Após um ano, pandemia deixa rastros de dor e sofrimento a centenas de famílias no Acre

O dia 17 de março de 2020 ficará marcado por muito tempo na memória dos acreanos. Na manhã daquela terça-feira, o estado confirmava seus três primeiros casos de Covid-19, doença até então recém-descoberta pela comunidade científica internacional. A notícia foi dada em primeira mão pelo ContilNet.

Surgido na China no final de 2019, o vírus atravessou 17 mil quilômetros até pousar no Aeroporto de Rio Branco, no organismo de três pessoas que vieram de São Paulo e Fortaleza, estados que já lutavam contra a epidemia.

Na coletiva de imprensa onde foi confirmada a chegada do novo vírus ao estado, realizada no Palácio Rio Branco, na presença das principais autoridades locais, ninguém fazia ideia do que estaria por vir.

No dia seguinte, quarta-feira, as ruas estavam desertas como nunca se vira. O primeiro óbito veio três semanas depois, no início de abril, quando uma idosa de 79 anos morreu na UPA do Segundo Distrito, na capital, três dias após ter sido hospitalizada. Na época, o Acre registrava um total de 50 infecções.

Centro de Rio Branco, um dia após a confirmação dos primeiros casos / Foto: Marcos Vicentti

Exatos 12 meses depois, a pandemia de coronavírus deixou um rastro de dor e sofrimento para centenas de famílias acreanas. Até o momento, já são 1.140 mortos, uma média de 3,3 vítimas diárias desde o registro do primeiro óbito.

Além disso, o vírus já infectou oficialmente mais de 63 mil, o que equivale a 7% de toda a população do estado, sem contar os casos não testados.

Atualmente, o Acre vive o pior momento da pandemia e uma das piores crises de sua curta história, com enchentes de seis rios – que desabrigaram centenas de famílias -, surtos de dengue, conflitos migratórios na fronteira de Assis Brasil com o Peru e recorde de desemprego.

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Nos últimos dias, os sistemas público e particular de saúde entraram em colapso na capital, com todas as vagas de UTI cheias e leitos clínicos à beira da lotação. Filas de ambulâncias com pacientes à espera de vaga no hospital de campanha e doentes transferidos às pressas para outros estados são o retrato do caos.

Saúde em colapso já é realidade no Acre / Foto: Arquivo

Há, ainda, a suspeita da circulação de uma nova variante mais infecciosa e mortal, além da possibilidade de acabar o oxigênio nos hospitais públicos, conforme alertaram representantes das indústrias químicas, o que foi amplamente divulgado na imprensa local e nacional.

Estado de guerra

O médico Osvaldo Leal, membro do Comitê de Acompanhamento Especial da Covid-19 e novo diretor do Into-Acre, afirmou que o estado trava uma guerra. Só que, segundo ele, a batalha contra o inimigo invisível não é nos hospitais, mas sim em todos os espaços da sociedade.

“A guerra do hospital é a guerra de quem precisa de cuidado. Mas o hospital é a consequência do que a gente não conseguiu fazer na comunidade. A saúde e a educação, por exemplo, têm papel gigantesco na mobilização das pessoas, lembrando das regras sanitárias e também dando a assistência inicial”.

Ele falou sobre a importância de a saúde básica, de responsabilidade das prefeituras, estar devidamente estruturada e articulada para dar a assistência que lhe compete e não sobrecarregar os hospitais de maior complexidade, como o Into e o Pronto-Socorro.

Médico Osvaldo Leal, novo diretor do Into-AC / Foto: reprodução

“Se essa assistência inicial não é oferecida nas unidades básicas, esse paciente, não tendo opção, vem para o Into, que hoje é praticamente a única unidade que recebe toda a demanda da região e por isso está com UTIs, enfermarias e pronto-atendimento lotados. Temos atendido pacientes com sintomas leves que a gente nem sabe se é dengue, resfriado ou Covid-19”.

Leal lamenta que o futuro, a curto prazo, será muito difícil e que os acreanos enfrentarão semanas de muitas dores e dificuldades. Porém, segundo ele, o cenário da pandemia a longo prazo está nas mãos da população e das autoridades.

O médico reforçou a importância de manter os cuidados que comprovadamente salvam vidas, como o uso de máscara, a higienização das mãos e o distanciamento social. Além disso, recomenda que todos tomem a vacina quando chegar a hora certa.

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“O momento é de extrema gravidade. Porém, medidas muito simples podem conter isso. Tivemos uma redução nos números até meados de outubro, porém as pessoas começaram a relaxar. Vieram as eleições, festas de fim de ano e férias e descambaram nessa segunda onda, muito mais intensa, e que tem acometido pessoas de 30, 40 e 50 anos, perfis que não tínhamos antes”.

“Pensei que fosse morrer”

O colunista social Vagno de Paula foi um dos milhares que testaram positivo para o coronavírus no Acre. Do grupo de risco, ele teve a forma grave da doença e ficou internado por quase um mês no Instituto Nacional de Traumatologia e Ortopedia do Acre (Into-AC).

Colunista social Vagno de Paula: “milagre” / Foto: Arquivo pessoal

O também servidor público chegou à unidade de saúde com 70% dos pulmões comprometidos. Ele foi preparado para a UTI em três ocasiões, mas seu organismo conseguiu dar respostas positivas, fazendo com que ele escapasse da intubação.

Hoje, quase três meses depois de receber alta, com 15 quilos a menos, ele ainda sente as sequelas do vírus, como dores nas pernas, cansaço e problemas de memória, mas se diz grato a Deus por estar vivo.

“Ele me mandou de novo e todos os dias vivo um aprendizado diferente. Hoje busco ser mais complacente e menos enfezado. Amar e perdoar mais. Parecem coisas pequenas, mas para mim são enormes. Ganhei outra vida”.

Vagno deixou o Into com as veias dos braços estouradas após tantos procedimentos. Ele conta que, nos primeiros dias após a alta, acordava de madrugada achando que ainda estava no hospital, amarrado aos fios e aparelhos. “Um verdadeiro pesadelo”.

“A forma e a velocidade com que a doença se espalha são avassaladoras. Um processo extremamente doloroso. Fiquei arrasado. Pensei que fosse morrer. Você fica tão angustiado que pede até perdão a Deus”, completa Paula.

Rio Branco: o epicentro da pandemia de coronavírus no Acre / Foto: Arquivo

Raio X da pandemia

Rio Branco segue como o epicentro da pandemia de Covid-19 no Acre, com 46% dos casos (29 mil) e mais de 60% dos óbitos (694). A segunda maior cidade do estado, Cruzeiro do Sul, parece em seguida, com 6,4 mil casos e 125 óbitos.

Proporcionalmente, Assis Brasil lidera o ranque de casos para cada 100 mil habitantes, seguida por Xapuri, Tarauacá, Mâncio Lima e Sena Madureira.

Capixaba e Porto Acre são os municípios com maiores letalidades, com quase 3% dos casos confirmados indo a óbito. Rio Branco e Senador Guiomard também têm números elevados, com 2,4%. Por outro lado, a situação é mais tranquila em Jordão (0,3%), Tarauacá (0,5%) e Porto Walter (0,5%).

A cada dez mortos por Covid-19 no Acre, quatro não tinha doenças pré-existentes, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre). Os homens são 60% das vítimas fatais. Sete em cada dez óbitos aconteceram em pessoas com mais de 60 anos. No entanto, a proporção de pessoas mais novas internadas e mortas vem aumentando, com 51 óbitos na faixa etária dos 30, 99 na dos 40 anos e 159 na dos 50 anos.

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