As incertezas sobre a duração dos efeitos da pandemia do novo coronavírus acenderam o debate entre economistas sobre uma eventual necessidade de extensão do auxílio emergencial de R$ 600, que será pago até junho. Além do risco de “dias duros” de contaminação pela covid-19 até julho ou agosto, há preocupação com o período de transição entre o choque do isolamento e a efetiva retomada da atividade, uma vez que o mercado de trabalho costuma ser o último a reagir em momentos de crise.
A lei que foi aprovada pelo Congresso Nacional prevê que trabalhadores informais, autônomos, microempreendedores individuais e desempregados receber auxílio de R$ 600 por três meses, com cota em dobro (R$ 1,2 mil) para mulheres chefes de família. Mas o próprio texto deixou a porta aberta para prorrogação enquanto durar a calamidade pública, prevista até 31 de dezembro.
O governo já reservou R$ 98,2 bilhões para bancar a ajuda nos três meses previstos na lei. Mas esse valor já está defasado, pois previa contemplar 54 milhões de brasileiros.
O próprio ministro da Cidadania, Onyx Lorenzoni, já admitiu publicamente que o pedido de auxílio pode chegar a 75 milhões de trabalhadores. Com apoio do governo, o Congresso também aprovou mudanças que podem resultar em mais 7,5 milhões de contemplados, com gasto adicional de R$ 10 bilhões.
Fontes do mercado financeiro calculam que a ampliação do alcance ainda dentro dos três meses pode resultar numa despesa adicional de R$ 36 bilhões a R$ 40 bilhões. Mantendo o número de trabalhadores contemplados, o gasto de prorrogar o auxílio poderia chegar a R$ 46 bilhões por mês adicional, segundo as avaliações de mercado. Equivale ao orçamento de um ano e meio do Bolsa Família em tempos de normalidade.
Incentivo ao isolamento
O auxílio emergencial, embora represente uma das despesas mais vultosas da pandemia, é considerado necessário pela equipe econômica para proteger as famílias e incentivá-las a ficar em casa num momento em que autoridades de saúde recomendam o isolamento social como forma de frear o avanço da infecção.
O debate sobre sua prorrogação ganhou força com prognósticos do Ministério da Saúde de que os efeitos da pandemia podem se estender. Antes de deixar o cargo, o agora ex-ministro Luiz Henrique Mandetta chegou a falar em “dias duros” da doença entre maio e junho, ou até julho (mês já descoberto pelo auxílio). Por e-mail, a pasta informa que as notificações por doenças respiratórias costumam crescer no País entre o início de maio e meados de agosto.
“Como a covid-19 é uma doença nova, ainda não temos como prever qual será seu comportamento no País e quando se daria essa volta à normalidade”, diz o Ministério da Saúde.
Para o economista Pedro Nery, a prorrogação do auxílio emergencial é “bastante provável”, inclusive para proteger empregados com carteira assinada que forem demitidos e não conseguirem se recolocar no mercado. Embora tenham acesso a seguro-desemprego, multa do FGTS e aviso prévio, essas fontes de recursos podem se exaurir antes de o mercado de trabalho voltar a oferecer oportunidades.
“No pior cenário, se tivermos muitas demissões apesar dos programas do governo, e se a epidemia não permitir o relaxamento da quarentena no segundo semestre, teríamos a ‘segunda onda’ do auxílio. Trabalhadores formais que hoje não precisam dele podem passar a precisar”, afirma Nery.
Renda básica universal
O sociólogo Luís Henrique Paiva, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), diz que a operação do auxílio emergencial foi bem-sucedida até aqui, mas, independentemente da duração da ajuda, é preciso discutir como fazer a transição entre o período de quarentena e a recuperação econômica.
“As medidas adotadas fazem com que a recuperação seja mais rápida. Mas isso não quer dizer rápida, apenas mais rápida do que num cenário de caos”, avalia. Segundo ele, o governo pode precisar discutir uma prorrogação do auxílio neste momento de transição, mesmo que num valor menor que os R$ 600.
A criação do auxílio emergencial também é vista por especialistas como uma oportunidade de o Brasil dar o primeiro passo na direção de uma renda básica universal, benefício que seria pago a todos os brasileiros para garantir um mínimo de sobrevivência.
Nery pondera que essa discussão ainda tem “um quê de utopia” e precisa vir necessariamente acompanhada de uma rediscussão em outros benefícios, como o abono salarial e as deduções do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF). “O mais provável é uma renda garantida, como o auxílio emergencial, quer dizer, um benefício para que se atinja um determinado nível de renda. O benefício básico do Bolsa Família já é assim, sem contrapartidas, mas é destinado a uma linha de extrema pobreza muito baixa”, diz.
Para ele, a cobrança por alguma perpetuação do auxílio emergencial já está contratada. O Bolsa Família, que paga em média menos de R$ 190, vai transferir por três meses pelo menos o triplo disso. No limite, pessoas que recebem R$ 41 poderão receber R$ 1,2 mil, como uma mãe vivendo com o filho abaixo da linha de pobreza do Bolsa.
“Pode ser difícil voltar para o desenho anterior perto das eleições. O pleito é legítimo, porque de fato gastamos muito pouco com proteção a essas famílias. O Bolsa equivale a algo como 2% do gasto da União. A crise escancara essa precariedade. Não faz sentido que seja tão pouco, dez vezes menos do que o gasto com servidores ou com as renúncias tributárias”, avalia Nery.