17 de maio de 1992, 5h30min de uma manhã de domingo. O locutor da Rede Globo, Galvão Bueno, transmitia o Grande Prêmio de Mônaco, a mais importante prova do calendário da Fórmula 1, disputado tradicionalmente num fim de semana de maio, em um circuito de rua, em Monte Carlo, o que exige dos pilotos muita precisão, devido a uma grande quantidade de curvas e a estreita largura das ruas que formam o percurso. O maior vencedor da história do evento é o brasileiro Ayrton Senna, que venceu ali em seis oportunidades e naquele ano de 1992 venceria mais uma vez. O Brasil inteiro vibrou com a vitória de seu já então grande ídolo nacional. Menos os acreanos.
Naquela mesma manhã de domingo ensolarado, quando a vitória de Sena parecia inevitável, o locutor Galvão Bueno teve que guardar um pouco de sua alegria para anunciar, com voz pastosa e triste, que o corpo sem vida do governador do Acre, Edmundo Pinto, havia sido encontrado com marcas de dois tiros de revólver, no apartamento 704 do Hotel Della Volpi Gardem, na rua Frei Caneca, centro da capital de São Paulo. O Acre parou para tentar entender o que acontecia. Muitos lutavam para não acreditar no que era transmitido ao longo da corrida e se agarravam à vitória do piloto brasileiro para disfarçar uma dor que, para seus amigos e familiares, não para de maltratar e que se intensifica a cada aniversário daquela tragédia numa madrugada fria a qual, 27 anos depois, parece que ainda não terminou.
Edmundo Pinto era o segundo filho homem do comerciante Pedro Veras de Almeida, um dos muitos cearenses que ajudaram a colonizar o Acre, em meados do século passado. Levava o nome do avô e, segundo Pedro Veras, falecido exatamente 19 anos depois de ter que enterrar o filho governador, previra o próprio destino de glória e poder. Veras contava que, quando tinha por volta de cinco anos de idade, numa festa de aniversário em que alguém, um parente qualquer, perguntou o que aquela criança seria quando crescesse, o menino teria respondido, na lata:
– Vou ser governador!
A promessa se cumpriria 32 anos depois, quando, aos 37 anos de idade, Edmundo Pinto se elegera governador, depois de ser vereador de 1983 a 1986 e deputado estadual de 1987 a 1990, quando candidatou-se ao Governo do Estado. Foi eleito em outubro de 1990, após uma acirrada disputa em segundo turno com o então desconhecido petista Jorge Viana, com uma diferença de pouco mais de 13 mil votos. Ficou governador eleito até março de 1991 por conta do interstício da Constituição de 1988, que previa posse de governadores só a partir do dia 15 do terceiro mês daquele ano. Sua posse, mais que um sonho de criança, era sobretudo a manifestação concreta de que, partir dali, o Acre seria governado por um homem abnegado e cheio de ideais de desenvolvimento.
Mas o homem que previra o destino de glória política, segundo reza a lenda de sua família, não poderia prever a própria tragédia, ocorrida tão longe de casa e em condições até hoje misteriosas. Edmundo Pinto deixou o Acre na manhã do dia 11 de maio, uma segunda-feira, após entregar o governo do Estado a uma amiga de longas datas, a desembargadora Miracele Lopes Borges, então presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Acre, a quarta na linha de sucessão. Naquele dia, o então vice-governador Romildo Magalhães estava viajando a tratamento de saúde, o presidente da Assembleia, deputado Ilson Ribeiro, o terceiro na linha sucessória, acompanharia o governador na viagem, de sorte que a governadora seria Miracele Lopes Borges. Mas, uma semana depois, a desembargadora teve que abrir as portas do Tribunal de Justiça para as exéquias do governador.
Edmundo Pinto fora assassinado num assalto cometido por ladrões pés de chinelo, disse a polícia paulista na conclusão do inquérito. Uma versão na qual, em todo o Acre, ninguém acredita porque, além das marcas de tiros, o governador foi encontrado com marcas de soco na boca e dentes quebrados – sinal de que tentara lutar com seu assassino. Outro fato estranho: a porta do apartamento não foi arrombada e o filho mais velho do falecido governador, o ex-vereador Rodrigo Pinto de Almeida, que hoje vive em Dubai, nos Emirados Árabe, que diz sofrer ameaças de morte, não tem dúvidas de que seu pai abrira a porta do apartamento do hotel para alguém conhecido, “gente que fazia parte de sua comitiva”.
Mais que um crime, 27 anos de mistério e saudades de um povo.