Unidas por visibilidade, torcidas LGBT buscam impulso com protestos

Grupos de torcedores LGBT de clubes de futebol brasileiros, que ganharam corpo nos últimos meses, esperam alcançar mais visibilidade para as suas pautas em meio à participação das torcidas denominadas antifascistas nos recentes protestos pró-democracia e contra o governo de Jair Bolsonaro (sem partido).

No fim de 2019, esses grupos se uniram na criação do Coletivo Nacional de Torcidas LGBTQ Canarinhos Arco-Íris, a princípio para atuar como redes de sociabilização e proteção para os seus membros nos estádios. A suspensão das partidas de futebol no país, ocasionada pela pandemia da Covid-19, de certa forma freou esse objetivo, mas também contribuiu para ampliar o escopo das ações. Ainda não se sabe quando será possível voltar a frequentar os jogos.

“A luta antifascista é sobretudo uma luta contra a intolerância, então é natural que os torcedores LGBTQ endossem esses atos”, afirma Onã Rudá, 29, fundador da torcida do Bahia LGBTricolor e um dos idealizadores do Canarinhos Arco-Íris, que reúne movimentos de 14 clubes.

A convergência de pautas facilitou a adesão desses coletivos aos núcleos antifascistas de torcedores. Alguns participaram da articulação de atos, mas não foram às ruas respeitando recomendações de distanciamento social. Para Rudá, essa união trará futuramente aspectos positivos no que concerne ao fortalecimento das torcidas LGBTs dentro do estádios, à ampliação da participação delas no cotidiano dos clubes e, sobretudo, à luta contra o discurso homofóbico no futebol.

A emergência do Canarinhos se deu com a sugestão de uma série de medidas contra a LGBTfobia, que foram apresentadas a clubes e entidades, como CBF (Confederação Brasileira de Futebol), MPF (Ministério Público Federal) e Secretaria Especial do Esporte, entre outros órgãos, em fevereiro.

Dentre as recomendações estão proposições contra a transfobia, como o respeito ao nome social de pessoas transexuais nos registros de associados dos clubes e a garantia de que mulheres trans sejam revistadas por policiais mulheres nos estádios.

Também foi proposta a elaboração de campanhas contra a LGBTfobia por parte dos organizadores dos campeonatos de futebol profissional, bem como a criação de um aplicativo para denúncia de casos de homofobia nos estádios, além do estímulo para torcidas e movimentos que ajudem a debater a temática.

A reivindicação realizada pelo coletivo gerou respostas oficiais de apenas dois clubes: o Bahia, que desde 2018 tem um núcleo de ações afirmativas, e o Internacional, que conta com uma diretoria de inclusão social.

Procuradas, as agremiações afirmaram ter compromisso na luta pela inclusão nos estádios e ressaltaram que a maioria das propostas do Canarinhos Arco-Íris já é adotada.

A CBF disse que “as ideias do coletivo serão analisadas para ajudarem no combate aos casos de LGBTfobia” como um braço da campanha “Todos Iguais”, que atualmente foca a problemática do racismo no futebol brasileiro.

A CBF já recebeu várias multas da Conmebol e da Fifa por gritos de “bicha” entoados por torcedores da seleção em jogos das Eliminatórias para a Copa do Mundo de 2018 e na Copa América de 2019.

Ao ouvir as demandas de torcedores que não se sentiam seguros para ocupar a Fonte Nova, o Bahia acabou por estimular a criação da torcida LGBTricolor, que, atualmente, é a maior do país, com 351 membros. “As ações afirmativas chamaram a atenção da comunidade LGBT, que passou a acompanhar mais o clube. Algo do tipo ‘poxa, o Bahia me viu, entendeu que eu existo, que isso faz parte da minha vida'”, diz Onã Rudá.

O medo da violência muitas vezes leva os torcedores a encarnarem personagens distintos daquilo que são.

“Gays, lésbicas e bissexuais podem ocupar os estádios, desde que sejam invisíveis Quando elas são visíveis, passam a ser um problema”, afirma o palmeirense William de Lucca, 34, que também atua no Canarinhos.

Um torcedor do Athletico que preferiu não se identificar diz que no estádio comemorar um gol abraçando um torcedor é normal, mas, se este for seu namorado, a situação é vista de outra forma.

“Ainda temos medo de frequentar os estádios mostrando o que realmente somos. E o Palmeiras Livre é um lugar de acolhimento para as pessoas torcerem, para poderem se manifestar livremente”, diz Thaís Nouze, 36, uma das fundadoras do mais antigo coletivo do agrupamento nacional, surgido em abril de 2013.

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