A inelegibilidade por improbidade administrativa

Tendo em vista a veiculação pela imprensa de eventual inelegibilidade da Senadora Mailza Assis da Silva, que ora concorre ao cargo de Vice-Governadora na chapa do Governador Gladson Cameli, curiosamente, passei a fazer um cotejo na aludida decisão, que aliás, é um despacho do Ministro Francisco Falcão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), indeferindo um pedido liminar manejado pelos advogados da ilustre senadora com o intuito de suspender os efeitos da condenação por ato de improbidade administrativa nos autos 0000819-91.2009.8.01.0009, onde decidiu-se, dentre outras, pela suspensão dos direitos políticos da Senadora pelo prazo de 2 anos. A decisão de primeiro grau, fora confirmada em segundo grau pela Câmara Cível do TJAC, dai a necessidade de que fosse expressamente declarada a manutenção dos direitos políticos da Senadora, viabilizando a
sua participação nas eleições de 2022.

O Ministro relator negou o efeito suspensivo ao argumento de que o chamado fumus boni iuris não se mostrava evidente, diante da fundamentação da decisão de segundo grau. Não se trata de uma decisão de mérito, portanto, de modo que a medida pleiteada, certamente, ao seu final trará o efeito pretendido pela Senadora, eis que o Direito lhe assiste, visto os
novos entendimentos resultantes das transformações ocorridas na LIA, notadamente com a edição da Lei 14.230/2021.

Imprescindível um breve passeio pela legislação de regência e pelo pensamento jurisprudencial acerca do tema:

O art. 1º, inciso I, alínea l, da Lei Complementar nº 64/1990, dispõe que são inelegíveis para qualquer cargo:

[…] os que forem condenados à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, por ato doloso de improbidade administrativa que importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, desde a condenação ou o trânsito em julgado até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena.

Desse modo, condenação nesse sentido é causa de inelegibilidade, competindo à Justiça Eleitoral verificar, no momento processual adequado (na impugnação ao registro de candidatura, por exemplo), se a decisão condenatória na ação de improbidade administrativa: a) transitou em julgado ou foi proferida por órgão judicial colegiado; b) decorreu de ato doloso; c) condenou o responsável pela conduta de lesão ao patrimônio
público e enriquecimento ilícito.

A aplicação do terceiro requisito causou polêmica na doutrina e jurisprudência, que foi resolvida pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fixando o entendimento de que, para a incidência dessa causa de inelegibilidade, é necessário que a condenação pela prática de ato doloso de improbidade administrativa implique, cumulativamente, lesão ao
patrimônio público e enriquecimento ilícito.

Entretanto, no momento do reconhecimento da aludida causa de inelegibilidade, surge outra questão polêmica: a Justiça Eleitoral pode ampliar a condenação com base apenas na fundamentação, analisar novamente os fatos e as provas quando não há a cumulatividade descrita no dispositivo da sentença ou do acórdão oriundo da Justiça Comum (federal
ou estadual)?

O TSE, no julgamento do Recurso Ordinário nº 380-23,4 entendeu da seguinte forma:

Deve-se indeferir o registro de candidatura se, a partir da análise das condenações, for possível constatar que a Justiça Comum reconheceu a presença cumulativa de prejuízo ao erário e de enriquecimento ilícito decorrente de ato doloso de improbidade administrativa, ainda que não conste expressamente na parte dispositiva da decisão condenatória.

A mesma Corte, no Recurso Especial Eleitoral nº 154.144,5 entendeu que:

Não cabe à Justiça Eleitoral proceder a novo enquadramento dos fatos e provas veiculados na ação de improbidade para concluir pela presença de dano ao erário e enriquecimento ilícito, sendo necessária a observância dos termos em que realizada a tipificação legal pelo órgão competente para o julgamento da referida ação.

Considerando esses dois precedentes, curial analisar as regras constitucionais e legais pertinentes, que devem servir de norte para a solução da controvérsia.

A primeira regra diz respeito aos princípios da legalidade e da tipicidade.

A Lei nº 8.429/1992 regulamentou o § 4º do art. 37 da Constituição Federal de 1988. Prevê essa lei três ordens de atos de improbidade: a) os que importam em enriquecimento ilícito do agente (art. 9º); b) os que causam lesão ao patrimônio público/dano ao erário (art. 10º); e c) os que atentam contra os princípios da administração pública (art. 11). A cada uma das espécies foram atribuídas penalidades/sanções próprias, conforme seu art.
12.

As sanções no Direito Administrativo estão adstritas aos princípios da legalidade e da tipicidade, como consectários das garantias constitucionais.6 As condutas e penalidades da Lei nº 8.429/1992 são prescrições dotadas de tipicidade semelhante ao princípio da tipicidade do Direito Penal.

Considerando esses dois princípios, surge a segunda regra, que se refere ao tópico da sentença/acórdão em que deve constar a condenação nos tipos e a aplicação das sanções, ou seja, se basta constar na fundamentação ou se precisa, necessariamente, constar expressamente no dispositivo da sentença ou acórdão.

A resposta mais adequada indica que os princípios da legalidade e da tipicidade somente serão observados se no dispositivo constarem expressamente os tipos legais violados e as sanções respectivas,8 pois o art.469, inciso I, do Código de Processo Civil, prescreve que não fazem coisa julgada: “os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da
parte dispositiva da sentença”.

Dessa forma, somente faz coisa julgada material a tipificação da conduta e a aplicação da respectiva sanção/penalidade que estejam descritas no dispositivo do título judicial. A fundamentação ou os motivos não são alcançados pela coisa julgada material.

Portanto, o pressuposto para a consideração da causa de inelegibilidade é que tenha havido condenação pela Justiça Comum, pois a Justiça Eleitoral não é competente para condenar por ato de improbidade administrativa, sob pena de violar os limites objetivos da lide (CPC, art. 468 – quando ainda não transitado em julgado o título judicial) ou da coisa julgada (CPC, arts. 467 e 469) e usurpar a competência do órgão judiciário comum. Além disso, se não houve condenação no dispositivo do título judicial, a Justiça Eleitoral estaria processando e julgando novamente pelos mesmos fatos, o que é vedado, inclusive pelo art. 474 do CPC, que trata da eficácia preclusiva da coisa julgada.

Considerando tais questões, surge a terceira regra, relacionada a princípios constitucionais, porquanto, não sendo observado o dispositivo do título judicial oriundo da Justiça Comum, a Justiça Eleitoral violaria os princípios da legalidade e da tipicidade, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa e do juiz natural.10 Em suma: condenaria novamente com base nos mesmos fatos.

Nesse contexto, parece incabível que a Justiça Eleitoral faça um novo exame da causa julgada pela Justiça Comum para ampliar a condenação com base apenas na fundamentação do acórdão, sem que tenha constado a conduta típica (de forma cumulativa) e a sanção no dispositivo, julgando novamente os fatos e valorando as provas, com o objetivo de afirmar que o réu na ação de improbidade administrativa também praticou conduta da Lei nº 8.429/1992, que não consta do dispositivo, a fim de reconhecer a causa de inelegibilidade prevista no artigo 1º, I, alínea l, da Lei Complementar nº
64/1990.

Em conclusão: A inelegibilidade constante do art. 1º, inciso I, alínea “l”, da Lei Complementar nº 64/90, procedente da condenação à suspensão dos direitos políticos por ato de improbidade administrativa, foi introduzida pela Lei Complementar nº 135/2010 (Lei da Ficha Limpa), e exige, para sua eficácia, além de ter sido condenado à suspensão dos direitos políticos, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, que a conduta praticada pelo candidato configure ato doloso de improbidade
administrativa e também importe lesão ao patrimônio público e enriquecimento ilícito, caso contrário, o ato de improbidade administrativa não gera inelegibilidade, de modo que, há segurança jurídica suficiente para se assegurar que não haverá qualquer risco de que a Senadora MAILZA ASSIS DA SILVA seja declarada inelegível, vez que, a decisão de primeiro grau, depois reformada em partes pelo segundo grau, deixou claro que não
houve lesão ao patrimônio público, muito menos, enriquecimento ilícito, ausentes assim, os requisitos cumulativos legais para a adoção da inelegibilidade.

FRANCISCO SILVANO RODRIGUES SANTIAGO*
OAB/AC 777

OSVALDO RODRIGUES SANTIAGO
Bacharel em Direito

*FRANCISCO SILVANO RODRIGUES SANTIAGO. Advogado Militante há 33 anos. Professor de Direito Penal e Processo Penal. Mestre em Direito e Doutor Honoris Causa.

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