Nesta sexta-feira, 17 de novembro de 2023, completa-se exatamente 120 anos da assinatura do Tratado de Petrópolis, acordo diplomático entre Brasil e Bolívia, firmado em 1903 na cidade de Petrópolis, no Rio de Janeiro, e que anexou o território do Acre, pertencente à Bolívia desde 1750, ao Brasil.
No entanto, até se chegar ao acordo final, o do Tratatado, três visões distintas, de diferentes e importantes personagens políticos e históricos do Brasil, se distinguiam entre si. Olinto de Magalhães, Rui Barbosa e o Barão de Rio Branco divergiam sobre as soluções para a disputa do território do Acre. A visão vencedora, que culminou com o Tratado de Petrópolis, foi a do Barão de Rio Branco.
O cientista político André Pitaluga, em sua dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Goiás, explica em detalhes sobre essas três visões.
Personagens
Levando em conta as posições dos três personagens com capacidade de decisão no processo, Pitaluga considerou “os interesses, as aspirações, a posição hierárquica e a capacidade de transformar ímpetos em ações prática” dos principais atores envolvidos na questão acreana.
O primeiro, Olinto de Magalhães, era ministro das Relações Exteriores do Brasil entre 1898 e 1902. Ele respondia pela política externa brasileira no início do período decisivo da disputa com a Bolívia pelo Acre e participou das negociações para um armistício que encerrou a revolta independentista de Gálvez. Sua posição era a de reconhecer a soberania da Bolívia sobre o território acreano.
Rui Barbosa, diplomata dos mais respeitados da história do Brasil, integrou a delegação brasileira que negociou a assinatura do Tratado de Petrópolis. A posição do diplomata no caso era pela abertura de um processo de arbítrio.
Já o Barão do Rio Branco, considerado o arquiteto do acordo de 1903, pensou em um plano de negociação, onde a anexação do Acre foi possível por meio da compra do território.
Olinto de Magalhães
Nascido em 1865, Olinto de Magalhães era um político e diplomata mineiro. Em 1898 foi indicado pelo então presidente eleito, Campos Sales, para a chefia do Ministério das Relações Exteriores, onde permaneceu até o fim do mandato presidencial. Foi no seu período como chanceler, a sede do ministério mudou para o Palácio Itamaraty.
Durante seu período como ministro, se envolveu em outra disputa limítrofe, antes do caso acreano. Um litígio com a Inglaterra por áreas das Guianas, que começou em 1899 e se arrastou até 1904. O laudo do arbítrio, solicitado pelas duas partes, foi favorável às reinvindicações inglesas.
No caso acreano, diferente da sua posição anterior com relação a disputa contra a Inglaterra, Magalhães preferiu não intervir e reconhecer o direito da Bolívia de exercer o controle aduaneiro na região. O que o fez dar mais atenção ao caso foi a revolução de Gálvez e a proclamação da independência do Acre, em 1899. No entanto, ele não mudou de ideia de reconhecer a soberania boliviana.
Foi só no fim da sua gestão à frente do Ministério das Relações Exteriores que Magalhães sinalizou que entendia que a questão acreana teria impactos substanciais para a política interna no Brasil caso fosse conduzida nos termos definidos pela Bolívia.
Rui Barbosa
O baiano Rui Barbosa, um dos personagens mais respeitados nos universos intelectual, jurídico e político brasileiro, é outro personagem importante nessa história.
No caso acreano, Barbosa atuou em diversos momentos e frentes. No Congresso, enquanto senador da República pela Bahia, pressionou o Ministério das Relações Exteriores a ser firme na proteção dos brasileiros residentes na região do Acre. Ele também foi indicado para compor a delegação brasileira, juntamente com Assis Brasil e Rio Branco, para as negociações do Tratado de Petrópolis.
Vale ressaltar que Barbosa se mostrou contrário, desde o início da disputa, à posição de não intervenção adotada pelo ex-chanceler Olinto de Magalhães. Entre 1900 e 1901, Rui Barbosa chegou a denunciar que a Bolívia tinha a intenção de arrendar o território acreano, o que resultaria em uma lesão aos direitos brasileiros e em um risco à soberania nacional na região amazônica. Barbosa sabia do interesse dos Estados Unidos sobre a borracha, cada vez mais cobiçada no mercado internacional, com a ascensão da indústria automobilística.
Rui Barbosa defendia que o Brasil tinha um direito legítimo e não passível de contestação sobre o território acreano, e considerava que qualquer concessão à Bolívia seria desnecessária, pois seria lesiva aos interesses nacionais.
O diplomata acreditava que se o governo boliviano recusasse as propostas brasileiras, uma ameaça do Brasil de deixar que a questão se resolvesse entre a Bolívia e os revolucionários do Acre, seria suficiente para fazer valer a posição brasileira na negociação, já que ele considerava que o governo boliviano não teria força para sufocar o levante acreano por conta própria. Barbosa defendia ainda que se solicitasse um processo de arbítrio internacional.
Barão do Rio Branco
Principal personagem dessa disputa, o Barão de Rio Branco é considerado o arquiteto da negociação que resultou no Tratado de Petrópolis. Rio Branco construiu um acordo que contemplou diferentes aspirações. O Tratado encerrou o conflito entre a Bolívia e os colonos brasileiros no Acre, resguardou os interesses do Brasil contra o Bolivian Syndicate, e evitou mal estar com os Estados Unidos. Rio Branco se tornou chanceler em 1902, quando substituiu Olinto de Magalhães.
Quanto à atuação de Rio Branco no caso acreano, a conjuntura no momento em que ele assumiu a condução da questão, tinha como pano de fundo uma crise instaurada no Acre desde a revolta liderada por Gálvez e a Bolívia havia decidido negociar o arrendamento do território a um grupo anglo-americano. Nesse contexto, Rio Branco viu no ataque à viabilidade econômica do Bolivian Syndicate o primeiro passo para lidar com a questão, e como medida inaugural da sua atuação, ele fez o bloqueio da navegação nos rios que davam acesso à região acreana.
A medida fez com que o Bolivian Syndicate aceitasse negociar por uma indenização, para que o consórcio desistisse de explorar o Acre. O consórcio pedia US$ 1 milhão de indenização, valor recusado pelo Brasil, que havia recebido o limite de 125 mil libras esterlinas, cerca de US$ 650 mil na época.
Conforme as negociações avançavam, as posições de Rio Branco e Rui Barbosa, antagônicas, ficavam mais evidentes. Ressentido com a situação, Rui Barbosa pediu em outubro de 1903 sua exoneração da função de negociador com a Bolívia e teve o pedido aceito por Rio Branco.
A partir daí, Rio Branco ganha ainda mais liberdade e protagonismo para negociar os termos do acordo com a Bolívia, estabelecendo sua solução para a questão. A posição de Rio Branco prevaleceu entre as decisões possíveis para a disputa pelo território acreano e em 17 de novembro de 1903, o Tratado de Petrópolis foi assinado, encerrando a disputa entre Brasil e Bolívia pelo Acre. A ratificação do documento pelo Legislativo brasileiro, conferindo validade jurídica, só viria a ocorrer em fevereiro de 1904.