A cultura da bicicleta nas pequenas cidades.”, lançado em Rio Branco nesta sexta-feira (12).
Para Rocha, a bicicleta é um instrumento de resistência ao modelo vigente de desenvolvimento das cidades, que tem a ver com qualidade de vida, mobilidade urbana e meio ambiente. “Comecei a utilizar a bicicleta como esporte há 20 anos fazendo trilha. Há 15 anos adotei como principal meio de transporte. O uso da bicicleta traz uma discussão a respeito das questões ambientais e de inclusão social. Na periferia muitas pessoas utilizam para ir trabalhar, muitas mães utilizam para levar seus filhos na escola e as cidades não estão preparadas para isso, a cidade está preparada para uma classe que usa carro. A cidade é carrocêntrica. Não é pensada para as pessoas. Todas as reivindicações que se vê, por exemplo, estão relacionadas às condições das estradas para os carros, mas não para as ciclovias e calçadas e a qualidade de vida de se locomover na cidade.”, disse ele.
Além da cidade acreana de Tarauacá, outras onze cidades brasileiras de pequeno porte – com até 100 mil habitantes – foram escolhidas por meio de uma pesquisa inédita sobre a cultura do uso da bicicleta como meio de transporte, pela parceria editorial A Bicicleta no Brasil, composta pelas organizações Aliança Bike, Bicicleta para todos, União dos Ciclistas do Brasil e Bike Anjo.
A obra, apoiada pelo Itaú Unibanco, traz um retrato sobre os lugares onde a cultura e o uso da bicicleta ainda se mantêm forte e resiliente e a ideia foi descobrir as motivações e curiosidades do cotidiano dos ciclistas dessas cidades. Para isso, uma equipe de pesquisadores e autores vinculados a organizações civis que promovem a ciclomobilidade realizaram entrevistas, contagens veiculares, pesquisa de perfil e caracterização de ciclistas, entre outros levantamentos para compor um mapeamento da mobilidade ativa nesses municípios.
Diversidade e perfil de ciclistas
Os resultados da pesquisa de perfil a partir das 2.208 entrevistas realizadas nas 11 cidades revelam o caráter inclusivo e humanitário da bicicleta. Praticamente dois terços dos ciclistas, nesta amostra de cidades pequenas, recebem entre zero e dois salários mínimos mensais. Pardos e negros somam 64,6% dos ciclistas nessas cidades; brancos são 31,67%. Comparando com o Censo 2010, há nesses municípios três vezes mais autodeclarantes como negros entre os ciclistas do que em relação a toda a população.
Mais de um terço (34,3%) dos entrevistados começou a pedalar porque a bicicleta “é mais rápida e prática”. Para 27,3%, o motivo principal é a economia deste meio de transporte. Para outros 22% dos ciclistas, o principal motivo é a saúde.
Retratar a cultura da bicicleta em todos os biomas brasileiros e mostrar que ela se adapta a qualquer tipo de terreno e condições sociais também foi um desafio contemplado em O Brasil que pedala.
As cidades pesquisadas são: Tarauacá (AC), Afuá (PA), Tamandaré (PE), Cáceres (MT), Mambaí (GO), Antonina (PR), Pedro Leopoldo (MG), Gurupi (TO), Ilha Solteira (SP), Pomerode (SC) e São Fidélis (RJ)
Publicado pela Editora Jaguatirica e tendo como organizadores, André Soares e Daniel Guth, o livro está disponível nas principais livrarias.