Existe uma beleza e sentimentos inexplicáveis ligados à experiência da maternidade. Muito se fala e se escreve sobre ser mãe, amor materno, dar à luz, se doar, etc. As referências teóricas, bíblicas e poéticas sobre o assunto são inúmeras e, ao mesmo tempo, paradoxalmente, insuficientes para abarcar esse fenômeno chamado maternidade.
O fato é que não somente no Dia das Mães, comemorado mundialmente neste domingo (7), mas em todos os outros, as reflexões sobre este papel são importantes, para que seja visto em muitas perspectivas. A de hoje é: “ser mãe e conciliar o papel de cuidar com o home office e atividades domésticas”. Afinal de contas, essa representação foi atravessada pela pandemia do coronavírus, que mudou toda a rotina do mundo.
Separadas por poucos quilômetros, por atividades laborais diferentes, mas unidas nos mesmos desafios, as mães Fabiane Melo, Ana Késia Oliveira e Rosa Almeida – o trio de acreanas – foram as entrevistadas do ContilNet para falar sobre suas experiências com a temática.
“É um aprendizado, mas com muitos desafios”
A funcionária pública e mãe do Kauê e da Ana Lis, Rosa Almeida, de Sena Madureira, explicou à nossa reportagem que o papel de mãe na pandemia é ainda mais importante e ampliado.
“Nessa pandemia, ser mãe e executar o home office tem sido um desafio para mim e até para as crianças. Por vezes preciso participar de reuniões via web e surge ao mesmo tempo um imprevisto com eles [sorriu]”, contou. “A pequena pede para fazer algo para ela que não consegue fazer sozinha. O menino, que também está resolvendo as atividades que recebe online, semanalmente, precisa de uma ajuda para tirar um dúvida ou algo parecido”, continuou.
“Enfim, não é uma situação a qual estamos acostumados, é uma situação atípica. De qualquer forma, é um aprendizado”, finalizou.
Outra novidade, de acordo com Rosa, é que ela aprendeu mais ainda a lidar com as emoções das crianças e disse que se tornou uma mãe melhor.
“Aprendi a lidar melhor com as emoções dos filhos, tendo em vista que a aproximação me fez reconhecer que eles precisam de mim mais do que eu imaginava. Acho que me tornarei uma mãe melhor, reconhecendo que os pequenos necessitam muito de um acompanhamento mais do que eu havia dado até então, em decorrência principalmente do trabalho. Já éramos unidos e estávamos sempre juntos, principalmente a pequena. A partir das reflexões sobre tudo o que realmente importa em nossas vidas, creio que esses laços seguirão mais fortes”, finalizou.
“Ser mãe em tempo de quarentena é ter olhar redobrado. Não tem romantismo”
A administradora e mãe da pequena Isabel, de 4 anos, Ana Késia Oliveira Góes, também abordou os inúmeros desafios que fazem parte deste momento atípico que afeta o papel de mãe.
“Tenho encontrado alguns desafios nessa quarentena para ser trabalhadora, mãe e conciliar esses papéis com as tarefas domésticas, embora eu tenha um marido que faça a parte dele para manter o lar mais limpo. O fato é que ser mãe nesta quarentena, de medos e incertezas, é ter um olhar redobrado para o filho, pois as preocupações e o cuidado triplicam”, explicou.
Ana Késia, por atuar profissionalmente em um setor de serviços essenciais, precisa sair de casa para trabalhar. Isso de acordo com ela gera um outro impacto. “Eu preciso sair de casa para trabalhar. Isso tem um impacto. Quando volto para casa, sinto a necessidade de me organizar para ficar um pouco com ela, ajudar meu marido (que também trabalha, mas no modelo home office) com os afazeres domésticos, ficar com ele e cuidar de mim. Não tem romantismo. A maternidade carrega a sua beleza, mas também os seus desafios”, continuou.
Sobre o que vivenciou também de diferente, Ana acredita que aprendeu a valorizar alguns detalhes que não valoriza antes.
“Hoje eu dou mais atenção aos pedidos que ela me faz e tento me aproximar ainda mais. Ela sente minha falta e entende que esse momento é atípico, diferente. Eu estou valorizando mais o contato com ela e com minha família”, finalizou.
“Não tento dar conta de duas coisas ao mesmo tempo”
A psicóloga, professora da Universidade Federal do Acre (Ufac) e mãe do Leandro Rafael e do Luís Felipe contou um pouco da sua experiência com a maternidade e falou sobre a realidade atual sem “fórmulas prontas” ou rigidez na forma como as mães podem lidar com as questões relacionadas aos filhos nesta pandemia.
“A maior consequência da pandemia na rotina familiar foi justamente perder a rede de apoio: o isolamento da família e a suspensão das atividades escolares. Adaptações foram necessárias e novas estratégias inseridas para reduzir o impacto da nova realidade que se coloca. Comida congelada, máquina de lavar funcionando a noite, louça suja na pia ou limpa acumulada no secador de louças, home office enquanto criancas tiram a soneca da tarde ou durante sono noturno, atividades lúdicas e escolares desenvolvidas com os dois filhos juntos (com idades diferentes, sendo que o mais novo nunca frequentou creche)”, explicou.
Sobre a divisão do seu tempo, Fabiane explicou que não tenta dar conta de tudo ao mesmo tempo.
“Não tento dar conta de duas coisas ao mesmo tempo: se estou com meus filhos, minha atenção é dirigida e focada neles. Tentar fazer tudo ao mesmo tempo foi uma estratégia fracassada logo nas primeiras semanas da quarentena. Contudo, em tempos de pandemia, não há certo e errado: cada família terá que encontrar a sua maneira de lidar com as demandas levando em conta as condições que lhe são dadas (ou a falta delas). Não posso exigir que uma mãe/ pai brinque, dê atenção aos seus filhos e os ajude nas tarefas escolares, se nem certeza eles tem se haverá próxima refeição e se não há computador com acesso à internet de qualidade em casa. Se mesmo em tempos de incertezas, medos e mortes, consigo manter certa leveza e a harmonia no lar é porque, apesar do angústia de saber que estamos enfrentando algo muito sério, eu conto com estrutura familiar e financeira. Diferente de milhares de pessoas, em particular mulheres- mães, pelo Brasil afora”, continuou.
Mesmo considerando que não faz parte da realidade da grande maioria das mulheres que são mães nesse país, Fabiane explica que “ser mãe por si só é um desafio diário”.
“Nesse universo, há várias realidades distintas: mães solo que podem contar ou não com rede de apoio, mulheres que são provedoras do lar, mães com companheiros (as) que compartilham o cuidado e as tarefas domésticas e tantas outras situações que retratam a diversidade na composição das famílias. O que há em comum entre todas elas é que histórica e culturalmente são relegadas para as mulheres a função do cuidado, da educação dos filhos e dos afazeres domésticos. Somados ao fato de que trabalham (seja em casa ou fora) a sobrecarga feminina é um evidente. Com a pandemia, tudo se intensificou. As recomendações de isolamento impossibilitam a participação da rede de apoio como escola e familiares (avós e tios, por exemplo). Também há a inclusão de mais uma carga (também imputada a mulher): as aulas e atividades on-line de seus filhos. A conta que antes já não fechava, a balança que antes muitas vezes já não era equilibrada, fica quase que impossível de lidar: seu próprio trabalho em home office, seus filhos em casa, as atividades escolares, a casa, a alimentação da família e tantas outras coisas a fazer. O preço dessa sobrecarga é alto: estresse e sofrimento mental. A elas não é dado espaço de fala, pois a qualquer sinal de cansaço, tristeza e expressão verbal das suas dificuldades, vem o julgamento e as cobranças sociais baseadas em expectativas sobre o papel e a função materna. Por isso diante do dia das mães que se aproxima, é importante refletir e re-pensar sobre a pouca empatia e o alto nível das exigências dirigidas a elas. Pois muitas vezes por trás de uma “mãe guerreira” ou “mulher maravilha” há uma pessoa que sofre calada, esgotada física e mentalmente”, finalizou.