A Amazônia perdeu, nesta madrugada, um de seus mais dedicados admiradores. Um mais refinados olhos a enxergar suas luzes, lutas, belezas e tragédias. Vicente Rios, o “câmera mais corajoso do Oeste”, faleceu nessa madrugada, em Goiânia, após a luta contra um câncer. Deixa a esposa Alice Helena, e o filho Nilson e a filha Carolina.
Um extraordinário câmera e diretor de documentários, Rios foi parceiro do britânico Adrian Cowell. Se conheceram a partir da série A Década da Destruição (1990), em uma concertação que envolvia também o músico e técnico de som Wanderlei de Castro e de seu irmão, Nélio Rios, que fazia som e pilotava ultraleve para as filmagens.
Ao longo da carreira, Vicente recebeu diversos prêmios por seu trabalho, participou de muitas mostras de cinema. Nunca deixou de filmar – e de ter projetos de novos filmes. Era, como Cowell, uma pessoa muito discreta, humilde, que sabia que o foco da atenção deveria estar nas pessoas que eles retratavam.
Vicente registrou o cotidiano de Chico Mendes, que integra o fantástico filme Chico Mendes Vive. Filmou Chico quebrando castanha, tirando seringa, cenas raras do trabalho extrativista. Filmou os seringueiros no empate da fazenda Bordon, no Acre. E mais, filmou também os capatazes e o gerente da fazenda falando mal dos seringueiros, revelando seus interesses no desmatamento da Amazônia.
Vicente filmou a cena mais impressionante já registrada de um contato de um povo indígena com a violência da colonização: o olhar de Tari Uru Eu Wau Wau no dia de seu primeiro contato com o homem branco. Filmou o trabalho do sertanista Apoena Meireles, e depois, tantos outros, inclusive duas expedições lideradas pelo grande sertanista Rieli Franciscato, morto em 2021 por uma flechada de um povo em isolamento em Rondônia, que dias antes haviam sido atacados por garimpeiros.
Vicente Rios filmou o discurso do governador do Pará Helio Gueiros dizendo que iria, sim, estuprar a Amazônia, na inauguração da Usina Hidrfelétrica de Tucuruí. Filmou a historia dos garimpeiros que chegavam com sonhos em Serra Pelada e eram perseguidos pelos seguranças da Vale – foi Vicente quem andou pela floresta por mais de um mês com eles, uma das situações de maior penúria que ele havia passado, me contou. Em Serra Pelada, filmou a polícia assassinando um garimpeiro, e teve que sair com os filmes escondidos para não ser preso pelo major Curió.
Vicente filmou sabendo que os registros que ele e seu amigo Cowell faziam era para o futuro, já que não havia sido possível estancar a devastação. Uma memória de uma década da destruição que não acabou.
Vicente filmou a polícia assassinando posseiros no sul do Pará. E filmou também os pistoleiros, a polícia, os fazendeiros se gabando dos crimes. Filmou Ronaldo Caiado, então líder da União Democrática Ruralista (UDR), dizendo que os ruralistas deveriam se unir como uma “caixa de marimbondo”.
Vicente documentou assassinatos e massacres em Nova Jacunda, no Pará. Foi o primeiro homenageado, com Adrian Cowell, postumamente, no Festival Internacional Amazônida de Cinema de Fronteira. Nessa oportunidade, conseguiu exibir no Pará os filmes sobre a violência na região algumas décadas antes. Foi quando o filme Matando Por Terras, de 1990, foi mostrado para a juventude sem terra no acampamento do MST na Curva do S. Escrevi sobre esse momento em CartaCapital.
Vicente Rios, junto de Adrian Cowell, documentou a destruição da Amazônia para todas as futuras gerações.
Foi um amigo, um mestre, uma inspiração. E deixará muitas saudades.