Uma casinha de madeira na cor amarela, com uma decoração simples e com pendores indígenas, situada na chamada “Pracinha do Tropical”, na Rua das Palmeiras, em Rio Branco, à primeira vista, não revela que ali é um dos endereços mais conhecidos da gastronomia e das revistas especializadas do país. Entre as publicações especializadas que já fizeram referências ao lugar como um local onde se come bem e com qualidade no Acre estão revistas como “Gula”, o caderno de bordo da empresa de aviação “Gol”, o guia “4 Rodas” e até a revista televisiva global da apresentadora Ana Maria Braga, cuja equipe já esteve no local para gravações a fim de contar a história do “Point do Pato”, restaurante de comidas típicas e regionais que vão além do que o nome sugere.
O “Point do Pato” agora é também da rã, do jacaré, da tartaruga e de outros pratos exóticos, cuja carne é importada de São Paulo já que o Acre, embora abundante nesses animais silvestres, não os produz em escala o suficiente para atender a demanda de um restaurante que funciona de segunda-feira aos sábados, sempre de casa cheia. É também o “Point” de pratos regionais como o “Peixe na Crosta da Tapioca” ou o “Peixinho Acreano”, que consiste numa saborosa mistura de peixe grelhado (filhote ou dourado), servido em posta, acompanhado de arroz com jambu, um risoto em que vai camarão. Acompanha ainda uma mistura de Champion, alcaparras, camarões cortados, tudo grelhado.
Os pratos exóticos e outros cuja discrição são de dar água na boca de quem escreve e de quem ler, saem da cabeça da proprietária do lugar Socorro Moreira Jorge, uma ex-dona de casa que já andou pela política e chegou a assumir o mandato de vereadora na Capital e que virou empresária da noite quase por acaso. Ela conta que há pelo menos 27 anos atrás estava em Porto seguro, na Bahia, de férias com a família – os filhos Ângelo, Henrique e Sandro, além do marido o jornalista Luís Carlos Moreira Jorge, o “Crica”, o mais longevo colunista político da imprensa do Acre. Quando passou na frente de um restaurante chamado “Point do Axé”, ainda lá em Porto Seguro, teve a ideia de criar algo parecido no Acre, com a cozinha regional. Nascia ali o Point do Pato, especializado, inicialmente, em pato – claro! -, em rabo de boi no tucupi, paeja e vatapá.
O tempo e a experiência fizeram surgir outros pratos, inclusive os ditos exóticos, que foram se tornando outras especialidades da casa, conta Socorro Jorge, uma amazonense nascida em Boca do Acre que nunca fez qualquer curso de gastronomia. No entanto, por ter aprendido desde cedo, graças ao ensinamento da mãe, a cozinhar o chamado “básico”, não sentiu dificuldades em começar uma história que já dura mais de 27 anos e que já ganhou, além das citações na imprensa especializada, o reconhecimento formal – com direito a certificados e outros documentos – de quem vive de aferir qualidade em termos de comida país a fora.
Mas, como não poderia deixar de ser, por trás de toda história de sucesso há, sempre, uma história trágica – no caso uma quase tragédia: há dez anos, Socorro Jorge foi diagnosticada com câncer no fígado e, como ocorre na maioria dos casos desta natureza, muitos chegaram a pensar que seria o fim – inclusive do “Point do Pato”. Perdeu quem apostou nisso – se é que alguém apostou nisso considerando-se a quase unanimidade de Socorro Jorge entre seus inúmeros amigos e clientes. Levada a São Paulo, ela caiu nas mãos do médico Tercio Genzine, especialista em doenças hepáticas. Transplantada faz mais de cinco anos, seu organismo não sofreu qualquer rejeição e Socorro Jorge hoje pode tocar a vida – e seu negócio – com naturalidade. “Eu nunca me desesperei. Sempre achei que iria e voltaria para cá”, disse ela, ao se referir aos piores momentos da doença, quando teve que ir a São Paulo. “O Tião Viana e o dr. Tércio foram muito importantes nesta minha recuperação”, disse, agradecida, citando o ex-governador e médico acreano.
Mas, como acontece também nas boas histórias, a doença serviu para mostrar que, graça à equipe e à sua família – principalmente os filhos Sandro e Henrique, que conseguiram conciliar as atividades de odontólogos com a de administradores do “Point” –, negócios, quando organizados, permanecem de pé mesmo em momentos difíceis como em caso de doença de seus donos. “Mesmo eu estando fora, a qualidade não caiu nem meus clientes se afastaram”, comemora.
Por isso, ela acha que o “Point” ainda vai muito longe. “Quando eu não estiver mais aqui, meus filhos o tocarão e, na falta deles, certamente os meus netos”, disse – os netos ainda não vieram.
Mas, além de bar e restaurante, o “Point” é também um templo da política. A condição de jornalista de política do marido da dona faz acorrer ao local uma legião de políticos, com e sem mandato, para comer, tomar uma cerveja gelada mas, e, principalmente, articular política e, se possível, ganhar uma citação na mais prestigiada coluna do jornalismo local. Como não é bobo, deve ser por isso que é mais fácil encontrar o jornalista Luís Carlos Moreira Jorge nos corredores palacianos do que no restaurante de sua mulher.
Mesmo assim, é possível que naquelas mesas tenham sido construídos muitos planos políticos e articuladas algumas candidaturas. “Eu não me importo com eles, os políticos. Aqui andam políticos de todos partidos, de todas as tendências. Aqui todos são respeitados como clientes e amigos porque aqui é um templo democrático!”, disse. “Tomaram que eles continuem vindo. Todos”, acrescenta Socorro Jorge.