Em audiência pública no Senado nesta sexta-feira (9), a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, afirmou que, se houvesse mais criação de gado no Pantanal, os incêndios que consumiram grande parte do bioma nos últimos meses poderiam ser menores. Segundo a ministra, o boi é o “bombeiro do Pantanal”. O Greenpeace, ONG que atua em defesa da preservação ambiental, classificou a fala da ministra como “equivocada”.
— Eu falo uma coisa que às vezes as pessoas criticam, mas o boi ajuda, ele é o bombeiro do Pantanal, porque ele que come aquela massa do capim, seja ele o capim nativo ou o plantado. É ele que come essa massa para não deixar que ocorra o que este ano nós tivemos. Com a seca, a água do subsolo também baixou em seus níveis. Essa massa virou o quê? Um material altamente combustível, incendiário.
A ministra foi convidada a falar aos senadores sobre as queimadas no Pantanal. Tereza Cristina também é deputada licenciada, eleita pelo Mato Grosso do Sul, estado que abriga parte do bioma. Ela defendeu a pecuária na região.
— Aconteceu um desastre porque nós tínhamos muita matéria orgânica seca, e, talvez, se tivéssemos um pouco mais de gado no Pantanal, teria sido um desastre até menor do que o que nós tivemos neste ano. Mas isso tem de servir como reflexão sobre o que é que nós temos de fazer — completou ela.
A declaração foi feita durante a audiência pública virtual da comissão do Senado. A ministra também afirmou, sem dados claros e fontes que os comprovem, que o bioma ainda está preservado.
— O Pantanal foi o celeiro, vamos dizer, da riqueza do nosso estado lá no passado, com a pecuária extensiva, e, assim mesmo, nós chegamos hoje, em 2020, a um Pantanal com mais de oitenta e tantos por cento de preservação — disse ela, sem citar a fonte da informação.
A tese do “boi bombeiro”, mencionada pela ministra da Agricultura, é defendida por pecuaristas e entidades do agronegócio como uma justificativa para a ampliação da criação de gado no bioma, acompanhado de queimadas preventivas. O argumento é que o veto ao fogo provocado pelos fazendeiros provoca um acúmulo de pasto seco e inflamável em tempos de seca. Os animais, afirmam, poderiam se alimentar deste material orgânico, reduzindo a chance dos incêndios se alastrarem de forma avassaladora.
A premissa, no entanto, é rejeitada por ambientalistas e encarada como um pretexto de fazendeiros para ampliar de forma irrestrita a criação de gado no Pantanal, que vem crescendo ao longo dos anos junto dos índices de fogo no bioma. Tereza Cristina foi coordenadora da bancada do agronegócio na Câmara durante seu mandato como deputada federal pelo estado do Mato Grosso do Sul.
A declaração da ministra gerou reações entre especialistas e entidades da área ambiental. O Greenpeace, afirmou por meio de nota que a posição da ministra é “equivocada” e que a gestão ambiental no país passa por um processo de desmonte.
“Diante de um cenário já previsto de seca severa, com focos de calor muito superiores à média desde março de 2019, não foram tomadas medidas efetivas de combate e prevenção aos incêndios, necessárias desde o primeiro semestre. Se não tivesse ocorrido um desmonte da gestão ambiental no Brasil, a situação não teria chegado a este nível de gravidade”, disse o Greenpeace no comunicado.
População consciente
Também participaram da audiência as professoras e da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS). Lívia Campello, professora da faculdade de Direito, e Letícia Ribeiro, professora da faculdade de Biociências da Universidade. Lívia destacou que a intenção de criar um estatuto do Pantanal, que também é um dos objetivos da comissão, é importante para que o Brasil compra objetivos de acordos internacionais.
A professora também afirmou que o estatuto elaborado pela comissão deve destacar a função ecológica do Pantanal. Ela sugeriu fazer com que o conhecimento sobre o ecossistema do bioma seja levado à população por meio de um programa de conscientização.
— Acredito que seria importante enfatizar nesse programa as funções econômicas, sociais e ambientais benéficas à sociedade com base em tecnologias inovadoras de cooperação entre os setores governamentais, não governamentais e setor privado. A educação ambiental é fundamental para que consigamos alcançar realmente com efetividade a proteção desse bioma e cumprir a ordem constitucional e as convenções internacionais — disse ela.
Letícia, professora da faculdade de Biociências da federal do Mato Grosso, também destacou que é necessário incentivar o uso sustentável do Pantanal com pecuária de baixo impacto ambiental. Ela sugeriu incentivos a rotas de reserva ambiental, pagamentos por serviços ambientais, isenção de impostos e selos orgânico.
— Isso gera um produto agregado que é um produto único no mercado. E a gente tem uma imensa diversidade biológica nesses pastos nativos. Então, o incentivo para que não ocorra o avanço da monocultura da braquiária seria superinteressante para a gente ter esse diferencial no Pantanal — disse a professora.
Pantanal sob Mourão
Letícia também alertou para o desmatamento ilegal no Pantanal que, segundo estudos da UFMS, pode chegar a 14 mil quilômetros quadrados nos próximos 30 anos.
— Nos estudos que estivemos desenvolvendo aqui, na universidade, notamos, então, que está ocorrendo um chamado arco do desmatamento no Pantanal, em que há uma projeção de perda de 14 mil quilômetros quadrados até 2050.
O colegiado aprovou, durante a reunião, uma indicação para que a tutela do bioma passe a ser uma atribuição do Conselho Nacional da Amazônia, comandado pelo vice-presidente Hamilton Mourão.
A indicação agora segue para o presidente Jair Bolsonaro, pedindo a ele para que inclua o bioma, sem que haja alteração do estatuto do Conselho, por decreto. O objetivo é que o Pantanal tenha mais apoio do poder público durante o período das secas pelos próximos cinco anos, com inclusão no conselho até 2025.
O documento, de autoria da senadora Simone Tebet (MDB-MS), foi aprovado simbolicamente pela comissão, mas contestado pela ministra da Agricultura.
— Eu acho que essa é uma decisão que precisa ser amadurecida. Não vejo nenhum problema de ser inserido o Presidente da República, mas acho que essa conversa também precisa ser amadurecida, conversar lá com o Presidente do Conselho [da Amazônia], o vice-presidente Hamilton Mourão, e ver como isso pode ser encaixado ou não, enfim, as vantagens e as desvantagens de se estar no Conselho da Amazônia — disse a ministra. [Foto de capa: Agência Senado]