O motorista de caminhão Roberto Luis de Lima, 53, de Santos (SP), teve leptospirose e quase morreu após comer uma manga caída no acostamento de uma estrada em dezembro do ano passado.
Comecei a definhar. Não comia, não bebia. Recebia tudo por via endovenosa. Perguntei ao médico o que estava acontecendo e foi quando descobri estar com os rins parando, os pulmões debilitados, o fígado inchado. Estava ficando amarelo, não tinha mais forças para nada. Estava morrendo e o médico confirmou que eu estava com os dias contados, porque ninguém sabia o que eu tinha e o que fazer para melhorar. Eu morri e voltei. Roberto Luis de Lima, motorista
Como foi a infecção
Lima decidiu parar em um ponto da rodovia Washington Luís para colher mangas caídas no acostamento, entre os municípios de Magda (SP) e São José do Rio Preto (SP). Ele voltava para casa após trabalhar no transporte de placas solares para uma fazenda em Ilha Solteira, na divisa com Mato Grosso do Sul, no dia 7 de dezembro do ano passado.
A prática é comum entre os motoristas que trafegam pela rodovia. Em um trecho, a quantidade de mangueiras plantadas às margens da estrada impressiona, segundo ele.
Peguei algumas do chão, pus numa sacola, guardei e peguei duas para comer na hora. Tirei as cascas com os dentes, abri com a boca mesmo, como sempre fiz desde criança. Estavam gostosas, comi tudo. Voltei para casa, cheguei na sexta mesmo, dia 8, à noite. Roberto Luis de Lima, motorista
Após 48 horas, o motorista começou a sentir dores intensas nas costas. Ele acreditou ser apenas uma gripe. No dia seguinte, teve febre alta e vômitos. Lima se automedicou e decidiu encarar mais uma viagem para Ilha Solteira, no início da semana.
No dia 12, enquanto trabalhava, já não conseguia sair do caminhão. Tinha falta de ar intensa, e os colegas chamaram uma ambulância. Médicos acreditaram que ele tinha dengue e uma infecção urinária. Lima foi medicado.
De volta a Santos, no dia 14, seu quadro só piorava. O patrão, ao ver seu estado, chamou uma ambulância. Lima foi atendido em uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento), de onde foi transferido para o CTI (Centro de Terapia Intensiva) da Santa Casa do município.
Um médico explicou que os sintomas que ele apresentava batiam com os de leptospirose. O profissional refez as perguntas que Lima já tinha ouvido dos outros médicos, querendo confirmar se ele havia enfrentado alguma enchente, se havia bebido água em alguma latinha encontrada na rua.
Nessa hora foi que eu lembrei da manga. Mas, eu juro, nunca teria pensado nisso. Contei para o médico. No dia seguinte, fizeram novos exames. Eu estava com Síndrome de Weil [uma das manifestações da leptospirose]. Fui para a hemodiálise. Minha esposa, Elisângela, cuidou de mim o tempo todo. Roberto Luis de Lima, motorista
No terceiro dia de hemodiálise, mesmo após tomar os remédios específicos para a leptospirose, o motorista conta que se sentiu muito mal. Desmaiou na metade do tratamento. Ele acredita ter morrido por alguns instantes, pois várias imagens começaram a surgir em sua mente, de parentes e amigos que já estavam mortos.
Quando conseguiu abrir os olhos, no dia seguinte, se viu na cama da enfermaria e, pela primeira vez em muitos dias, sentiu muita fome. Chamou a enfermeira, que se espantou com sua recuperação rápida, e lhe ofereceu uma banana.
A sensação de voltar a comer, de conseguir mastigar, o sabor da fruta, tudo aquilo foi muito emocionante para mim. Comecei a chorar enquanto comia. Eu havia questionado tanto o porquê de tudo aquilo ter acontecido comigo. Justo eu, um homem voltado para o esporte. Surfista, ciclista, sempre cuidando do corpo. E aí entendi que eu havia recebido um milagre. Além disso, aprendi uma lição: nunca mais coloco nada na boca sem higienizar primeiro. Roberto Luis de Lima, motorista
Na véspera do Natal, Lima recebeu alta do hospital. Ele ainda está de licença médica, se recuperando, mas já consegue praticar algumas atividades, como o surfe.
Por ter se recuperado de forma tão rápida, o que é raro segundo os especialistas, ele se ofereceu como objeto de estudo para o curso de medicina da Unimes (Universidade Metropolitana de Santos). O objetivo dos estudantes e professores da disciplina de infectologia e nefrologia da universidade será estudar a bioquímica e o metabolismo do organismo do motorista, para ajudar outras pessoas no futuro.
Síndrome de Weil e leptospirose
Em aproximadamente 15% dos pacientes com leptospirose, ocorre a evolução para manifestações clínicas graves. Elas normalmente se iniciam após a primeira semana de doença, segundo informações do Ministério da Saúde.
Nas formas graves, a manifestação clássica da leptospirose é a síndrome de Weil. A síndrome é caracterizada por icterícia (tonalidade alaranjada muito intensa), insuficiência renal e hemorragia, mais comumente pulmonar. A presença de icterícia é frequentemente usada para auxiliar no diagnóstico da leptospirose.
A leptospirose é transmitida pela urina do rato. Em situações de enchentes e inundações, a urina dos ratos pode se misturar à enxurrada. Qualquer pessoa que tiver contato com água das chuvas ou lama contaminadas pode se infectar. As leptospiras presentes na água penetram no corpo humano pela pele, principalmente se houver arranhão ou ferimento.
Ingestão também é uma forma de transmissão. Outras modalidades de transmissão possíveis (mas mais raras) são: contato com sangue, tecidos e órgãos de animais infectados e ingestão de água ou alimentos contaminados.
Prevenção passa por evitar o contato com água ou lama que possam estar contaminados pela urina de rato. Pessoas que trabalham na limpeza de lama, entulhos e desentupimento de esgoto devem usar botas e luvas de borracha. A higienização de alimentos também é uma forma de evitar várias doenças.