Para jovens, a bolsa é pop e a renda fixa também

Hoje, aos 23 anos, a estudante de administração de empresas Júlia Abi-Sâmara está ajudando a encorpar as estatísticas de novos jovens investidores no mercado brasileiro, que tiram parte do dinheiro da poupança para aplicar em outros produtos financeiros.

Depois de ministrar, em 2019, cursos para cerca de 130 amigas e amigas de amigas, ela resolveu criar, no ano passado, um canal no Instagram para disseminar seu conhecimento para ainda mais pessoas, em especial mulheres. O perfil ”as.investidoras” tem hoje mais de 29 mil seguidores.

O empurrão inicial para sair de uma pessoa que deixava todo o dinheiro na poupança para uma investidora que tem na carteira títulos públicos, ações, fundos imobiliários, ETFs (Exchange Traded Funds, fundos de investimentos que espelham índices) e criptomoedas veio de um comentário machista de um colega da faculdade.

Ao comentar que gostaria de entender mais sobre investimentos foi surpreendida com a pessoa dizendo que seria difícil e que finanças “não é coisa de mulher”.

Estimulada pela vingança e pela determinação de provar o contrário, ela estudou por meses sobre o assunto, com livros, notícias e assistindo lives e vídeos no Youtube de influenciadores.

Mais confiante, deu aula para duas amigas, que convidaram no encontro seguinte mais algumas e assim ela foi se tornando referência no assunto para as colegas que percebiam a importância de começar a gerir o dinheiro, mas não sabiam nem por onde começar, nem o que fazer e nem tinham 100% de certeza de que tinham dinheiro suficiente.

“Conforme fui estudando, via o quanto aquele conhecimento estava impactando minha vida. Na minha vida financeira, passei a entender onde colocar meu dinheiro para ele render mais, como estipular minhas metas e como cuidar melhor das minhas finanças. Mas, o mais importante é que melhorei minha autoestima e autoconfiança por estar aprendendo sobre um assunto que eu mesma achava que eu não seria capaz de aprender”, conta ao Valor Investe Júlia, que participou recentemente também de uma live no nosso canal (assista aqui).

Para sair da poupança, começou com o Tesouro Direto, investindo no título conservador Tesouro Selic. À medida que foi ganhando mais conhecimento e confiança passou a arriscar mais.

“Vi que estava tudo certo e comecei a explorar outras opções e hoje minha carteira é diversificada. Já fui conservadora, moderada e hoje tenho um ‘pézinho’ mais no perfil de investidora arrojada”, diz.

Júlia é uma das 88.257 novas investidoras, mulheres, de 16 a 25 anos que abriram conta na B3 do início de 2019 para cá. Considerando ambos os sexos e faixa etária até 25 anos, a bolsa de valores brasileira ganhou 374.822 novas contas de jovens nos últimos 27 meses. Quando somada a classe de 26 a 35 anos, o número de novos CPFs de jovens sobe para 1,3 milhão.

O crescimento foi exponencial. Ao comparar o total de contas de pessoas físicas em dezembro de 2018 e em março de 2021, a faixa etária que teve o maior crescimento percentual foi justamente de jovens de 16 a 25 anos: o número de contas registradas saltou 870%, passando de pouco mais de 41 mil para 403 mil. Do início de 2020 para cá, a abertura de contas das crianças e adolescentes (até 15 anos) aumentou 147%, a dos jovens de 16 a 25, subiu 126% e dos jovens adultos (26 a 35 anos), saltou 120%.

Na renda variável e também na fixa

No Tesouro Direto, o mesmo movimento foi observado. As pessoas com até 25 anos somavam 16,4% do total das contas cadastradas em dezembro de 2018, o que totalizava cerca de 510,6 mil contas.

Em fevereiro de 2021, já eram 21,4% do total, o equivalente a 2,12 milhões de cadastros, um crescimento de 315% no período.

Ao considerar também a faixa de 26 a 35 anos, os jovens dominam hoje 57,7% do número total de contas abertas ou 5,71 milhões (número que saltou 242% desde início de 2019 para cá).

Apesar de só uma parte dessas contas, tanto na B3 quanto no Tesouro ser de investidores ativos, ou seja, que colocam dinheiro nos investimentos oferecidos, é inegável que os jovens estão mais interessados em conhecer o mundo dos investimentos e estão se arriscando. O que explica esse comportamento?

Vários fatores influenciam o cenário. Um deles é o juro muito baixo, com a Selic em 2,75% – até pouco tempo em 2% ao ano. O juro real [descontada a inflação] está negativo em quase 3%. O jovem ouve falar bastante que nesse cenário ele está perdendo poder de compra ao deixar o dinheiro parado na poupança”, comenta Celson Placido, diretor de investimento da plataforma de investimentos Warren.

Com mais de uma década de experiência no mercado de investimento, Placido ressalta ainda uma mudança significativa no acesso à informação sobre finanças como uma segunda explicação para o aumento do interesse dos jovens pelo tema.

“A informação é muito mais rápida via redes sociais e a propagação de influenciadores também ajuda a explicar. Eu mesmo acabo passando informação e respondendo perguntas nas minhas redes, o que não fazia há alguns anos. Quando meus filhos gêmeos nasceram há 10 anos, meus sogros queriam dar para eles de presente uma caderneta de poupança”, pontua.

De fato, a facilidade de acesso tanto a conteúdo quanto a aplicações ficou muito mais fácil com o advento de tecnologias. Uma pesquisa divulgada pela B3 em dezembro de 2020 mostra que a principal fonte de informação dos investidores é a internet (73% das respostas), seguida por Youtube e influenciadores (60%) e e-mails, alertas e notificações de empresas do setor (38%). Logo em quarto e quinto aparecem as redes sociais, primeiro a dos bancos e corretoras, com 38% das respostas, e as de perfis diversos (36%).

Foi justamente por acompanhar o perfil da estrategista-chefe da corretora Rico, Betina Roxo, no Instagram que o estudante Marcelo Rappaport, de 20 anos, decidiu aplicar seu dinheiro em uma carteira de investimento de tipo arrojada.

“Todo o dinheiro que ganhava de presente da família e dos meus pais fui guardando em uma reserva de emergência; juntei o equivalente a 12 meses do meu gasto mensal e deixo aplicado no Nubank. Quando entrei no meu primeiro estágio, há poucos meses, meus pais me disseram que eu poderia ficar com o dinheiro que eles arcariam com minhas despesas fixas e eu, então, fui buscar uma opção de investimento mais rentável porque sei que a poupança é um péssimo negócio, rende menos que a inflação”, conta ao Valor Investe.

Ao ser questionado sobre qual o objetivo, ele diz que sabe que pode contar com a família, mas já pensa na independência financeira, ter dinheiro para se sentir seguro no futuro.

“Eu me considero mais agressivo. Com 20 anos não tenho que ficar com muito medo de ter variações no meu patrimônio, já que tenho tempo para investir pensando lá na frente”, completa.

Segundo Betina Roxo, da Rico, a linguagem que a corretora usa e que também é adotada por ela no seu perfil e em outros perfis de influenciadores é um dos principais atrativos para este público.

“O mundo digital tem um benefício que é democratizar a informação. Os jovens que antes dependiam de livros, hoje podem aprender sobre investimentos em diversos canais”, diz.

Falando a mesma língua

Aos 29 anos, Betina foge do estereótipo de executiva do mercado financeiro que ficou marcado na mente da geração mais velha.

Com roupas descoladas, vídeos engraçados, analogias com o cotidiano das pessoas e temas que repercutem nas redes sociais, ela e sua equipe conseguem destrinchar assuntos áridos e difíceis em linguagem clara e fácil de entender.

Mesmo quando os posts no Instagram ou os artigos diários da corretora têm gráficos, eles são mais coloridos e “desconstruídos”, para facilitar o entendimento.

“Antes o tema parecia tão distante dos jovens, que não se identificavam com pessoas vestidas de terno e gravata e que falavam uma linguagem difícil para um público super nichado. Consigo perceber pelos meus próprios seguidores cada vez mais pessoas mais jovens me mandando mensagem, seja por se inspirarem em mim, quererem saber onde fiz faculdade, por exemplo, mas também porque sentem abertura para falar sobre investimentos de um jeito mais natural. As pessoas se conectam mais”, conta.

O número de contas na Rico de pessoas de 16 a 29 anos passou de 28% em março do total em março de 2020 para 40% em março de 2021, segundo dados levantados a pedido do Valor Investe.

Considerando apenas novas contas, houve um aumento de 40% de abertura de cadastro na Rico na faixa etária de 16 a 29 anos considerando 12 meses até março de 2021.

Outra corretora do grupo XP que está se beneficiando da busca de jovens por investimentos mais rentáveis é a Clear, muito conhecida entre quem gosta de negociar ações, minicontratos e outros ativos de renda variável.

Do total de novas contas abertas entre março de 2020 e 2021, 50% eram de jovens de 16 a 29 anos. Ao analisar o período anterior, de março de 2019 a março de 2020, os jovens respondiam por 43% do total, e, entre março de 2018-2019, eram apenas 36%.

“A demanda desse público por produtos especialmente de renda variável é crescente e deve continuar. Isso se deve em função de uma série de fatores, entre eles, tecnologias cada vez mais avançadas. As plataformas digitais hoje são bastante acessíveis e têm linguagem e navegação mais amigável. Outro fator é o custo bem mais baixo, com corretagem zero para quase tudo”, explica Roberto Indech, sócio da XP e estrategista-chefe da Clear.

De fato, a forte concorrência entre empresas que oferecem produtos de investimentos tem baixado muito os custos para se investir e também a aplicação mínima inicial.

Hoje com R$ 1 mil já dá para compor uma carteira diversificada e há muitas opções de produtos a partir de R$ 100.

“Entre os anos 2000 e 2014, o mercado financeiro trabalhava com a Tabela Bovespa para precificar seus serviços. Era cobrado, por exemplo, 0,5% de custos de operações acima de R$ 3 mil. Isso acabava inviabilizando a participação do pequeno investidor no mercado. Muitas plataformas hoje oferecem custo zero, o que tornou tudo mais acessível”, conta Indech.

Um efeito disso é a diminuição do ticket médio por cliente nas corretoras, em especial as que têm uma clara proposta digital, ambiente onde os jovens navegam bem.

Segundo a pesquisa “A descoberta da bolsa pelo investidor brasileiro”, de dezembro último, nos últimos dois anos, o valor do primeiro investimento das pessoas físicas caiu 58%, saindo de R$ 1.916, em outubro de 2018, para R$ 660, em outubro de 2020.

Os investidores mais jovens estão entrando na bolsa com valores menores ainda: em outubro de 2020, o valor médio era de R$ 225 entre os investidores de 16 a 25 anos de idade.

“Os brasileiros estão entendendo que, para diversificar seus investimentos e chegar à bolsa, não precisam de grande quantidade de dinheiro”, aponta o estudo.

Dados recentes da B3 mostram que, no fim de março de 2021, o volume financeiro aplicado dos investidores de até 25 anos representa apenas 1,09% do total.

No fim de 2018 estava em 1,31% e, no último dia de 2019, em 1,38%. No entanto, em reais, quase dobrou em 27 meses, passando de R$ 2,62 bilhões em 30 de dezembro de 2018 para R$ 5,26 bilhões no fim de março deste ano, mas como os investidores mais velhos aportam recursos mais volumosos, os novinhos perderam representatividade no bolo total.

E os jovens também estão topando correr mais risco para tentar ganhar mais dinheiro e recheando a carteira com mais produtos. Veja mais detalhes na matéria “Jovens estão topando correr mais risco e diversificando mais a carteira”.

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