Primeiro guarda municipal trans do Rio fala sobre preconceito: ‘Sofro e sofrerei sempre’

A luta contra o preconceito é constante, mas a única arma que garante a segurança de um futuro mais igualitário é o diálogo. Guiado por esta filosofia, Jordhan Lessa (55), o primeiro homem trans publicamente reconhecido da Guarda Municipal do Rio, tem se dedicado a dar palestras centradas em superação. Não é à toa.

“Sofro e sofrerei sempre, sou uma pessoa trans e serei sempre. Quando sofro não é só por mim, mas também pelos homens trans, as travestis e mulheres trans que diariamente são assassinados, espancados, expulsos de casa, que não têm emprego, moradia ou condições mínimas de uma vida digna. Não me escondo para que um dia os relatos das violências que suportamos sejam coisas do passado que as novas gerações acharão tão absurdas como todos os outros absurdos que já cometemos e ainda corrigimos”, comenta Lessa.

Ele é um dos participantes da sétima edição de Todos os Gêneros: Mostra de Arte e Diversidade, evento online promovido pelo Itaú Cultural, com o tema Masculinidades. Até domingo, a mostra reúne diversos convidados que abordam, em rodas de conversa e programação artística, as formas diversas como os homens se entendem e se comportam, e como isso afeta a sociedade. O evento começou na segunda-feira e pode ser acessado em www.itaucultural.org.br .

“Chegamos nesse momento de colocar em foco as tantas possibilidades de construção — e, mesmo, desconstrução — a fim de refletirmos a pluralidade de uma existência homem”, resume Galiana Brasil, gerente do Núcleo de Artes Cênicas do Itaú Cultural.

Este esforço de reflexão tem trazido frutos. Lessa se dedica à promoção de questões sobre diversidade no âmbito da prefeitura. Participou da Coordenadoria Especial da Diversidade Sexual e agora atua na própria Guarda Municipal com o projeto GM Sem Preconceito e faz parte da Rede Nacional de Operadores de Segurança LGBT.

“Não é fácil, há tolerância por força de leis. Mas ser tolerado não é o mesmo que ser respeitado. Não me vejo mais trabalhando de forma repressiva ou fazendo uso de arma. Depois de tanta superação banhada em lágrimas, descobri que a minha missão é dizer para as pessoas que não é fácil, mas é possível”, defende.

Lessa comenta sobre como a masculinidade tóxica, tema trabalhado no evento virtual, afeta o trabalho dos profissionais de segurança no Rio.

“A masculinidade tóxica é estimulada para servir ao estado, mas isso não é de agora, sempre aconteceu. Como explicar os treinamentos que sempre foram dados com foco na estimulação da agressividade? Homens simples são treinados para se sentirem fortes e poderosos, alguns saem para as ruas como se tivessem peito de aço, quando o que deveria acontecer seriam ações de inteligência com estratégias, e não esse estímulo que coloca em risco o equilíbrio mental dos profissionais. A masculinidade tóxica é um monstro que está engolindo exatamente quem se achava beneficiado por ela, infelizmente ainda temos uma parcela que não se deu conta de que o maior envenenado é quem a exerce. Isso é um fato, mas não unanimidade, temos muitos pares em todas as forças de segurança que já se deram conta que é preciso mudar e promover a mudança. É uma desconstrução lenta e necessária.”

PUBLICIDADE