“Ele não vai andar, falar e será um retardo”. Estas foram as palavras que Maria Cristina e Paulo Eduardo ouviram quando Guilherme Aparecido Dantas Pinho nasceu, prematuro, aos seis meses. O prognóstico, no entanto, nunca demoveu os pais da criança franzina e calada de tentarem fazer do futuro dissonante uma vida mais melodiosa para ele. Foram muitas as sessões na AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) em que o filho era levado com todo cuidado no colo, porque qualquer coisa que encostasse em seu corpo, com um pouco mais de força, o machucava.
Paulo largou o emprego para cuidar de Guilherme enquanto Maria Cristina sustentava a casa como funcionária de um hipermercado. Além deles, havia Rodrigo, o mais velho, dois anos apenas de diferença do irmão. Enquanto o tratamento evoluía, o casamento ruía. Quando o menino, desenganado por médicos, já andava e falava as primeiras sílabas, os pais se separaram. Ele tinha 4 anos.
Se mudou da periferia de Osasco, São Paulo, com o pai, ajudante de eletricista, que havia arrumado um trabalho no Paraná, e o irmão mais velho, seu maior companheiro, ficou com a mãe. Quis a vida que Paulo encontrasse Silvana, que se apaixonou de cara por aquela criança, que agora seria seu enteado. Na volta ao antigo lar, uma casinha alugada, ela estava junto. Cristina já tinha ido para outra cidade e os irmãos se reecontraram.
Dali para frente Guilherme ganhou uma nova rotina. O menino que seria mudo era o maior tagarela da escola. O garoto que poderia ficar paralítico corria tanto atrás das pipas que amava empinar, que era preciso a ameaça de uma chinelada para voltar para casa às 21h. A criança que, frente às outras, ficaria para trás, aprendeu a rimar. O bebê que nasceu antes do tempo virou Guimê. O MC e o jogador que agora vem dando as cartas no “BBB 23”.
“Sempre tive muito orgulho do Guilherme. Ele sempre foi aquele moleque levado. E até mesmo quando aprontava, eu pensava que ele iria me dar trabalho, mas também daria muitos motivos para eu me emocionar”, diz o pai, a quem Guimê é muito agarrado. Não é por menos. Paulo é para os quatro filhos (Rodrigo, Guimê, Thiago e Nicole) uma espécie de super-herói sem capa. “Meu pai ensinou tudo pra gente. Foi sempre nossa referência. Tivemos uma infância muito humilde, mas nunca faltou a comida. Luxo? Nenhum. Luxo era quando a Silvana fazia lasanha no domingo, a cada 60 dias. O Guimê ficava do lado do fogão esperando”, recorda Rodrigo Dantas, gestor artístico, o irmão mais velho.
Os pequenos prazeres, como a lasanha de domingo ou os biscoitos recheados e pacotes de figurinhas que a mãe Cris enviava aos filhos uma vez por mês, pontuaram as ambições de Guimê. Aos 10 anos, ele pediu emprego numa quitanda. Arrumava as frutas, vendia os sacolés e faturava por semana R$ 70. “Ele achava que era milionário! Com R$ 280, naquela época, gastava com pipa, lan house para jogar videogame e tênis. Porque lá em casa, os tênis passavam de um para o outro. A gente não tinha dinheiro”, relembra o irmão.
Já aos 14, Guimê teve a ideia de fazer festas. A música eletrônica estava na moda. Apesar de ele e o irmão só ouvirem rap, dia e noite, e sertanejo, quando o pai conseguia assumir o controle do aparelho de som, ele cismou em levar o som para Osasco. “Ele sempre teve boa lábia. porque desenrolava com os donos de espaços, com os DJs, panfletava e vendia a R$ 10 cada ingresso. Fazia isso durante um mês com dois amigos. Eu ficava na bilheteria. No fim, sobrava uns R$ 100 pra cada um, mas era uma fase muito feliz”, conta Rodrigo.
Dali para querer ser cantor não demorou. “Ele viu que o funk do Rio tinha explodido e quis fazer igual. Cismou que ia cantar. Ele não era cantor, né? Mas rimava muito bem. Pro meu pai eu dizia, ‘Guilherme é doido’. E para ele eu falava, ‘Vai fundo!’”. Os primeiros shows eram vistos pelos colegas de escola, de bairro, da quebrada. Por pouco, como Guimê mesmo canta em “Já quis”, ele pensou em “ser pastor, mas também ladrão”. Não se bandeou. O pulso firme de Paulo era seu norte: “A coisa que mais dá medo no Guilherme é decepcionar nosso pai”.
O funk com letras próprias, depois chamado de funk ostentação, começou a fazer sucesso na periferia. Mas não com as meninas. Guimê, então com 17 anos, sofria com a rejeição. “Muitas vezes ele ficava apaixonado e a coisa não ia. Mesmo meninas que ele já tinha ficado ou namorado. E ele sofria”, observa Rodrigo.
Tudo virava música. E tudo mudou também quando Guimê ficou conhecido, ganhou fama e comprou o primeiro carro. “Ele já fazia uns seis shows por mês e me pediu para financiar um carro para ele. Eu era maquinista concursado da CTPM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos). Fui com o coração na mão e ele tirou zero um Honda Civic na agência. Mas pagou todas as 30 prestações de R$ 1,8 mil cada. Ele dizia que se acabasse um show e fosse de ônibus para casa nenhum contratante iria respeitá-lo”, relata Rodrigo.
Tudo começava a fluir, mas o pai queria que ele arrumasse um emprego de carteira assinada. Guimê nem imaginava isso para a vida. Até que veio “País do Futebol”. Nessa fase ele já tinha saído de casa, feito a primeira tattoo (o nome do pai) e ganhava dinheiro e fama. “Quando ele chegou em casa, abriu o notebook para mostrar o clipe, nós choramos juntos, de emoção”, emociona-se Rodrigo. Tempos depois, Guimê foi capa da “Veja”.
O primeiro grande dinheiro que ganhou foi destinado à casa própria para Paulo e Silvana, um sonho de infância. “Para mim, ele é puro coração, um menino respeitador, educado e muito correto”, derrama-se o pai. A mãe biológica de Guimê não fica atrás. Apesar de terem se afastado por cirunstâncias na infância dele, ela e o cantor mantêm uma relação bem próxima. Inclusive são a cara um do outro.
“A gente é muito parecido fisicamente e nascemos no mesmo mês. Ele foi um garoto peralta, teimoso e que cresceu e se tornou o melhor homem que eu conheço. Tem o coração imenso, muitas qualidades e costumo dizer que, quando eu crescer, quero ser igual ao Guilherme”, diz Cris, com a voz embargada.