É mais ambiciosa do que se imagina a proposta do senador Márcio Bittar (MDB-AC) para alterar, se necessário, até mesmo o curso do rio Acre, criando barragens e lagoas desde Assis Brasil a Rio Branco, para evitar os fenômenos das inundações no inverno e das secas nos períodos de estiagem. Os R$ 5,5 milhões a serem liberados pelo Ministério do Desenvolvimento Regional ainda este ano para os primeiros estudos do projeto são apenas o começo de um montante que pode resultar em investimentos da ordem de R$ 400 milhões a serem desembolsados ao longo de dez anos de obras e cujos recursos já estão sob compromisso de liberações pelo governo do presidente Jair Bolsonaro.
Além de intervir no rio Acre, a ideia também busca recuperar todo o manancial do igarapé São Francisco, que corta a Capital, com recursos de emenda do senador prevista para 2020. A ideia é transformar o igarapé, atualmente ameaçado de extinção e recebendo esgotos da Fundação Hospital e da penitenciária “Francisco D’Oliveira Conde”, em um manancial capaz de propiciar diletantismo à população.
As informações são prestadas, na entrevista a seguir, pelo engenheiro civil Sebastião Fonseca, o Tião Fonseca, presidente o Sindicato dos Engenheiros do Acre (Senge-AC), que encampou, ainda em 2016, a ideia de um projeto profundo para o rio Acre e que passou a ser encampado pelo senador Márcio Bittar, a partir de sua eleição para o Senado em 2018. Tião Fonseca vem ajudando o senador nesta tarefa e revelou detalhes de como deve funcionar o projeto. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O senador Márcio Bittar (MDB-AC), ao anunciar a obtenção de R$ 5,5 milhões para investimentos em estudos sobre o rio Acre para a contenção de enchentes e das secas no período de estiagem, disse que, particularmente, não saberia como fazer isso, mas afirmou que as respostas cabem à engenharia. O senhor, na condição de engenheiro e presidente estadual do sindicato da categoria, poderia dizer que respostas são estas?
Sebastião Fonseca – É importante deixar bem claro que a solução para esta questão crítica de máximo de cheia e de seca no rio Acre, quase anualmente, extremos que se agravam a cada ano, sairá da engenharia realmente. Não será do “velho do rio”, do ”eu acho” e daquelas questões em que às vezes a pessoa dar opinião, mas, tecnicamente, isso precisa ser muito bem estudado.
Por quê ? O que resultará desses estudos?
O senador, ainda na campanha eleitoral para o atual mandato, colocou isso como prioridade do mandato dele, para os próximos oito anos. Esta primeira etapa, de liberação de R$ 5,5 milhões, vai identificar qual é o tipo de solução a ser encontrada. Vou dar exemplo de algumas coisas que estão sendo aventadas: lagoa de regularização, barragens…
O que vem a ser uma lagoa de regularização?
Significa jogar, nas enchentes, toda a água do excesso para um grande lago e depois, no período da seca, soltar essa água, devolvendo-a para o leito do rio.
Então essa lagoa evitaria aquelas inundações as quais estamos acostumados a ver quase todos os anos?
Exatamente. Mas os primeiros estudos deram vários pistas para o problema e ainda não estamos no conclusivo. Mas o fato é que não podemos ficar com várias saídas. Temo que chegar a uma única saída.
Pois é… Mas, até aqui, o senhor já falou de duas. Haveria mis? Quais seriam?
Há várias. Nós temos que estudar e tomar uma decisão para um projeto final.
E as tais barragens seriam como?
Um exemplo: riozinho do Rola e o Xapuri, afluentes do rio Acre, são, nas alagações, responsáveis por quase 40% da água que inunda a Capital. Então, pode ser que seja necessário se fazer uma barragem no riozinho do Rola ou no Rio Xapuri. O fato é que essas inundações vão ser estudadas por pessoas de alta capacidade e de alta tecnologia, porque não se trata de um estudo simples de fazer. É algo que tem que ser feito por especialistas e, com esses primeiros R$ 5,5 milhões, vamos encontrar meios para a solução ao projeto básico que vai por fim a isso. Daí para frente, vão surgir os projetos executivos de engenharia e em seguida a licitação das obras. O senador Márcio Bittar tomou posse, como sabemos, em fevereiro deste ano e esses R$ 5,5 milhões ele conseguiu alocar ainda no Orçamento de 2018…
Mesmo sem mandato? Como conseguiu isso?
Mesmo sem mandato. Ele foi para Brasília, antes de tomar posse, juntou a bancada do MDB nacional, falou de sua bandeira de lutas e de seus compromissos com a questão e colocou os recursos no Orçamento. Então, eu diria que é um ato louvável de alguém que faz uma promessa de campanha e antes de assumir o mandato já está trabalhando para realiza-la. Esses recursos, portanto, são frutos das emendas de 2018.
Isso significa então que virá mais dinheiro por aí. O senhor tem ideia de quanto um projeto desses vai consumir?
Vou falar da responsabilidade de como esse assunto está sendo tratado. Esta questão do rio Acre já está no PPA (Plano Plurianual) do Ministério do Desenvolvimento Regional. É programação do Ministério para os quatro anos do Governo Bolsonaro. Mais do que isso: foi aprovado agora, recentemente, e está colocada já esta aprovação no Orçamento, projetos com rubrica orçamentária para cobrir as despesas com as possíveis soluções desses estudos e projetos, no valor de R$ 400 milhões. Ou seja, este é um processo que começa pequeno, mas vai terminar como um dos maiores projetos da Amazônia porque a solução não é uma coisa simples. Isso já está assegurado porque não adianta você discutir projetos, encontrar a solução, e não ter dinheiro para executar a obra que virá desta definição técnica. O senador Márcio Bittar já está lá dentro do programa e conseguiu aprovar isso agora. Esses são os passos, vamos dizer assim, burocrático. Têm todo um trâmite e o trânsito político do senador para fazer valer o compromisso que ele assumiu na campanha eleitoral.
Significa então que o primeiro passo já está sendo dado agora? E que primeiro passo é esse?
Sim. E o primeiro passo é o estudo que vai culminar com uma licitação de caráter nacional e que vai começar em seguida com o projeto básico da solução. Um exemplo: vamos dizer que optamos por uma maior velocidade do desaguadouro do rio Acre. Sabemos que o rio Acre tem muitos meandros, muitas curvas e – vamos dizer num português que o povo entenda – isso exigirá que retiremos as curvas e deixarmos o rio numa linha reta para correr mais rápido e poder dar maior vazão ao seu volume de água e não acumular. Esta é uma saída. Mas isso tem que ser feito com informações sobre quantos e quais são as saídas para esta água com o desbloqueio dessas curvas. E não estamos falando só de Rio Branco. Estamos com estudos que incluem Assis Brasil, Brasiléia e Xapuri. A solução não será só para a Capital – Rio Branco vai consumir a metade desses esforços.
Um geólogo chamado Orlando Valverde, já falecido, publicou um estudo nos anos 80 e depois me confirmaria m entrevista na época, que os rios da Amazônia, incluindo o Acre, são rios novos, como fossem bebês engatinhando, ainda à procura do seu leito definitivo. Por isso, tantos curvas, tantas enchentes e tantos desbarrancamentos. Seus estudos confirmam isso?
Nossos estudos apontam para o fato de que, na ocupação do território lá nos primórdios, os colonizadores chegaram através dos rios. E, claro, fizeram suas moradas em suas margens, já que o rio era o ponto de comunicação com o mundo exterior e com a navegação. De fato, o rio Acre é recente, mas é um rio importante, é até internacional, já que nasce no Peru, passa pelo território boliviano e desemboca no coração da Amazônia brasileira. Por isso que a gente precisa, quando falar sobre o assunto, o fazer com base e tecnologia para embasarmos cada passo. A resposta tem que ser sustentável do ponto de vista ambiental, econômica do ponto de vista do que a engenharia sempre visa, que é a economia. É lógico que uma alagação que custa, segundo dados do governo passado em relação à cheia de 2015, a maior de todos os tempos, valores como mais de R$ 200 milhões de prejuízos, nós estamos falando de viabilidade e até de necessidade do projeto. Se numa única alagação são gastos R$ 200 milhões e vamos investi R$ 400 milhões para encontrar uma solução e resolver o problema, então estamos no caminho certo. Financeiramente, a engenharia mostra a necessidade e a viabilidade. Esses primeiros estudos, que fizemos com uma equipe modesta, com outro formato, propiciaram várias saídas e agora nós vamos buscar a solução. Esse primeiro trabalho que fizemos, Sindicato Governo do Estado, na administração passada, que registramos num relatório técnico, saiu do zero e chegamos até aqui.
Por que o Sindicato dos Engenheiros se envolveu nisso e como?
A nossa forma de atuar como Sindicato sempre foi, respeitando os efeitos da profissão, para a população, porque compreendemos que o Sindicato não pode ser corporativista e viver tratando apenas de salário e dos interesses dos seus membros. É preciso ir mais além, porque, se não for assim, seria uma coisa mesquinha termos uma instituição que defende o engenheiro e se limitar às questões salariais e interesses internos. A nossa atividade tem um horizonte grande. Tem, sim, a questão salarial, a defesa de melhores condições de trabalho, mas tem também políticas públicas que a engenharia precisa discutir e precisa não só criticar, mas também apresentar soluções. Nós fomos buscar respostas para essas interrogações do rio, já que a gente tinha como um problema importante a alagação, que só em Rio Branco atinge pelo menos cem mil pessoas. Isso é muita gente. Então penso que a engenharia precisa ter também esse compromisso com o social da profissão com a qual nós juramos. O Sindicato precisa fazer, portanto, esse papel para a sociedade, já que nós somos, por lei, a única autoridade para lidar com a engenharia, mas precisamos tratar bem a população e procurar saber e fazer o que é de melhor e que pode ser feito para que ela tenha uma melhor condição de vida, principalmente aqui na Amazônia.
Foi feita então uma expedição do Sindicato dos Engenheiros? Quando foi feita e vocês foram até onde?
Sim, foi feita. Uma expedição que não foi barata e o Sindicato procurou bancá-la com ajuda de seus parceiros.
E isso consistiu em que? Vocês fizeram o que exatamente?
O resultado está num relatório que está servindo de base a todos os estudos. Levamos aparelhos e cientistas para medir tudo a velocidade e tudo sobre as águas. A expedição foi feita em março de 2016 e quando foi em junho do mesmo ano o relatório estava pronto. Nós saímos de Porto Acre e fomos até o território peruano onde nasce o rio, na última cachoeira, nas cabeceiras.
Qual era o objetivo concreto disso?
Bem, nós levamos entidades como a CPRM, que cuida de solos em nível de governo federal, a ANA (Agência Nacional de Águas). Nesta expedição, haviam cientistas, doutores, pós-graduados em hidrologia, em geologia. Foi uma expedição científica pelas águas, estudando a profundidade do rio, qualidade da água. Enfim, foi medido tudo. Eu diria que foi a primeira expedição técnica feita neste rio e que durou oito dias.
O que foi decidido então a partir do que a expedição comprovou?
Que há uma condição em que a engenharia pode devolver à população a tranquilidade de não haver mais enchente ou risco de seca no nosso rio. Nós podemos, a partir disso, perceber que o rio pode secar. Aliás, muita gente diz que o rio nunca vai secar. Isso não é verdade. Vários rios no mundo secaram, morreram. O nosso relatório mostra que, a cada ano, temos um extremo de seca e de inundação. Não é uma coisa atemporal. Vem se tornando muito mais frequente.
Mas isso não tem a ver com a degradação ambiental, com desmatamentos, às margens do rio?
Tem a ver, mas não é a causa principal. Alguém pode dizer: então, refaz a mata ciliar às margens do rio e resolve o problema. Não resolve. Quem é do Acre ou está aqui desde os anos 40, 50, deve lembrar daqueles navios enormes que atracavam aqui e que hoje já não navegam mais por aqui. Isso ocorre porque o rio assoreou e carreou areia para o leito. Isso mostra que é preciso se fazer no rio uma intervenção que seja muito bem estudada em cada passo e que seja muito bem conduzida e discutida com a população. A engenharia tem a solução, mas o caboclo que mora lá na margem do rio ele tem também muitas informações. Ele não é uma pessoa alheia ao processo. É um cara que observa e a engenharia tem que escutar quem vive o problema. É claro que esse conhecimento tem que estar aliado à tecnologia. Neste projeto, há a previsão de um avião sobrevoar todo o leito do rio, da cabeceira à foz, transportando uma aparelhagem sofisticada, fotografando e documentando tudo. Nós sabemos que não será uma coisa simples de se fazer mas de haverá recursos, competência e dedicação, não vejo motivo de não ser feito.
Projeto desta natureza já foi feito? Deu certo onde?
Desconheço, na Amazônia, qualquer experiência para que a gente pudesse copiar este projeto. Acho que nunc foi feito nada parecido.
E nós estamos falando de quanto tempo de execução de um projeto desses?
De oito a de anos, no mínimo. É um processo que começa agora, de forma pequena a partir de um projeto básico, que vai resultar no projeto executivo e este nas obras a serem licitadas e executadas. Ou seja, tudo feito dentro de suas etapas e estou convencido de que estamos num cronograma, até agora, prefeito.
Este trabalho incluirá o Igarapé São Francisco, em Rio Branco, que está ameaçado de extinção?
O trabalho no São Francisco, a meu ver, será um exemplo nacional. Vamos fazer uma ampla intervenção na sustentabilidade urbana de Rio Branco a partir do igarapé. No Igarapé São Francisco, nós vamos trabalhar desde recompor desde toda a mata ciliar à limpeza total, com a contenção de todo o desbarrancamento e tirar as pessoas que estão em áreas de risco. Aquilo é uma APA (Área de Proteção Ambiental) e temos que tirar as pessoas daquelas áreas mais críticas colocá-las numa condição melhor, além de assumir e urbanizar áreas e colocar o primeiro laboratório de água certificada do Acre, que nosso Estado não tem. A Ufac tem a Utal (unidade tratamento da área alimentícia), mas o órgão não é certificado. Vamos ter condições de emitir pareceres sobre qualidade de água, o que ainda não temos.
Esse trabalho no São Francisco incluirá o quê?
Ao longo de aproximadamente 58 quilômetros, pelo menos 15 quilômetros na parte urbana, que tem o nome bonito de antropizada, onde o homem começa a estar presente, esta parte todinha vai ser beneficiada. Vamos tirar os esgotos que são jogados lá, como deveria ter sido feito no Canal da Maternidade nós vamos fazer no São Francisco aqui: construir elevatórios, jogar na ETE (Estação de Tratamento de Esgotos), jogar na Estação do Bairro Conquista, que hoje não capta nada e na do São Francisco, que capta muito pouco também.
Há recursos para isso?
Há uma emenda do senador Márcio Bittar para 2020, que vai colocar esta ETE Conquista para funcionar, atendendo quase 400 mil pessoas. No Canal da Maternidade, vamos colocar uma Estação de Tratamento na saída do canal, antes de as impurezas do esgoto chegarem ao rio Acre. Aquela imundice vai acabar. O mesmo trabalho nós vamos que fazer no São Francisco, ao longo das duas margens, que é criar as redes, fazer os elevatórios e jogar o esgoto. Outra coisa grave que constatamos: o maior hospital do Acre, o da Fundação Hospitalar, não capta nada em seu esgoto e joga tudo no igarapé Batista, que por sua vez deságua no São Francisco. Nesta emenda do senador também há a previsão de uma estação de tratamento com esgoto para evitar também que a Penitenciária “Francisco D’Oliveira Conde”, que tem milhares de presos, continue jogando seu esgoto direto no São Francisco. Isso tudo está sendo planejado.