Lara Pontes: de cantora gospel à bossanovista engajada que solta a voz nos palcos da cidade

Ela nasceu Larissa de Souza Pontes, há 40 anos, em Cruzeiro do Sul. Filha de um militar – coronel aposentado Fayal Pontes e da dona de casa Maria Fátima de Souza, ela tinha tudo para crescer, casar e constituir família e ser apenas mais uma dona de casa daquelas carolas ou evangélicas que passam mais tempo nas igrejas do que em suas próprias casas. Não que isso seja um defeito, mas a Larissa que virou Lara sacou, muito cedo, que esta não era a sua praia e que o destino lhe reservava mais coisas do que cantar músicas gospel nas igrejas evangélicas locais ou no balançar das redes de crianças. Ela queria os palcos.

Ao descobrir a potência e a leveza de sua voz, decidiu que o casal Pontes dificilmente teria netos gerados por ela e que Rio Branco, cidade para a qual a família se mudou quando ela tinha por volta de quatro anos de idade, então ainda cidadezinha de terras batidas, seria pequena para ela, que sonhava com o mundo, sempre indo mais longe, onde sua arte pudesse levá-la. Foi ainda em Rio Branco, ainda cantando louvores e hinos nas igrejas, que ela se descobriu como cantora. Tinha então 16 anos de idade.

Em 2003, já uma intérprete de voz marcante e amadurecida, descobriu que o próprio Acre estava ficando pequeno para ela e mudou-se para a cidade de Maringá (PR). onde trabalhou em parceria com músicos locais num projeto de “Aulas de violão e canto”, uma iniciativa da prefeitura local para musicalizar crianças da zona rural. No mesmo ano, Larissa passou a participar do vocal feminino da banda de pop rock “Pedra Lascada”, selando definitivamente sua guinada do gospel para o popular.

Agora, já era o Paraná se apequenando para ela. Larissa, já conhecida como Lara, então decide investir na carreira artística, viajando para o Rio de Janeiro onde cursou Produção Fonográfica na Faculdade Estácio de Sá ao mesmo tempo em que cantava na famosa casa de Bossa Nova “Vinicius Restaurante e Show Bar”, em Ipanema e em outras casas de shows no bairro da Lapa. Mas, como nem sempre é possível viver de música, também fazia bicos como assistente de produção no estúdio de gravação “Stúdio Up Stúdio” e respondia pela sonorização de eventos na casa de jazz “TribOz – Rio Centro Cultura Brasil-Austrália”.

Mas, em 2013, como todo acreano que se preza, Larissa, agora já assumida como Lara, retorna a Rio Branco e passa a se dedicar à pesquisa de composições e sonoridades acreanas e à projetos culturais na área de música e áudio com apoio das leis de incentivo cultural. Em 2016 adotou o nome artístico de Lara e profissionalizou a carreira, geralmente acompanhada pelo violonista Geraldo Aquino, o “Geraldinho”. Desta parceria surgiu o projeto Zum Zum da Amazônia, que ela emplacou em 2019.

Foi para conhecer um pouco mais da cantora de voz marcante e da arte acreana/universal que o site ContilNet destacou seu repórter-free-lancer Tião Maia para a seguinte entrevista. A seguir, os melhores trechos:

Lara Pontes e o repórter Tião Maia

ContilNet – Lara Pontes… seu nome completo, como é?

Lara Pontes – Larissa de Souza Pontes. Tenho 40 anos, recém-completados…

ContilNet – Como é a sua relação com o Juruá, uma das regiões mais belas do Acre?

Lara Pontes – Uma relação distante, bem mais distante do que eu gostaria. Nasci lá, por mero acaso, porque meu pai, oficial da Polícia Militar, foi transferido para lá para ser comandante na região. Minha mãe saiu daqui grávida de mim e eu acabei nascendo lá. Só nasci, mas me criei em Rio Branco. Depois, passamos a morar em outras cidades do interior, porque meu pai estava sendo transferido e a gente tinha que acompanhá-lo.

ContilNet – E como foi que você descobriu que poderia ser cantora?

Lara Pontes – Foi difícil, como em todo o começo. Músicos que me acompanhavam notaram algumas falhas técnicas e musicais minhas, como cantora, como erros de melodia. Eu era completamente verde, insegura, até desafinava por insegurança. Por isso, demorei muito também para investir na minha carreira como cantora porque, eu mesma, tinha medo. Eu queria ser cantora, mas precisava acreditar mais um pouco em mim, sentia que precisava investir mais em mim. Foi quando comecei a estudar mais, aprimorar meu ouvido. Eu percebi que eu tinha que trabalhar mais meu ouvido através de exercícios e técnicas vocais, tanto que continuo estudando até hoje. Tanto é que vou participar de um curso que está havendo, de canto. Eu também trabalho com pessoas iniciantes, corrigindo os mesmos erros que eu tinha. Foi isso então que me fez demorar.

Penso que, como artista, você tem que falar a verdade. A gente pode romantizar a vida mas, no entanto, sem fugir da verdade. Hoje, eu sei que trabalho bem melhor que no começo. Estou segura e venho trabalhando isso desde quando eu resolvi me assumir realmente como entorta e para com todos os outros trabalhos. Foi quando eu voltei a estudar canto, começando a treinar em casa – estudar mesmo! O que me fez me assumir como artista, como cantora acho que foi minha sensibilidade musical. Acredito que foi isso que recebi de mais forte da música e foi isso que me aproximou e me uniu muito ao Geraldinho (músico Geraldo Aquino, sue parceiro musical até recentemente), porque ele tem, também, essa sensibilidade muito aguçada. Eu sou uma pessoa extremamente sensível e acho que foi por isso que decidi entrar de cabeça na arte e me assumir como cantora e pegar a música como arte, com muito esforço, como em qualquer outra profissão. A música nos permite isso. O Germano, que trabalhava na Companhia de Selva, e que já morreu, que me convenceu disso, que me fez acreditar em mim. Ele me dizia que viu potencial em minha pessoa e acrescentou que eu precisava acreditar mais em mim, ser mais segura.

Foi quando ele me incentivou à estudar, a pegar mais técnica e me passou a me passar repertório, para eu poder estudar mais aqueles músicas. Uma coisa muito forte que ele me disse: – você tem o essencial, que todo artista precisa. Todas às outras cosas podem passar, mas o principal, o que faz o artista, é o carisma, e isso você tem. Você tem isso – acrescentava ele – e eu percebi isso em todas às vezes em que a gente se apresentou: o público se encanta com você porque você é fácil de envolver o público e acredito que você deve investir, sim, na carreira de cantora e de artista e parar de estar produzindo outras pessoas e começar a focar em você, na cantora que você é. Então, tudo começou dai. Isso foi em 2016, quando eu adotei o nome Lara Pontes.

ContilNet – E como foi o começo? Sua família, e principalmente o seu pai, que é um coronel PM linha dura, aceitou você como artista?

Lara Pontes – Minha família não aceitou logo de cara quando eu resolvi me lançar e dizer: eu vou viver só disso. Minha mãe mesmo brigou comigo chegamos a travar algumas discussões ao ponto de ela dizer que não há cabimento eu viver só de música aqui no Acre e que eu precisava parar e refletir sobre o meu futuro. Manifestação de preocupação que toda mãe e todo pai têm. A preocupação deles é em relação ao meu futuro, financeiramente falando. A preocupação principal deles é esta. Por isso, no começo, não foi fácil. Houve uma hora em que minha mãe e meu pai também tiveram que parar com as críticas, porque perceberam que eu estava decidida. Foi quando meu pai passou até me ajudar financeiramente, quando eu precisava pagar um artista, um músico, financiar algum trabalho, eu recorria a ele e ele passou a ser assim meio que meu patrocinador, em algumas coisas. Mas hoje eles aceitam, até já foram muitas as discussões, principalmente com minha mãe.

Por isso, como já falei, vou entrar também no mundo do empreendedorismo porque eu não quero mais passar dez anos nesse perrengue: eu quero ter meu canto, ter o meu dinheiro porque não posso ficar esperando e me perguntando quando é que tudo vai dar certo. Quero vender meu trabalho e viver dignamente só da aminha arte. O empreendedorismo que pretendo também tem a ver com arte e não está longe do trabalho artístico. Dar para juntar.

ContilNet – Você nunca foi mãe ?

Lara Pontes – Nunca fui, acho que não serei mãe biológica. Não tenho essa vontade. Se um dia eu sentisse o desejo de ser mãe, acho que eu possa adotar. Mas não sinto essa necessidade de gerar filhos, como muitas mulheres têm, cujo relógio biológico fica ali contando e cobrando filhos.

ContilNet – Ou seja, seu relógio biológico está atrasado?

Lara Pontes – Rsrsrs. Bom pelo menos, ele não me cobra…

ContilNet – Você vive da arte de cantar, tão-somente?

Lara Pontes – Sim, por enquanto só disso. Tenho outros projetos, mas, por enquanto, apenas vivo de cantar.

ContilNet – É possível viver bem, e no Acre, apenas da arte e cantar?

Lara Pontes – Viver bem, devo admitir, é meio complicado. Tão difícil que, dentro de mais alguns dias, vou começar a trabalhar com empreendedorismo também porque, viver de música, está difícil – ainda mais agora com a pandemia e também acredito que as dificuldades vão continuar no período pós-pandemia. As condições para se viver de arte, antes da pandemia, já eram bem difíceis, mas, com a pandemia, piorou mais ainda, principalmente para cá, no Acre. Aliás, penso que é difícil se viver de música em qualquer lugar do mundo, mas aqui no Brasil, e no Acre, principalmente, as coisas ficam bem piores.

ContilNet – E por que você insiste nisso ?

Lara Pontes – Primeiro porque eu não consigo fazer duas coisas ao mesmo tempo. Já percebi que não consigo ter duas profissões e me dedicar às duas integralmente como me dedico à música.

ContilNet – Se você tivesse uma segunda profissão, qual seria ela?

Lara Pontes – Quando eu saí daqui do Acre foi para estudar psicologia. Fui estudar no Paraná. Mas, lá tranquei a faculdade e fui para o Rio atrás da música. Psicologia, no Paraná. Mas, quando descobri que minha praia era a música, tranquei a faculdade e fui para o Rio atrás da música.

Lara Pontes em ação

ContilNet – Quando e como foi que a música entrou na sua vida? Quando você descobriu que poderia ser uma cantora?

Lara Pontes – Na verdade, quando eu era criança sempre tive o sonho de cantar, mas era só mesmo sonho de criança. Quando cresci, uma das maiores influências musicais na minha vida foi meu pai, que ouvia muita músicas em discos de vinís. Ele ouvia muito Música Popular Brasileira, muita Música Brasileira. E aí, ouvindo música, sempre fui muito de viajar. De fechar os olhos ouvindo uma música e eu ficava me imaginando cantando aquela música, acho que por volta dos dez, onze anos.

ContilNet – Seu pai gostava de ouvir o quê?

Lara Pontes – Ele ouvia muito Roberto Carlos, Tim Maia, Elis Regia… Conheci, aliás, Elias Regina através dele. Mas ele ouvia também música internacional, muita música romântica.

ContilNet – Isso influenciou você a partir daí ? Ou você tem estilo próprio.

Lara Pontes – Na verdade, eu demorei muito até descobrir qual era o meu estilo de música. Mas, na verdade, eu não me rotulo quanto a estilo. Eu canto o que eu gosto. Claro que há estilos musicais que eu não canto. Mas eu gosto muito de cantar sambas, a Bossa Nova – aliás, eu fui para o Rio atrás da Bossa, para ficar mais em contato, para ter mais conhecimento quanto ao estilo e me familiarizar de verdade.

ContilNet – Você toca algum instrumento?

Lara Pontes – Só o básico do violão.

ContilNet – Ser uma intérprete que carece sempre da assessoria de músicos, isso cria alguma dificuldade?

Lara Pontes – Muitas!

ContilNet – Por quê?

Lara Pontes – Primeiro porque, aqui no Acre, é difícil você encontrar um músico profissional – e quando eu digo profissional não é que ele não tenha responsabilidade; as pessoas confundem. Ser profissional, para mim, é aquele músico que vive exclusivamente da música, que é a profissão dele. Mas isso não é possível porque realmente a renda é muito pouca e, para os músicos, que queira viver disso, geralmente ele vai dar aula, em faculdades ou de forma particular. Aqui, a maioria dos que vivem da música dá aulas na Ufac (Universidade Federal do Acre) e acaba ficando restrito com atividades meio e não fim. Então há muito poucos músicos disponíveis e a gente acaba ficando na mão. Há uma certa confusão: há quem diga: – há, tem muito músico aqui no Acre. Ter muito músico não quer dizer que todos esses músicos se dediquem exclusivamente à música e tenham tempo para tocar até aquele estilo que você quer. A Música Popular Brasileira, tocar um samba, ensaio, muita dedicação. As harmonias da Música Popular Brasileira são muito ricas e requerem muito estudo, muita dedicação. É uma linguagem muito brasileira e requer muito estudo. Como a música exige esse estudo, muitos músicos acabam indo buscar o seu ganha pão em atividades relacionadas a música mas sem pegar o instrumento propriamente dito. O mundo da música ainda é muito masculino e muitos dos músicos são provedores de suas famílias, muitos têm filhos e têm que ocorrer atrás.

ContilNet – Por que o mundo da música ainda é tão masculino, já que as mulheres vêm conquistando espaços nas mais diversas áreas da sociedade?

Lara Pontes – Isso começa com o fato de que, assim como a mulher vem conquistando em todas as áreas, a música é uma delas, mas o domínio ainda é muito masculino. Isso decorre ainda de um tempo em que a mulher não podia atuar na música.

ContilNet – E a Chiquinha Gonzaga, lá na atrás, não rompeu essas barreiras?

Lara Pontes – Ela foi a primeira mulher brasileira a se assumir como música, como cantora e artista, num mundo completamente masculino. Esse universo é tão masculino que, mesmo na Europa, no movimento da música clássica, mulheres eram impedidas de cantar. Só os homens cantavam e, como eles tinham que manter a voz aguda, os pais – e eles eram algumas vezes o sustento das famílias com sua arte -, para que eles não perdessem o timbre agudo da voz, muito deles eram castrados, conforme nos mostra a História da Música. Consta que os órgãos da genitália masculina são os responsáveis pela mudança na voz. Por isso, quando o homem está na transição da adolescência para a vida adulta, a voz se transforma. Era para presre4rvar esta voz, havia as castrações. Quando os homens eram castrados era mantida aquela voz anterior, desejada.

ContilNet – Será que o Pavarotti (Luciano Pavarotti, cantor lírico e tenor italiano nascido em Módena, a 12 de outubro de 1935 e a 6 de setembro de 2007) para ter aquele vozeirão?

Lara Pontes – (rindo…) – Olha, provavelmente. Em épocas passadas, todos eram. Mais modernamente, há quem diga que a prática, apesar de proibida, teve continuidade. Eu não conheço um filho de Pavarotti. Quando a pratica da castração foi banida e combatida, foi quando as mulheres começaram a ser chamada a se apresentar, quando puderam cantar, por outras vozes na música. Foi quando a mulher passou a fazer o papel da voz lírica super-aguda, o soprano.

ContilNet – Você cantaria a música lírica?

Lara Pontes – Não, não é para mim. Eu acho que, primeiro, para quem canta música lírica, ela tem que se identificar muito, já vir pronta.

ContilNet – Você interpretaria, uma música internacional e o que você não cantaria?

Lara Pontes – Meu foco é a musica brasileira, pela letras, pela qualidade dos nossos compositores.

ContilNet – Quem é o seu compositor brasileiro preferido?

Lara Pontes – Gosto muito de cantar Tom Jobim. Acho que foi ele que me levou ao Rio em busca das raízes da Bossa Nova.

ContilNet – No Acre, quem é o teu compositor preferido?

Lara Pontes – Aqui, há vários. Fica até difícil nominar, mas os que eu mais tenho cantado, são dois – e os dois são de Sena Madureira, o Sérgio Souto e no Narciso Augusto. Já fiz um show só com músicas dos dois, mas agora estou conhecendo outros compositores locais, porque há muita coisa boa sendo produzida aqui. Estou conhecendo, por exemplo, a Neiva Nara, uma compositora de mão cheia, sensível, lindas. A própria Keila Diniz … estou começando a entrar agora mais nesse universo das compositoras.

ContilNet – Como é que você analisa e se sente neste mundo do avanço da chamada música sertaneja, que trouxe nomes como o da Marília Mendonça, do qual, antes do acidente aeronáutico que a matou, eu nunca havia ouvido falar, e de uma música em que o cantor literalmente imita um grunhido de cachorro. Como você enxerga isso?

Lara Pontes – Penso que foi esse movimento que acabou tirando o espaço da Música Popular Brasileira. O Sertanejo Universitário, esses Arrochas, essa famosa Sofrência. É preciso lembrar que a Maysa, de saudosa memória, já cantava a dor de cotovelo, aquilo do meu mundo caiu, mas era uma outra poesia. Tenho medo de falar e parecer que estou sendo preconceituosa…

Lara Pontes é natural de Cruzeiro do Sul

ContilNet – Mas, neste estilo, ao que parece é apenas uma crônica do cotidiano, onde uma cantora canta reclamando que seu alvejante acabou, etc…

Lara Pontes – Penso que, na verdade, é uma linguagem mais direta. A própria Marilia Mendonça, que eu não conhecia nada dela também. Aliás, vim começar a conhecê-la após a morte dela e percebi que era uma cantora jovem, de voz bonita, forte e ela tinha esta mensagem de conversar diretamente com a mulher do seu público, chegando às domésticas, com mensagem de que a mulher tem que se valorizar, não ficar sofrendo por homem. Ela teve essa preocupação, numa nova linguagem. Mas eu acho que isso, para a Música Popular Brasileira, houve um prejuízo porque a nossa música original já não se escuta mais na mídia hoje. Não há mais nesta mídia cantores de MPB que se lançam. Os artistas deste campo não conseguem espaços – até porque as gravadoras dão preferência a esses novos estilos, porque vendem e vendem muito.

ContilNet – É, portanto, uma questão de venda, de mercado e não de talento. É por isso que você não gravou ainda de forma comercial?

Lara Pontes – Sim, não me identifico. Não gravaria apenas só para ganhar dinheiro. Seria mais fácil mudar de profissão se fosse para ganhar dinheiro. Do contrário, eu não etária sendo honesta comigo mesmo. Prefiro cantar o que eu gosto, mas como falei no início: vou começar a investir neste mundo do empreendedorismo, para me ajudar , mas vai ser também dentro da área da arte e eu não quero fugir disso

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