Fazenda do tamanho de um país comprada por estrangeiros no Acre foi vendida de forma irregular

Instalada na fronteira do Acre com o Amazonas, na região do municípios de Boca do Acre e Pauini, ambos no Amazonas, e Manoel Urbano, no Acre, entre 2014 e 2016, auge dos 20 anos de governo petista no Estado, a Agrocortex, uma empresa de capital europeu e controlada por empresários espanhóis e portugueses, tem tudo para se transformar num novo escândalo de tentativa de dominação estrangeira no território acreano e amazônida. No Início do século XX, o Acre viveu história parecida.

Mais de cem anos depois, o caso lembra a tentativa de arrendamento das terras acreanas, no início do século XX, o governo boliviano, que cedera o território do Acre ao truste anglo-americano Bolivian Syndicate e fez eclodir na região dois momentos históricos: a criação do Estado Independente do Acre, pelo espanhol Luiz Galvez, e a revolução armada comandada por José Plácido de Castro. A história vem se repetindo, embora sem armas ou sangue.

Na semana passada, o Ministério Público Federal (MPF) recebeu pedido do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) para iniciar processo que pode culminar com a anulação do contrato de compra e venda da fazenda Nova Macapá, onde está a sede da Agrocortex, uma área de 190 mil hectares, maior que a cidade de São Paulo, que é de 150 mil hectares, e maior até que alguns países da própria Europa. O argumento do Incra para pedir a anulação do negócio é que a legislação brasileira restringe a aquisição de terras no país por estrangeiros.

A Agrocortex é uma sociedade entre empresas europeias. São duas empresas espanholas (ADS e Kendall, ambas com sede em Madri) e duas empresas controladas por portugueses (R Capital, com sede em Sintra, e Agroview, empresa com sede no Brasil, que tem dois sócios: a Parcontrol, empresa com sede em Lisboa, e um empresário português).

Foto: Sérgio Vale

No princípio, ao se instalar no Acre, a empresa anunciou um projeto de exploração madeireira na região de Manuel Urbano, e em parte do território do Estado do Amazonas, que pretendia explorar nos próximos 30 anos através de um plano de manejo florestal sustentável. O investimento da empresa seria da ordem de R$ 100 milhões, num complexo instalado à margem esquerda do Rio Purus, a 230 quilômetros de Rio Branco. Ali foram instaladas dez serrarias, todas em operação.

Diariamente, árvores imensas, com centenas de anos, são derrubadas e manipuladas com o uso máquinas conhecidas como skidders, que arrastam as toras da floresta e depois são embarcadas em caminhões trucados equipados com carretas tipo Romeu e Julieta, com capacidade de transportar até 80 toneladas. A retirada anual está estimada em 150.000 m³ de toras de 42 espécies.

Foto: Sérgio Vale

A Agrocortex estima faturar R$ 135 milhões por ano com o comércio dessas madeiras nativas de alto valor. A exploração ocorre em 97,9% da área, em território do Amazonas, e 2,1% em território do Acre.

A empresa que teria feito a transação com Agrocortex foi a Batisflor, uma das muitas empresas pertencente ao brasileiro Moacir Eloy Crocetta Batista, um empresário que responde a 39 processos segundo o site Jusbrasil ao analisar o que foi publicado sobre ele em diários oficiais. De acordo com o Jusbrasil, a maioria dos processos é originário do Tribunal de Justiça de Rondônia (TJRO). Em seguida, aparece no ranking o Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC). Desses processos encontrados, Iraci Galvane Batista foi a parte que mais apareceu, seguido por C C I Comercio de Combustiveis Itaporanga LTDA.

O jornal Folha de S. Paulo, ao tratar do assunto, informa que a empresa Batisflor, que pertencia ao brasileiro Moacir Eloy Crocetta, era a proprietária original da terra. O Incra alega que a compra foi de 100%, enquanto a Agrocortex afirma ser dona de apenas 49% do negócio. O valor da compra foi de R$ 250 milhões, mas Crocetta afirmou que a madeireira não pagou o valor total.

Em Manuel Urbano, a Agrocortex exporta madeiras nobres como mogno, cedro e jatobá, cumaru, garapa e cerejeira. A empresa extrai madeira do local para exportação, e suas operações são aprovadas pelo Ibama e certificadas pelo Conselho de Manejo Florestal (FSC).

No entanto, ao questionar o negócio, o Incra afirma que a empresa celebrou um contrato de parceria de fachada com a Batisflor, uma vez que ambas as empresas possuem controle comum estrangeiro. A Agrocortex nega a acusação e diz que todas as informações estão sendo prestadas às autoridades.

No caso do território do tamanho de um país na Amazônia, a venda, segundo o portal UOL, foi por R$ 250 milhões, mas Crocetta afirmou que a Agrocortex não pagou tudo. A madeireira não respondeu. A Batisflor também não informou quanto recebeu.

Segundo o grupo estrangeiro, o sócio majoritário da empresa continua sendo o brasileiro Moacir Crocetta. O grupo diz ainda que suas atividades estão de acordo com a lei e que todas as informações estão sendo prestadas às autoridades. O brasileiro Crocetta diz que não tem mais ingerência sobre as terras. Por meio de sua defesa, ele afirma que concordou em vender toda a empresa aos portugueses e espanhóis da Agrocortex.

Questionada sobre quanto pagou pela terra, a Agrocortex não respondeu. Crocetta também não informou quanto recebeu. Oficialmente, na Junta Comercial, a Agrocortex tem só 49% mesmo. Crocetta diz que, como não houve o pagamento total, ele não transferiu todas as cotas da Batisflor à Agrocortex. Por isso, na Junta, os estrangeiros continuam com apenas 49%. Mas a venda foi de 100%, diz a documentação apresentada ao Incra.

A Agrocortex usou subterfúgios para contornar a restrição, diz o Incra. Segundo o órgão, há indícios de que a empresa tenha firmado um contrato de parceria de fachada com a brasileira Batisflor. Há indícios de que o contrato denominado de parceria tenha sido celebrado apenas para contornar as leis restritivas, uma vez que se trata de contrato celebrado entre empresas com controle comum estrangeiro.

A empresa diz que sua atividade madeireira respeita o meio ambiente. Ela afirma que a ideia é “nunca exaurir os recursos naturais e ainda contribuir para a regeneração da floresta”.

A propriedade tem mais de 90% de sua área preservada, diz a Agrocortex. Pelo plano de manejo, a empresa pode explorar 3% da propriedade por vez, deixando os outros 97% preservados. A Agrocortex diz que cerca de 3% da propriedade destina-se a comunidades locais, ribeirinhos e originários. No parecer da Advocacia Geral da União (AGU), a terra é classificada como uma “propriedade gigantesca na Floresta Amazônica”.

A Agrocortex também tem vendido créditos de carbono. O modelo do crédito de carbono permite que quem planta árvores ou adota práticas sustentáveis de manejo do solo, por exemplo, receba dinheiro de empresas, a fim de compensar as emissões de carbono da compradora.

O Incra recebeu uma denúncia anônima sobre o caso. Após analisar a documentação apresentada e solicitar parecer da Advocacia Geral da União, o Incra concluiu que a venda deve ser considerada nula, em ofício assinado em dezembro de 2022 pelo superintendente do Incra no Amazonas, João Batista Jornada.

A lei que restringe a aquisição de terras por estrangeiros é da década de 1970. O objetivo é garantir a soberania nacional e evitar a insegurança alimentar, diz José Heder Benatti, professor da Universidade Federal do Pará e especialista em Amazônia e regularização fundiária. Por trás da lei, há uma preocupação de que, se houver uma crise ambiental, uma crise de fornecimento mundial, o país possa ter uma política de voltar sua produção para o mercado interno.

Para comprar a fazenda de maneira legal, seria necessário ter autorização do Incra. Para isso, a empresa precisaria fazer o pedido ao Incra com a documentação da fazenda e apresentar um projeto de exploração da terra aos órgãos competentes.

A conclusão do Incra foi enviada ao Tribunal de Justiça do Amazonas e ao Ministério Público Federal em dezembro. É a Corregedoria do TJ que poderá declarar a venda da propriedade como nula. O MPF deve analisar eventuais prejuízos à sociedade. A Corregedoria ainda não tomou uma decisão sobre o caso.

Quem é Moacir Eloy Croicetta Batista?

Moacir Eloy Crocetta Batista é empresário com participação em 17 CNPJ nos seguintes Estados: MT, RO, AC, AM, SP. Dessas empresas, 14 estão Ativas, sendo 14 do tipo Matriz e 3 do tipo Filial. A empresa mais antiga é a M.I. INCORPORADORA LTDA – SCP, aberta em 21/03/2011 e atualmente ATIVA. Já a mais recente é a JOAO DE BARRO AGROFLORESTAL LTDA, aberta em 24/01/2022 e atualmente ATIVA. O capital social das empresas somam cerca de R$ 127.691.400,00. Atualmente Moacir tem 22 Sócios em outras empresas cadastradas no CNPJ.

Verifique quais são as empresas e os sócios de Moacir:

ORLEANS EMPREENDIMENTOS LTDA
CNPJ: 18.289.243/0001-57
Data de Abertura: 12/06/2013
Situação Cadastral: ATIVA
Município: VARZEA GRANDE / MT
Capital Social Total: R$ 1.600.000
Moacir é Administrador desde 12/06/2013
JARU SERVICOS ADMINISTRATIVOS LTDA
CNPJ: 46.458.146/0001-86

Data de Abertura: 19/05/2022

Situação Cadastral: ATIVA

Município: JARU / RO

Capital Social Total: R$ 2.450.000

Moacir é Administrador desde 19/05/2022

JURUA INCORPORADORA LTDA
CNPJ: 43.505.979/0001-62

Data de Abertura: 14/09/2021

Situação Cadastral: ATIVA

Município: CRUZEIRO DO SUL / AC
Capital Social Total: R$ 2.000.000
Moacir é Administrador desde 25/10/2021

YACO2 GESTAO E COMERCIO DE CARBONO LTDA
CNPJ: 46.831.892/0001-73

Data de Abertura: 20/06/2022

Situação Cadastral: ATIVA

Município: VILHENA / RO

Capital Social Total: R$ 10.000

Moacir é Sócio-Administrador desde 20/06/2022

BATISTA & CIA LTDA
CNPJ: 22.839.815/0001-00

Data de Abertura: 25/04/1988

Situação Cadastral: ATIVA

Município: VILHENA / RO

Capital Social Total: R$ 3.500.000

Moacir é Sócio-Administrador desde 25/04/1988

BATISTA & CIA LTDA
CNPJ: 22.839.815/0002-82
Data de Abertura: 16/03/2001

Situação Cadastral: BAIXADA
Município: BOCA DO ACRE / AM
Capital Social Total: R$ 3.500.000
Moacir foi Sócio-Administrador desde 25/04/1988

RDC EMPREENDIMENTOS E CONSULTORIA LTDA
CNPJ: 62.334.461/0001-58

Data de Abertura: 05/02/1990

Situação Cadastral: ATIVA

Município: MARILIA / SP

Capital Social Total: R$ 400.000

Moacir é Sócio desde 04/10/2012

BATISTA & CIA LTDA
CNPJ: 06.246.184/0001-50

Data de Abertura: 14/05/2004

Situação Cadastral: BAIXADA

Município: RIO BRANCO / AC

Capital Social Total: R$ 0
Moacir foi Sócio-Administrador desde 14/05/2004

BATISFLOR FLORESTAL LTDA
CNPJ: 09.043.260/0001-19

Data de Abertura: 11/09/2007

Situação Cadastral: ATIVA

Município: BOCA DO ACRE / AM

Capital Social Total: R$ 2.500.000

Moacir é Sócio-Administrador desde 11/09/2007

M. I. INCORPORADORA LTDA
CNPJ: 09.012.773/0001-62

Data de Abertura: 28/08/2007

Situação Cadastral: ATIVA

Município: VILHENA / RO

Capital Social Total: R$ 500.000

Moacir é Sócio-Administrador desde 28/08/2007

M.I. COMERCIAL LTDA
CNPJ: 07.461.257/0001-90

Data de Abertura: 28/06/2005

Situação Cadastral: ATIVA

Município: IACRI / SP

Capital Social Total: R$ 2.100.000

Moacir é Sócio-Administrador desde 19/08/2020

INCORPORADORA IMOBILIARIA PORTO VELHO LTDA
CNPJ: 04.793.899/0001-06
Data de Abertura: 22/02/1983
Situação Cadastral: ATIVA
Município: VILHENA / RO

Capital Social Total: R$ 35.000.000

Moacir é Sócio-Administrador desde 11/12/2009

INCORPORADORA IMOBILIARIA PORTO VELHO LTDA
CNPJ: 04.793.899/0002-89

Data de Abertura: 17/07/1984

Situação Cadastral: BAIXADA

Município: PORTO VELHO / RO

Capital Social Total: R$ 35.000.000

Moacir foi Sócio-Administrador desde 11/12/2009

INCORPORADORA IMOBILIARIA PORTO VELHO LTDA
CNPJ: 04.793.899/0003-60

Data de Abertura: 26/07/2017
Situação Cadastral: ATIVA
Município: HUMAITA / AM
Capital Social Total: R$ 35.000.000
Moacir é Sócio-Administrador desde 11/12/2009

M.I. INCORPORADORA LTDA – SCP
CNPJ: 24.741.143/0001-12

Data de Abertura: 21/03/2011

Situação Cadastral: ATIVA

Município: VILHENA / RO

Capital Social Total: R$ 1.931.400

Moacir é Sócio Ostensivo desde 21/03/2011

MPRV COMPRA E VENDA, GESTAO E LOCACAO DE IMOVEIS LTDA
CNPJ: 40.084.268/0001-73

Data de Abertura: 11/12/2020
Situação Cadastral: ATIVA
Município: CANUTAMA / AM
Capital Social Total: R$ 2.100.000
Moacir é Sócio-Administrador desde 11/12/2020

JOAO DE BARRO AGROFLORESTAL LTDA
CNPJ: 44.978.598/0001-63
Data de Abertura: 24/01/2022
Situação Cadastral: ATIVA
Município: MANAUS / AM
Capital Social Total: R$ 100.000
Moacir é Administrador desde 27/01/2022

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