A mineira Maria Luiza, de 21 anos, andava de moto com o namorado, Vinícius, em junho de 2021 quando uma pane incendiou a motocicleta em que estavam. As chamas os fizeram perder o controle e baterem em outro automóvel. Como resultado do acidente, o jovem morreu, e Malu, como é chamada, teve 23% do corpo queimado. Além das queimaduras, ela teve duas fraturas expostas: uma no tornozelo, outra no púbis. Precisou de uma reconstrução vaginal porque os ossos da pélvis saltaram para fora.
Com as marcas no corpo, Malu teve que se recuperar não só fisicamente, mas também trabalhar a autoaceitação e autoestima. Hoje, com mais de dez mil seguidores no Instagram, ela fala sobre autoestima e tira dúvidas sobre recuperação de queimaduras., além de mostrar sua rotina de recuperação e toda a força que a impulsiona a normalizar sua vida. A seguir, ela conta sua história.
“Meu nome é Maria Luiza, mas todo mundo me chama de Malu. Tenho 21 anos e faço faculdade de engenharia metalúrgica na UFMG. Nasci e resido aqui em Belo Horizonte (MG). Minha história de superação começou no dia 12 de junho do ano passado. Eu estava na casa do meu namorado. Nós não iríamos fazer nada de especial naquele dia dos namorados porque ele iria trabalhar à noite. Como ele estava desempregado e muito preocupado com isso, fazia uns bicos de motoboy.
Eu tinha uma lojinha de lingerie com a minha prima, e surgiu uma entrega para ele fazer naquele dia. Era para ele ir sozinho, e eu ia ficar olhando o filho dele, mas aí ele pediu a irmã dele para pegar meu enteado e me chamou para ir junto porque depois da entrega, ele me levaria a um lugar surpresa.
Infelizmente, nunca saberei qual era a surpresa. Saímos na moto e algum tempo depois sofremos um acidente. Eu não me lembro muito bem do momento, só sei que vi fogo, vi a gente batendo em um carro branco e minha cabeça ficou pesada.
Desmaiei e acordei com um homem apagando o fogo do meu corpo com um cobertor e me arrastando para longe da moto. Olhei para direita e vi a moto do meu lado em chamas. Olhei para o lado esquerdo e vi o meu namorado tentando apagar o fogo dele.
Eu tentei levantar para ir ajudar ele, mas senti muita dor e alguém me segurou no chão e disse que ele estava bem. Fiquei no chão esperando a ambulância. No momento, eu sabia que eu tinha pegado fogo, mas não vi mais nada, só senti uma dor terrível no quadril e não conseguia me mexer.
Quando eu fui fazer uma tomografia no hospital, vi a pele do meu braço toda derretida, e então entendi tudo. Mas só fui perceber o quão grave foi depois de vários dias, quando subi para enfermaria de queimados.
Sei que no dia que cheguei no hospital eu fiquei na maca esperando com minha mãe do lado depois dos exames, e aí acordei no CTI. Além das queimaduras, tive uma fratura na pélvis. A minha sínfise púbica rompeu, causando uma hemorragia interna e rasgou minha vagina. Precisei passar por uma cirurgia reconstrutora, que colocou a minha uretra no lugar.
Colocaram um fixador externo na minha bacia, fiquei com ele algum tempo e depois fiz uma nova cirurgia onde foi colocado um fixador interno com parafuso. Meu corpo o rejeitou e ele soltou, então tive que fazer outra cirurgia para colocar um novo fixador interno. As cirurgias nas queimaduras foram várias, tinha que fazer raspagem, fazer enxertos.
“Meu namorado lutou bravamente pela vida, mas infelizmente não resistiu”
Eu e Vinícius tínhamos uma relação bem tranquila, a gente se amava muito e ajudava muito um ao outro. Seis dias antes do acidente, nós completamos um ano de namoro, mas estávamos juntos havia mais ou menos um ano e quatro meses.
Ele era um doce. Sempre muito carinhoso, fazia eu me sentir a mulher mais linda do mundo e fazia de tudo para eu ficar feliz. Nós tínhamos muitos planos. Eu nunca fui à praia e ele queria me levar para conhecer o mar. Nós sempre íamos em mirantes para ver o pôr do sol juntos. Mas aquele acidente o tirou de mim. Sinto falta dele e precisei de forças para seguir com os tratamentos.
A força para me recuperar veio toda da minha mãe. Ela ficou os dois meses de internação comigo, sem arredar o pé do hospital. Quando eu perdi o Vinícius foi o momento mais difícil, e doeu muito para ela também, mas ela se manteve forte para mim.
Nós fazíamos orações todos os dias, e ela sempre tentava me distrair.
“Me achava bonita antes acidente e precisei encarar o meu corpo todo marcado”
Apesar de tudo, estou me recuperando muito bem, mais rápido do que eu esperava. A parte mais complicada do tratamento já passou. Voltei a andar muito rápido, e não tive dificuldade em mexer minhas articulações. Atualmente, eu já fui liberada da fisioterapia e de vários médicos, e minha recuperação consiste em cuidar das cicatrizes e recuperar meu condicionamento físico.
Já estou estudando para voltar a malhar. Eu não posso pegar sol e hidrato minha pele várias vezes ao dia. Quando eu me queimei fiquei arrasada. Eu me achava bonita antes e de repente tive que encarar o meu corpo todo marcado. Eu procurei inspirações de pessoas queimadas, mas achei pouquíssimas, e eu nunca tinha conhecido nenhum queimado.
Então, decidi que queria me mostrar, que eu não queria ficar escondida. Queria que as pessoas vissem que queimaduras são muito mais comuns do que a gente imagina, e que não ficamos feios por elas. Eu já gostava muito de usar o Instagram, então comecei a postar minha recuperação lá e mostrar minhas marcas. Daí, outros queimados foram entrando em contato comigo e tive uma repercussão enorme.
No início de todo o processo foi muito difícil. Eu me recusava a olhar no espelho e chorava muito, perguntava o porquê disso ter acontecido comigo. Até que eu resolvi que teria que aprender a me amar assim porque meu corpo lutou muito para me manter viva.
Outra coisa que me incentivou inconscientemente a me aceitar e amar é que o Vinícius lutou muito para sobreviver e não conseguiu, e eu sim. Então, eu tenho que ser grata. Mas nada foi fácil, tive e ainda tenho muita ajuda psiquiátrica e psicológica.
Nas redes sociais, com minha exposição, eu só quero dizer às pessoas que o sofrimento uma hora passa. Mesmo quando tudo parece desmoronar e a dor nos consome, há a certeza que passa. Eu achei que nunca iria passar, mas hoje me pego feliz com pequenas coisas da vida.
Não devemos ter vergonha das nossas cicatrizes, elas são as nossas marcas de guerra. Eu me acho muito mais bonita hoje porque as minhas cicatrizes mostram a minha força. Queimadura é uma coisa muito traumática para o corpo, e sair viva e bem disso tudo é o meu maior presente.” Maria Luiza Fortes, 21 anos, estudante de engenharia, Belo Horizonte (MG)