Do alto dos 87 anos, Alaíde Costa emocionou o público da Sala Itaú Cultural na cidade de São Paulo (SP) na noite de ontem, 3 de março, ao abrir o show O que meus calos dizem sobre mim com Voz de mulher, canção apresentada na voz de Leila Pinheiro no álbum Alma (1988).
A letra de Voz de mulher é do poeta Abel Silva. A melodia é um entre dezenas de atestados da sensibilidade e refinamento do cancioneiro de Sueli Correa Costa (25 de julho de 1943 – 4 de março de 2023).
Na hora em que cantou Voz de mulher, Alaíde Costa não poderia – nem ninguém poderia – imaginar que Sueli Costa voaria daqui a algumas horas nas asas das muitas canções criadas ao longo de carreira de compositora que ganhou o primeiro impulso há 56 anos quando Nara Leão (1942 – 1989) gravou Por exemplo: você (1967), parceria da compositora debutante com o letrista João Medeiros Filho.
Sim, Sueli Costa morreu na cidade natal do Rio de Janeiro (RJ), aos 79 anos, a quatro meses de festejar oito décadas de vida, de causa não revelada. O velório será a partir de 11h de domingo, 5 de março, no Cemitério São João Batista, no Rio.
Comunicada em rede social na manhã de hoje pela sobrinha da artista, a também cantora Fernanda Cunha, a morte de Sueli Costa entristece o Brasil que conhece o valor inestimável da MPB, música tão poderosa quanto a dos Estados Unidos, casa das negras norte-americanas dos hinos e dos blues mencionadas em versos de Voz de mulher.
É que, a partir de hoje, a obra de Sueli Costa se torna uma das lembranças mais bonitas do Brasil. Artista carioca de vivência mineira, criada em Juiz de Fora (MG), Sueli Costa fez a primeira música, Balãozinho, em 1960 e se impôs a partir da década de 1970 como uma das melhores e mais refinadas melodistas do Brasil.
Compositora de alta estirpe, parceira de letristas poetas como o já mencionado Abel Silva, Cacaso (1944 – 1987), Tite de Lemos (1942 – 1989), Aldir Blanc (1946 – 2020) e Paulo César Pinheiro, Sueli deixa obra associada primordialmente às grandes cantoras da MPB.
Se a poesia vinha dos homens, a melodia sensível de Sueli Costa sempre pareceu mesmo mais vocacionada para vozes de mulheres. Tanto que fica difícil esmiuçar as discografias de Elis Regina (1945 – 1982), Maria Bethânia, Nana Caymmi e Simone sem esbarrar algumas (ou muitas) vezes no nome de Sueli Costa.
Maria Bethânia foi a primeira cantora a enfatizar o talento da compositora ao incluir nada menos do que três músicas da então desconhecida Sueli Costa no roteiro do consagrador espetáculo Rosa dos ventos – O show encantado (1971), sendo seguida por Elis Regina (1945 – 1982), intérprete de Vinte anos blue (Sueli Costa e Vitor Martins, 1972) e, mais tarde, de petardos afetivos como Altos e baixos (Sueli Costa e Aldir Blanc, 1979).
Foi pela voz de Bethânia que as primeiras músicas de Sueli começaram a ganhar o Brasil. Coração ateu (1975) – em gravação feita para a trilha sonora da versão original da novela Gabriela (Globo, 1975) – e Amor, amor (Sueli Costa e Cacaso, 1976) fizeram sucesso em época em que a MPB dava as cartas no mercado fonográfico, com a ressalva de que Amor, amor tinha sido apresentada um ano antes, em 1975, na voz da cantora Marília Barbosa.
Simone chegou depois, mas logo se tornou a intérprete mais popular das músicas de Sueli Costa, lançando pérolas aos povos como Face a face (Sueli Costa e Cacaso, 1977), Jura secreta (Sueli Costa e Abel Silva, 1977), Medo de amar nº 2 (Sueli Costa e Tite de Lemos, 1978), Cordilheira (Sueli Costa e Paulo César Pinheiro, 1979), Música, música (Sueli Costa e Abel Silva, 1980) e Alma (Sueli Costa e Abel Silva, 1982).
Paralelamente à supremacia popular de Simone, Nana Caymmi foi se impondo em nichos como uma das grandes intérpretes de Sueli Costa ao dar voz a músicas como Fingidor (1977), Pérola (Sueli Costa e Abel Silva, 1980), Nem uma lágrima (1981), Voz e suor (Sueli Costa e Abel Silva, 1983), Primeiro altar (Sueli Costa e Abel Silva, 1988) e Sabe de mim (música de 1979 propagada pela cantora no álbum Bolero, de 1993).
Também instrumentista e cantora, Sueli Costa deixa oito álbuns lançados entre 1975 e 2018. Os cinco álbuns feitos pela artista na gravadora Odeon – Sueli Costa (1975), Sueli Costa (1977), Vida de artista (1978), Louça fina (1979) e Íntimo (1984) – concentram o suprassumo da obra da compositora de inspiração sobressalente.
Mas é nas vozes das intérpretes, grandes cantoras e mulheres da música brasileira, que fica eternizado o cancioneiro de Sueli Costa, dona de obra imortal que desde sempre embala, faz chorar e ensina muito sobre o amor. Canções em cujas asas Sueli Costa voa agora para o infinito.