Colesterol ruim: duas injeções anuais reduzem os níveis pela metade

Imagem

Imagem: iStock

Imagine se, após uma semana de ter tomado uma injeção subcutânea, o seu LDL — aquela molécula que, merecidamente, leva a alcunha de colesterol ruim — começasse a cair e, passados seis meses, seus níveis já tivessem despencado, em média, 52%.

Pois é isso o que se pode esperar da inclisirana, medicamento desenvolvido pela farmacêutica Novartis, aprovado pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) na metade do ano e que deve chegar às farmácias brasileiras nas próximas semanas.

É verdade que outras terapias que já eram encontradas por aí podem agir no mesmíssimo alvo dessa medicação — uma proteína conhecida pela sigla PCSK9 — e são capazes de levar a reduções ligeiramente maiores e mais rápidas.

“Existem anticorpos monoclonais que barram essa tal de PCSK9 no sangue e, em dois dias apenas, o LDL já está no pé”, compara o cardiologista Raul Dias dos Santos, brasileiro considerado uma das maiores autoridades do mundo quando o assunto é colesterol. “Só que o efeito deles não dura muito e, quinze dias depois, você já precisa de uma nova dose injetável. Com a inclisirana, porém, não é assim”, diz ele, que é professor da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisador do Hospital Israelita Albert Einstein, na capital paulista.

Para começo de conversa, a inclisirana não barra a PCSK9 prontinha-da-silva como fazem os anticorpos monoclonais e, sim, corta a produção dessa molécula pela raiz, induzindo o fígado a fechar temporariamente a sua fábrica. Mas a maior vantagem de todas é que seu efeito dura. Ô, se dura… “Tanto que a pessoa só precisa levar uma nova picada 90 dias após a primeira injeção para, então, dali a seis meses, tomar outra. Ou seja, são três aplicações no primeiro ano e, a partir daí, prescrevemos apenas duas injeções semestrais”, conta Raul Dias.

Portanto, enquanto quem tem colesterol nas alturas deve usar estatinas todos os dias e repetir a dose de anticorpos monoclonais a cada 15, a inclisirana facilita, porque você só precisa se lembrar dela duas vezes ao ano. “Com a dificuldade que temos para o paciente aderir ao tratamento, esse é um ponto positivo e tanto”, comenta o médico Fabrício Assami Borges, que coordena a terapia intensiva e a cardiologia do Hospital Santa Paula, em São Paulo, que pertence à Dasa.

Para baixar o colesterol

No fundo, todas as drogas usadas para derrubar os níveis de LDL no sangue atuam no fígado, aumentando sua capacidade de remover as partículas circulantes dessa substância antes que ela se deposite nas paredes dos vasos e, pouco a pouco, vá impedindo a passagem sanguínea.

“As estatinas, por exemplo, bloqueiam parte da produção do colesterol no próprio fígado”, explica o professor Raul Dias. “E, como esse órgão precisa de colesterol, isso faz com que suas células aumentem o número de receptores para captar o LDL que está na circulação.” No final das contas, o colesterol ruim sai dos vasos e vai parar no fígado.

A estratégia funciona. As estatinas são os remédios mais usados no mundo inteiro para diminuir os níveis de colesterol porque têm uma porção de qualidades: “Elas são eficazes, reduzindo o risco de infartoAVC e morte. Sabemos que são seguras porque estão há 30 anos no mercado. E, não menos importante, são muito acessíveis”, enumera o professor Raul Dias.

A questão é que, sozinhas, muitas vezes já não dão conta do recado. Isso porque, como observa o doutor Fabrício Borges, “não existe um valor de colesterol alto que seja igual para todo mundo”. Se, para uma pessoa saudável, níveis em torno 100 miligramas de LDL por decilitro de sangue são razoáveis, para indivíduos com um alto risco cardiovascular, como quem já teve a péssima experiência de infartar ou de sofrer um AVC, a orientação é para mantê-los abaixo de 50 miligramas por decilitro sanguíneo.

“Hoje sabemos que o melhor mesmo seria que o LDL dessa gente ficasse entre 20 e 30 mg/dl. Isso não causaria outros problemas, como câncer e queda na libido, como alguns fantasiam, e protegeria a pessoa com alto risco cardiovascular de morrer de doença coronariana”, afirma Raul Dias dos Santos. Porém, não há estilo de vida equilibrado, nem estatina que faça alguém chegar lá. Daí a necessidade de reforços, como a inclisirana.

O que faz a PCSK9

Todos nós temos essa proteína. Ela é sintetizada pelo fígado, pelos rins e até pelo intestino, só que em menor quantidade. “Sua função é degradar o receptor hepático de LDL, ao se ligar nele”, define, em poucas palavras, o professor Raul Dias.

Ao fazer esse estrago nessa espécie de fechadura, ela corta a capacidade do fígado de fazer o colesterol circulante passar para dentro dele. “Aliás, a investigação dessa proteína, a PCSK9, começou quando os cientistas notaram que sua deficiência fazia os níveis de colesterol baixarem bastante no sangue”, completa o doutor Fabrício Borges.

Isso acontecia sobravam mais receptores hepáticos para tirá-los dos vasos. E a recíproca é verdadeira, isto é quem tem muita PCSK9 tem um número menor de receptores de colesterol no fígado e mais LDL dando sopa na corrente sanguínea. Daí o objetivo de impedir essa proteína de agir

Como age a inclisirana

O medicamento é um RNA de interferência bem embalado, vamos dizer assim. Por RNA de interferência, se nunca ouviu falar dele, entenda que é uma molécula pequenina que existe na natureza para regular a síntese de proteínas.

No interior das células, ele destrói outro RNA, o mensageiro, que trazia a ordem para criar suma proteína qualquer. É como se rasgasse a receita, vamos encarar assim. “Mas nada disso acontece no núcleo celular”, faz questão de esclarecer o doutor Fabrício Borges. Isso mesmo: o RNA de interferência não chega nem perto do nosso genoma e, injetado na inclisirana, não dura mais do que 48 horas no organismo.

Tem mais: extremamente específico, ele só acaba com a linha de produção da proteína PCSK9. “Na inclisirana, esse DNA é revestido por uma capinha de gordura e, por cima dela, há a camada de um açúcar, o galnac, que só é absorvido pelas células hepáticas”, descreve o professor Raul Santos. “Desse modo, o medicamento não fica no sangue, nem vai parar nos rins, no nariz, em nenhum outro canto que não seja o fígado.”

Alguma reação indesejável?

A queixa mais frequente de quem usou a inclisirana é a dor no lugar da injeção, que é aplicada na barriga. “Como ela se concentra no fígado, o que esperávamos seria algum efeito nesse órgão”, conta Raul Dias. Até o momento, essa ameaça não se confirmou.”Em estudos realizados com pacientes que usam essa terapia há quatro anos, não se viu alterações hepáticas. Ela parece ser bastante segura.”

Para conseguir grandes reduções

O ideal é que a inclisirana — assim como acontece com os anticorpos monoclonais para barrar a PCSK9 — seja usada em cima das estatinas. “Assim, eu vou ter uns 50% de redução com a estatina e mais outros 50% com esse medicamento”, justifica o professor Raul Dias. É o jeito para se chegar àqueles níveis de LDL baixíssimos.

Segundo o médico, é claro que há pacientes que não querem mais tomar estatina porque reclamam de dores pelo corpo, por exemplo. “Dá para eles usaram só a inclisirana? Dá. Mas, aí, a redução fica naqueles 52%”, observa. O que, como ele mesmo reconhece, não é nada desprezível: já corta, mais ou menos, um terço a probabilidade de o sujeito ter um evento cardiovascular.

“Mas, até pelo custo, os cardiologistas devem prescrever a nova medicação priorizando pessoas com alto risco de ter encrencas cardiovasculares”, pensa o doutor Fabrício Borges. Não são poucas. Estamos falando de 20 a 25% da população brasileira.

O foco número 1 devem ser aquelas que, como já mencionado, sofreram infarto ou AVC, evitando um bis que teria tudo para ser bem grave. Ou quem, mesmo sem ter infartado, apresenta hipercolesterolemia familiar, doença genética que eleva o LDL e que dificilmente é controlada só com estatinas.

Mas, se não fosse pesar no bolso — estima-se um custo anual de até 14 mil reais —, a inclisirana poderia ser indicada para toda e qualquer pessoa com colesterol mais alto. O coração agradeceria. “Ainda não entrou na cabeça de um monte de gente que o LDL elevado é a principal causa de infarto do miocárdio do mundo”, lamenta Raul Dias dos Santos.

Muitos o ignoram, já que LDL nas alturas não manifesta sintoma algum. Outros, mesmo sabendo que seus níveis merecem um empurrão para baixo, não seguem o tratamento direito — no que injeções semestrais poderão ajudar. E outros, ainda, usam remédios, como as estatinas, e não alcançam a meta. A realidade, apontada por pesquisas, é que 9 em cada 10 pessoas com colesterol alto não estão controlando seus níveis. Placar que o novo medicamento deve ajudar a mudar.

PUBLICIDADE