Especialistas que acompanham a evolução do novo coronavírus afirmam que a variante chamada de P.1, identificada em Manaus no começo do ano, tem potencial para infectar pessoas que já tiveram a Covid-19. Entretanto, a análise exige cautela e os pesquisadores aguardam estudos conclusivos.
A imunologista Ester Sabino, pesquisadora do Instituto de Medicina Tropical-USP, participou de um artigo internacional sobre o “ressurgimento” da Covid-19 em Manaus, publicado na revista científica “The Lancet”.
Uma das possibilidades avaliadas pelos cientistas é que as novas linhagens do SARS-CoV-2 podem escapar da imunidade gerada em resposta à infecção anterior. O artigo já relata que houve ao menos um caso de reinfecção em Manaus associado à linhagem P.1.
“Já temos um caso descrito, mas ainda não sabemos com que frequência isso pode acontecer”, diz Ester Sabino.
No país, além de Manaus, o estado de São Paulo confirmou mais três casos dessa nova variante. Cinco estados estudam casos suspeitos: Santa Catarina, Paraná, Ceará, Acre e Mato Grosso do Sul.
Mellanie Fontes-Dutra, idealizadora da Rede Análise Covid-19, doutora em neurociências e pesquisadora pós-doc em bioquímica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, explica que a variante P.1 pode ser a responsável pelos casos de reinfecção.
“Um dos motivos é que são variantes diferentes. A imunidade que você tem da cepa original pode não abranger essa segunda.” – Mellanie Fontes-Dutra, pesquisadora da Rede Análise Covid-19.
Essa também é a opinião da bióloga e doutora em saúde pública Rute Andrade.
“Existe, sim, a possibilidade [de reinfecção pela nova variante]. Sobre a imunidade para o coronavírus, temos uma série de situações: pessoas que não desenvolvem o anticorpo de forma suficiente para ser detectado, pessoas que desenvolvem uma quantidade de anticorpos que ficam presentes no organismo por tempo limitado e também temos essa variante com modificações que o anticorpo produzido pode não reconhecer” – Rute Andrade, pesquisadora.
As especialistas explicam que o Brasil precisa de mais estudos sobre a nova variante, mas que profissionais da saúde da linha de frente em Manaus dizem que a segunda onda da Covid foge do padrão já verificado no estado.
“Eles dizem que tem algo diferente acontecendo e isso pode ser o impacto da variante. Devemos ficar atentos e preocupados”, conta Fontes-Dutra.
Quatro possíveis explicações sobre Manaus
Uma equipe internacional com participação da Universidade de São Paulo, Universidade de Oxford, King’s College e Universidade Harvard publicou um artigo sobre o ‘ressurgimento’ da Covid-19 em Manaus.
Os pesquisadores apontam quatro possíveis explicações para essa alta no número de casos e mortes em Manaus em dezembro e janeiro – entre elas o surgimento da variante P.1.
A capital do Amazonas não atingiu a imunidade coletiva como se cogitava. Nesse cenário, o ressurgimento poderia ser explicado por uma maior mistura de infectados e indivíduos suscetíveis durante dezembro.
A imunidade contra a infecção pode ter começado a diminuir em dezembro, já que estudos apontam que a imunidade dura até seis meses após a infecção primária.
As linhagens SARS-CoV-2 podem escapar da imunidade gerada em resposta à infecção anterior – um caso de reinfecção em Manaus foi associado à linhagem P.1.
As linhagens que circulam na segunda onda podem ter transmissibilidade inerente mais alta do que as linhagens que já circulam em Manaus.
Variante encontrada em oito países
O último boletim epidemiológico da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado nesta semana, informou que a variante brasileira já está em oito países. O documento diz que a transmissão acelerada no Brasil levanta preocupações, mas que mais estudos ainda são necessários “para avaliar se há alterações na transmissibilidade, gravidade ou atividade neutralizadora de anticorpos como resultado destas novas variantes”.
“No Brasil, onde a variante foi inicialmente identificada além da detecção em um grupo de viajantes do Brasil para o Japão, o número de novos casos semanais nas últimas duas semanas é relatado em níveis mais elevados em comparação com o de setembro a novembro de 2020, e novas mortes semanais aumentaram desde o início de novembro de 2020”, explicou a OMS.