Acreanas falam sobre enfrentamento à transfobia e dia da visibilidade: “Ser uma pessoa trans não é doença”

Um relatório divulgado pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) na véspera do Dia Nacional da Visibilidade Trans, comemorado neste sábado (29), mostra que o Brasil segue como o país que mais mata pessoas transexuais no mundo. Corpos dissidentes – termo empregado por tantos teóricos mundialmente conhecidos, como Judith Butler e Paul B. Preciado, por exemplo – enfrentam grandes problemas para terem suas identidades legitimadas e suas vidas não ceifadas pela violência.

Em todo o Brasil, no ano de 2021, pelo menos 140 transexuais e travestis foram assassinados. O número apresenta uma queda de 20% em relação a 2020.

No mesmo documento, o Acre aparece entre as unidades da federação que menos registraram mortes por transfobia (22ª colocação e 1 morte), mas surge à frente de Estados como Roraima e Tocantins (que não contabilizaram assassinatos de pessoas trans no mesmo período).

Os dados apontam que 81% das vítimas eram pessoas negras e, das 140, 135 eram travestis e mulheres transexuais e cinco homens trans e pessoas transmasculinas.

“Ser uma pessoa trans não é doença, não é imoralidade. É da condição humana existir diversidade”

Quando questionada sobre a importância de um dia destinado à visibilidade trans, a travestigenere acreana e negra Aisha da Silva Martins, de 24 anos, que também é terapeuta integrativa e ativista na luta interseccional faminista antiracista, afirmou que a data tem um papel significativo na atualidade.

“A importância de se ter um dia da Visibilidade trans é a importância de se criar diálogos sobre a nossa existência e a nossa história com a sociedade e com nós mesmas. Uma data importante para as pessoas procurarem se educar sobre questões que atravessam pessoas trans e também para que possamos nos reorganizar em nossas pautas, reconhecendo os avanços conquistados como a despatologização das identidades trans de gênero e a criminalização da transbofia e também identificar onde precisamos avançar”, argumentou.

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Aisha da Silva Martins, de 24 anos, é terapeuta integrativa e ativista na luta interseccional faminista antiracista/Foto: Facebook

Aisha considera que “o próprio processo de colonização e escravidão contribuiu durante séculos para a construção de uma superestrutura transfóbica, através de um processo de cristianização forçado”.

“Há pesquisas que reconhecem identidades trans nas populações indígenas no período da colonização, como a de tibira, o primeiro caso de crime de ódio num território onde era natural pessoas que não se identificavam com o sexo biológico e tinham toda sua vida social tendo suas identidades de gênero validadas. E a escravidão também quase apagou uma diversidade de identidades e expressões de gênero de origem africanas que resistiram ao tempo por meio de terreiros de candomblé. Tudo está ligado interseccionalmente: política, gênero e racismo. Eu poderia me estender mais sobre esse processo, mas resumindo: está na própria história de formação do Brasil”, continuou.

A reportagem do ContilNet também quis saber de Silva se ela percebe uma evolução na luta contra à transfobia no mundo, no Brasil e no Acre.

“Avançamos no sentido de que hoje conseguimos gritar “EXISTE TRANSFOBIA”, que foi equiparada ao crime de racismo, mas estamos há 13 anos liderando o ranking de países que mais matam pessoas trans. Precisamos evoluir muito enquanto sociedade quando falamos de participação social. É preciso desestigmatizar a existência de pessoas trans e validar a existência delas em todos os lugares: nas universidades, nos espaços públicos, no mercado de trabalho. Ser uma pessoa trans não é doença, não é imoralidade. É da condição humana existir diversidade”, concluiu.

“Saber como se deve tratar uma pessoa trans é um dos principais problemas que enfrentamos por aqui”

A jovem trans e senamadureirense Valentina Souza, de 27 anos, destacou que o preconceito e a falta de informação e amor contribuem para que o Brasil lidere as estatísticas.

“Ter um dia dedicado a nós é importante para o nosso reconhecimento e para sabermos que não estamos sozinhas, embora seja tão difícil resistirmos nesse Brasil atual de tanto preconceito, de falta de informação e de amor. Respeito ao próximo é uma das saídas que temos para vencer essa estatística tão monstruosa”, salientou.

Valentina é senamadureirense e mulher trans/Foto: Reprodução

“Saber como se deve tratar uma pessoa trans é um dos principais problemas que enfrentamos por aqui. Ainda que eu queira ser chamada de ela, pois é assim que me identifico, encontro pessoas que insistem em me chamar pelo pronome masculino. As pessoas precisam aceitar a transformação de uma pessoa trans, seja homem ou mulher. Ajudaria muito a transformar o preconceito em respeito às diferenças”, concluiu.

Webinar 

O Ministério Público do Acre (MPAC) promove neste sábado (29), às 16h, um webinar com uma roda de conversa para tratar do assunto. Além de Aysha, outras figuras trans importantes participam do evento.

Inscrições pelo link disponível na arte:

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