Um colunista local costuma dizer que, embora distante, pobre e isolado, meio fora de mão e local aonde dificilmente alguém vem a passeio, o Acre é extremamente enjoado. Tão enjoado que já nasceu internacionalizado, no meio de uma disputa envolvendo ninguém menos que as maiores economias do planeta na época, os Estados Unidos e Inglaterra, que montaram o Bolivian Sindicaty, uma organização através da qual pretendiam explorar o comércio da borracha no Acre através de um consórcio com a Bolívia, o que só não foi avante por causa das denúncias do espanhol Luiz Galvez de Arias e posteriormente graças à revolução levada a cabo por José Plácido de Castro.
Desde então, o pequeno território – mas ainda assim maior que Portugal e com terras suficientes para ser duas Austrias, na Europa, nunca mais deixou de ser notícia. Mesmo quando os fatos não lhe dizem respeito eis que, de repente, lá estão o Acre e os acreanos metidos no olho do furacão das crises nacionais. Foi assim, para lembrarmos apenas de fatos mais recentes, na tentativa de assassinato do jornalista Carlos Lacerda, no Rio de Janeiro, em 1954, cuja testemunha seria ninguém menos que o jornalista Armando Nogueira, acreano de Xapuri; foi assim na guerra aberta em Alagoas entre os então senadores Silvestre Péricles e Arnon de Melo, que acabou em assassinato em Brasília de um acreano, o suplente de senador Kairala José Kairala, em pleno Congresso Nacional; durante a cassação de políticos durante o regime militar, quando a Assembleia Legislativa do Acre teve cinco deputados degolados pelo regime, incluindo o seu governador, José Augusto de Araújo; foi assim no assassinato do sindicalista Chico Mendes, no assassinato do governador Edmundo Pinto, num quarto de hotel, em São Paulo, no escândalo da reeleição, quando cinco deputados federais acreanos foram gravados confessando terem vendido seus votos para beneficiar diretamente o então presidente Fernando Henrique Cardoso; foi assim na cassação e prisão do deputado federal Hildebrando Pascoal; está sendo assim, agora, quando eclode mais um escândalo nacional, este em que o ex-procurador geral da República, Rodrigo Janot, revelou, candidamente, ter ido armado a uma sessão do Supremo Tribunal Federal (STF), em maio de 2017, com a intenção de dar um tiro na cara do ministro Gilmar Mendes e em seguida se suicidar.
Esta na revista Veja desta semana, que chega às bancas na manhã deste domingo (29). Sob fotos de Gilmar Mendes, Rodrigo Janot, Michel temer e Aécio Neves a revista conta, em reportagem assinada pelos repórteres Policarpo Júnior e Laryssa Borges, que prestes a lançar um livro sobre sua condição de Procurador Geral da República por quatro anos e os bastidores do impeachment da presidente Dilma e da Operação Lava Jato, Jantot revela a intenção de matar Gilmar Mendes e depois suicidar-se no plenário do STF. O Acre toma acento neste teatro horroroso quando o ministro conta detalhes de sua sabatina no Senado Federal para sua condução à PGR.
Segundo Janot, antes da sabatina, o ex-presidente Collor, mandou avisá-lo que iria “pegá-lo” lá dentro do Senado e dera sinais de que iria à sessão da sabatina para sentar nas cadeiras da primeira fila. E armado. “Minha segurança depende de você”, disse o procurador ao então presidente do Senado, Renan Calheiros. Mas, apesar da tensão, Janot, ao saber que Collor poderia ir à sessão armado, tentou desanuviar o ambiente com uma ironia: “se for igual ao pai, ele vai errar o tiro”.
A declaração evocava o dia 6 de dezembro de 1963, em Brasília: o senador Arnon de Melo discursava na tribuna do Senado e ao citar seu adversário Silvestre Péricles, este, arma em punho, dispara contra o adversário, que também está armado, abaixa-se e atira de volta. Erra o tiro e acerta o senador José Kairala, um acreano e Brasiléia, que posava para fotografias que recordariam seus 90 dias no Senado como suplente do senador José Guiomard dos Santos.
O Acre, ainda sem querer, ia às manchetes. Como agora, de novo.