Ele só deixa de ser brasileiro por alguns instantes. A última vez deu-se neste ano, durante a final da Copa América, em 7 de julho de 2019, quando o anfitrião Brasil e o Peru se enfrentaram no Estádio Maracanã, no Rio de Janeiro, para decidir quem seria o vencedor do Campeonato, com os brasileiros saindo-se vitoriosos com o placar de 3 a 1. Mas, para aquele torcedor que para justificar seu amor por duas nações esperava um empate (algo quase impossível para uma final, que se permanecesse empatada iria para prorrogação e dali para os pênaltis), a vitória brasileira não foi fácil. O time peruano tomou a iniciativa de jogo, mas esbarrou na eficiência da defesa brasileira e a cada ataque, de ambos os lados, ele sofria em dobro.
Em sua primeira finalização, a Seleção brasileira abriu o placar com Everton, eleito melhor em campo, em chute de primeira depois de jogada espetacular de Gabriel Jesus. O Peru chegou ao empate em pênalti marcado e revisado no vídeo pela arbitragem. Paolo Guerrero converteu. Mas a alegria peruana durou pouco. No último lance da primeira etapa, Gabriel Jesus acertou belo chute da entrada da área e fez o segundo: 2 a 1. A parte peruana do coração daquele homem de duas nacionalidades, já safenado, sentiria outro golpe, o terceiro gol. Mas, apesar de algum sofrimento por ter torcido em vão para a seleção de seu país, o coração daquele torcedor, o artista plástico Jorge Rivasplata de La Cruz, estava conformado. Afinal, ele é o peruano mais brasileiro – ou vice-versa – que se pode conhecer.
Aos 86 anos e vivendo no Acre desde 1985, nascido numa cidade ao norte do Peru, Guadalupe – mesmo nome de sua esposa, que também é natural dali -, é o artista que mais retratou o cotidiano do povo acreano e sua historia. É autor de telas que mostram a saga de Plácido de Castro e seu exército de seringueiros e de praticamente todos os governadores que já passaram pelo Palácio Rio Branco, cujos retratos estão expostos no Memorial dos Autonomistas, no centro da cidade, onde, a partir desta quarta-feira (30) até o dia 15 de novembro, também estará em exposição parte do que o artista produziu em todos os anos de Acre.
Trata-se de uma exposição apoiada pela casa da Amizade e com patrocínio do Governo do Estado, com visitação de segunda a sexta feira, das 8 às 18 horas, sem fechar para o almoço. A entrada é franca.
De acordo com Dulcinéia Vaz da Silva, coordenadora do Museu dos Autonomistas, a exposição de Rivasplata é continuidade de um trabalho que o Museu dos Autonomistas vai passar a realizar a partir de agora. “Todos os meses queremos expor o trabalho de cada um dos nossos artistas. A ideia é valorizarmos cada vez mais a produção dos artistas locais”, disse Dulcinéia.
Rivasplata se descobriu artista plástico aos seis aos de idade, ainda no Colégio, quando venceu um concurso de pinturas. De lá para cá, só se aprimorou. Também pinta quadros de pessoas e faz esculturas, como aquela da polêmica do chamado “Menino do Acre”, do filósofo e teólogo italiano Giordano Bruno (1548–1600), encontrada no quarto do jovem Bruno Borges após seu desaparecimento. “Mas ele adora esculpir bustos pessoas vivas”, diz Guadalupe, esposa e porta-voz do artista.
Jorge Rivasplata de La Cruz chegou ao Acre no auge da guerra do Sendero Luminoso em seu país, mas nega que tenha vindo em fuga com medo dos terroristas que varreram o Peru com um banho de sangue. Veio a convite do então chefe do cerimonial do governo do Estado na administração do então governador Nabor Júnior, o falecido professor Geraldo Gonçalo da Costa, “Ele veio convidado para pintar os retratos dos governadores”, conta Guadalupe Rivasplata, mulher do artista há quase 40 anos, com o qual tem dois filhos orgulhosamente brasileiros. “Ele pintou os quadros que lhe encomendaram e foi ficando por aqui”, disse.
De todos os ex-governadores, apenas três não passaram pelos pincéis do artista: Edgar Cerqueira, Jorge Viana e agora Gladson Cameli. O primeiro, porque ninguém e dispôs a passar ao artista uma fotografia do homem que chegou ao poder após derrubar o governador constitucional a partir de um golpe militar, em maio de 1962. O segundo, de acordo com Guadalupe, porque se recusou. “Acho que o Jorge Viana não gosta de arte ou pintura”, disse Guadalupe.
O terceiro, Gladson Cameli, ao que tudo indica, não pousou para o artista porque, com menos de 11 meses de mandato, ainda acha prematuro pousar para a quase eternidade de pinturas a óleo. Seja como for, Jorge Rivasplata, que não gosta de conceder e prefere escalar sua esposa Guadalupe como porta-voz, se prepara para se eternizar como o mais brasileiros dos peruanos ou vice-versa.