Caju é um alimento especial: proporciona a sensação de bem-estar, auxilia no processo de cicatrização, ajuda no sistema imunológico e protege o coração, isso tudo com uma certa acidez. Características essas que também podem se confundir com outra Caju, a Giuliana Capitani, a streamer que foi uma das primeiras influenciadoras no League of Legends brasileiro.
Ao longo desta semana, o ge reuniu histórias de pessoas e empresas que se destacam no universo gamer – e feminino – para celebramos o Dia Internacional das Mulheres. Contamos o perfil de Maah Lopez, Luma e Susy Egert. Na “mini-biografia” abaixo, apresentaremos Caju, a mulher-fênix que se conheceu na dor.
Hate e Bullying
A história de Caju teve sempre o bullying e o hate entrelaçados em boa parte das fases da vida desta mulher de 28 anos. Para entender um pouco mais da streamer, é preciso voltar no tempo. Giuliana Capitani, nasceu em Porretta Terme, cidadezinha a 60km de Bolonha, na Itália. Apesar dos pais serem brasileiros, toda a geração que antecedeu é italiana. No dia em que completou um ano de vida, Caju, a mãe Caterina, o pai Alessandro e o irmão Gianluca – quatro anos mais velho – se mudaram para São Paulo.
Ao longo da infância, a streamer tinha um perfil mais tímido e recolhido e sempre foi muito rodeada por homens. Com isso, o contato com o videogame não demorou a aparecer e foi pelo irmão e primos que começou a pegar gosto pelo universo gamer.
– Eu lembro que no Natal, meu irmão ganhava um videogame e eu ganhava uma boneca. Eu largava a boneca e ia jogar videogame com ele – contou
Caterina e Alessandro trabalhavam fora e por esse motivo, Caju foi criada pela tia até os 11 anos, e foi com essa relação que sentiu pela primeira vez a maior dor já vivida.
– Quem me criou quando eu era novinha foi uma tia minha. Minha mãe trabalhava, era advogada, então meus pais estavam fora de casa. Ela morava junto com a gente. Foi uma perda muito grande na minha vida, porque ela foi assassinada e foi muito violento o que aconteceu com ela. Foi uma coisa tão brutal que aquilo criou muito ódio dentro de mim – relembrou.
Mais tarde, na pré-adolescência e na adolescência começaram os ataques à Giuliana por causa da aparência física.
Naquela fase começou a atacar para não ser atacada, usou um mecanismo de defesa que acabava tendo uma agressividade enrustida. Como também não aceitava ver as amigas sendo alvo, acabou entrando em brigas físicas com os meninos da escola.
O “Fantástico” mundo do LoL
Depois que terminou o colégio, Caju mirou em fazer Direito. O curso durou um semestre, até que resolveu abandonar, aos 18 anos. Nos seis meses sabáticos começou a jogar League of Legends com os amigos.
– Não entendia ainda que existia algo competitivo ou que existiam pessoas streamando, não tinha noção desse mundo. Foi quando eu conheci o brTT, que é um dos maiores pro players que a gente teve no League of Legends. Ele ainda tava bem no início da carreira dele e a gente fez amizade. Ele acabou me dando muita liberdade de ajudar na carreira dele e foi muito natural – disse.
Felipe “brTT” já era um jogador famoso no cenário. Na época defendia a paiN e foi campeão brasileiro pela primeira vez em 2013. Durante as lives que fazia, Caju foi percebendo os bordões que o chat curtia e aconselhava o pro player a repeti-los. Também elaborava as decorações para o fundo das transmissões. Era tudo pensado por ela e aprovado por brTT.
– Aquilo me incentivava a continuar. Então eu passei a fazer textos para os fãs, para me comunicar com os fãs dele como se fosse ele, para cuidar das redes sociais dele também, como se fosse ele…
Caju começou a cursar publicidade e passou a aplicar o que aprendia na faculdade, na carreira de brTT. Ela se tornou a Social Media do astro. Entre erros e acertos, a influenciadora foi aprendendo na prática o trabalho.
– Teve várias situações que foram erros meus, que afetou sim a imagem dele. Acabou tendo uma repercussão, uma polêmica… e ele olhava para mim e falava “Você errou, tá tudo bem, bora tentar de novo” – disse ao lembrar de uma postagem que fez sobre uma briga com o YouTuber Matheus “yetz”.
– Eu acho que é por isso que hoje eu não tenho medo de arriscar nada na minha carreira, porque ele me incentivou muito a isso – contou.
Se antes sofria bullying pessoalmente na escola, passou a sofrer também pela internet, não apenas sobre a aparência física, mas também pelo fato de ser namorada do jogador.
– Se já tinha machismo dez anos atrás, imagina no cenário gamer, que é o mundo dos homens e o mundo dos homens que até sofreram bullying no colégio, de mulheres. Eles tinham raiva de mulheres. Então uma garota como eu, chegar do nada e ser anunciada como a namorada do ídolo deles, não aceitavam de jeito algum. Eles não aceitavam que eu não era uma musa padronizada, que era a mulher do ídolo deles – analisou.
Duas vezes depressão
Esses 10 anos de contato com o universo gamer, ainda que dessem visibilidade para a streamer, também tiveram um peso na saúde psicológica da italiana.
Caju reconhece que foi uma aventura diferente porque ela queria viver aquelas experiencias e aquele mundo naquele momento. Foi também por causa de contatos que fez na época, com Renan Phillip, por exemplo, que também conseguiu realizar alguns sonhos profissionais nos últimos dois anos, entre eles o Mega Shot da Caju, programa ao vivo na Twitch e no YouTube, que tiveram o apoio da empresa de Phillip.
A experiência na GH da Keyd durou cerca de 10 meses e as críticas continuavam com pessoas questionando a decisão “de ficar atrás de homem”.
– Me botaram em um lugar muito pequeno. Eu custava a entender porque eu tinha muita certeza de que estava fazendo a coisa certa, que tinha que seguir esse caminho, que era necessário… e foi! Mas o meu outro lado pensava que a galera estava certa – desabafou.
A segunda depressão bateu na porta de Caju, depois de um sequência de três acontecimentos que ela define como “erros próprios”.
Em uma das situações, houve um caso de racismo no LoL e a influenciadora se posicionou contra a pessoa que cometeu o racismo.
– Um pro player na época era amigo da pessoa que cometeu o racismo e para defender o amigo, pegou tuítes meus de sete anos atrás…quando eu tinha 17 anos e tentou usar contra mim. […]Eu vivia numa bolha tão fechada de privilégio que eu não tinha noção do que era racismo, do que era transfobia, homofobia.. era muito crua. Eu reproduzia o que ouvia no colégio. Eu fiquei muito mal porque eu fiquei muito envergonhada [dos tuítes] – lembrou.
A segunda situação foi com um vídeo que fez com o YouTuber CellBit com o intuito de resolver uma suposta briga de casal.
– Foi um amadurecimento que eu tive, foi um aprendizado. Mas eu me arrependi muito. Me machuquei muito por esse erro, porque minha intenção era completamente oposta do que eu acabei executando
A terceira situação foi com uma entrevista que fez com o jogador de CS:GO, Marcelo “coldzera”, que repercutiu mundialmente no cenário do jogo.
– Ele [coldzera] confiou em mim e eu não executei da melhor forma para preservar a imagem dele. Então isso me chateou muito, porque eu não queria ter perdido esse carinho dele, sabe? Essa confiança dele… Então foram três sequências de situações muito fortes contra mim. Foi uma muito próxima da outra e eu não aguentei. Ali foi a depressão mais pesada que eu tive – contou.
– Eu percebi que eu estava doente porque eu não queria sair da cama. Eu não, eu não conseguia sair da cama, Eu só queria saber de dormir. Eu acordava, eu chorava o dia inteiro, eu ficava mal. Eu comecei a ter uns pensamentos muito pesados
Na época, brTT estava jogando no Flamengo e tinha acabado de vencer o 2° Split do CBLOL, no Rio de Janeiro. Com a vitória, o time se classificou para o Worlds e acabou emendando torneios.
E foi ai que a terapia entrou na vida de Caju e foi nesse olhar para si que aprendeu a chorar. Durante esse período se recolheu, terminou o relacionamento de oito anos e focou em fazer streams no Facebook.
Surgindo das cinzas
Na renovação com o Facebook, Caju optou por negar, já que percebia que a plataforma não dava a visibilidade que ela almejava. Fez também uma transição de jogos: saindo do LoL e indo para o RP, o role play, mais especificamente o GTA RP.
Com o contato que estabeleceu com Renan Phillip desde a Keyd, se botou à disposição para ajudar em qualquer trabalho. Phillip também investe no Fluxo e recorreu à publicitária para ajudar no Complexo – nome sugerido por ela – para o servidor da organização no GTA RP. Atualmente, é o maior servidor com cerca de 500 usuários ativos diariamente.
– Acabei me apaixonando porque eu costumava cuidar da carreira de uma pessoa só e no complexo eu acabo cuidando de vários. Então eu poder cuidar de 200 streamers, uns mais diretamente outros indiretamente, eu acho incrível .
Caju x Giuliana
– Eu acredito muito que tenho a dupla personalidade. Tenho a personalidade dos bastidores, que seria a Giuliana… eu gosto de fazer acontecer, dar ideia, dar solução. E tem meu outro lado que é a Caju. Eu criei a Caju. A Giuliana é super tímida e a Caju eu não sei de onde vem. Eu falo demais, gosto da atenção.
A Caju atualmente está com um novo projeto – ainda engavetado – esperando o momento certo para executá-lo.
Entre tantos ataques, teve um recado que mudou a vida da streamer.
– Um dia eu li uma garota falando: “Eu admiro a Caju. Ela ela me inspira, eu quero trabalhar nos games, porque eu vejo a Caju nos games e ela bate de frente com machismo.” E eu pensei: Se tem uma garota que vai se inspirar em mim, então eu vou mudar agora, eu vou fazer ela se orgulhar de mim. E agora ela vai se inspirar na pessoa certa, porque a pessoa que eu tava sendo não era a pessoa certa. A pessoa que eu estava seguindo era para me proteger do público. Mas eu entendi, foi um clique para mim. Eu tenho uma missão muito maior agora.