“Mandavam eu voltar para o Acre”: Gleici venceu o BBB, mas sofreu xenofobia

Quando Gleici Damasceno deixou Rio Branco rumo à casa do Big Brother Brasil, em 2018, sabia o que estava fazendo. À época, ela era a pessoa mais jovem a ocupar o cargo de presidente do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial e visava, além do prêmio de R$ 1,5 milhão, que mudaria a vida de sua família, dividir com o resto do Brasil a narrativa de uma jovem negra, do Norte do país, filha de empregada doméstica e moradora de periferia.

À Universa, a campeão do BBB 18 relata episódios de xenofobia, fala sobre a falta de oportunidades para jovens como ela, e defende a importância da representatividade: “Quando as pessoas se enxergam em algum lugar, elas se permitem sonhar. Pensam: ‘Se ela está lá, eu também posso estar”.

“Todo mundo já pensou como seria entrar no BBB. Mas, para mim, era uma coisa muito distante. Por ser do Acre, por ter um estereótipo que você olha e diz: ‘Não é uma garota que entraria no BBB’. Eu via lá dentro aquelas mulheres padrão: brancas, altas, loiras, gostosas. Quando pensava em BBB, imaginava a Grazi, a Fernanda Keulla.

Até hoje me pergunto como foi que eu entrei no programa.

Eu não assistia sempre, não dava tempo. Um dia, cheguei cansada da faculdade, sentei no sofá e minha mãe estava assistindo. Vi uma cena que me prendeu: um cara brigando com uma menina [em 2017, a cena em que Marcos Harter segura Emily Araújo pelo braço terminou com inquérito policial e com expulsão do brother]. No dia seguinte, estava todo mundo falando disso. Pensei ‘caramba, que lugar de impacto’, e comecei a acompanhar. Na final, o Tiago Leifert anunciou que as inscrições estavam abertas.

A minha vontade era ganhar o prêmio, mudar a realidade da minha família, mas também mostrar o que eu acredito. Sempre fui uma pessoa de posicionamento. Acho importante ter causas e sempre me coloquei em defesa dos jovens negros de periferia, principalmente do norte do Brasil.

Eu estava num momento de muito fogo, de muita paixão pela militância. Na época, eu era presidente do Conselho Estadual de Promoção da Igualdade Racial [a mais nova de todos os estados a ocupar o cargo].

Falei tudo isso no vídeo de inscrição. Eu nunca tinha gravado um vídeo do meu rosto, foi a primeira vez. E fui selecionada.

Refleti muito [antes de entrar na casa], claro. Se eu entrar, vou me expor. Seria a militante de esquerda, a petista. Pensei que o público fosse me achar uma chata. Ao mesmo tempo, achei que tinha chance de ganhar, por toda a minha história de vida e também porque eu não sou cuzona.

Vitoria Gleici Damasceno BBB - Globo/

“Muitas vezes fui chamada de índia, de forma pejorativa. Eu não sou indígena, sou negra, mas pessoas pensam que na região Norte só tem indígenas”, diz Gleici/Foto: Paulo Belote – Globo/Paulo Belote

Quando entrei, pensava: ‘Caraca, as pessoas que têm histórias parecidas com a minha devem estar em surto, se sentindo representadas’. Antes de do Big Brother, tudo o que eu queria era me ver representada, ver a minha história sendo contada em algum lugar.

Trabalhei desde muito cedo, vendi doce na rua quando era criança, depois trabalhei de babá. Eu sabia o impacto que tinha a minha presença ali. Quando as pessoas se enxergam em algum lugar, elas se permitem sonhar. Pensam: ‘Se ela está lá, eu posso estar’.

Claro que campeã do BBB é uma em um milhão, mas é menos sobre o BBB e mais sobre ver que uma mulher nascida na zona rural e criada na periferia de Rio Branco chegou à universidade. De onde eu vim, tem gente muito mais inteligente que eu, gente que é gênio mesmo, mas que se perdeu no caminho porque não viu oportunidade pela frente.

Dentro da casa existiram momentos em que eu me sentia julgada. Ouvi comentários do tipo: ‘A Gleici não é como a gente’. E num tom que a gente percebe que não é legal. Ainda bem que não sou como eles.

Quando eu saí do BBB, ouvi mais comentários xenófobos do que racistas. ‘Volta para o Acre’ ou ‘seu lugar não é em São Paulo’. Muitas vezes fui chamada de índia, de forma pejorativa. Eu não sou indígena, sou negra, mas pessoas pensam que na região Norte só tem indígenas.

Quanto mais perto do prêmio eu chegava, mais eu pensava: ‘Vou mudar a vida da minha mãe, vou mudar a vida da minha família’. E, quando ganhei, comprei uma casa para ela, foi a minha maior alegria. Financeiramente, minha vida mudou completamente. É muito legal ver minha mãe, que sempre trabalhou como doméstica, tendo casa, tendo carro”.

Até a estreia do Big Brother Brasil deste ano, em 25 de janeiro, Universa publica histórias de ex-BBBs que levantaram debates importantes, especialmente para as mulheres.

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