Devo não nego, pago quando puder

A opção do Palácio do Planalto por não enfrentar dilemas cobrou, mais uma vez, a sua fatura. A proposta para financiar a expansão do Bolsa Família resultou em piora dos preços dos ativos e das taxas de juros.

Não deveria surpreender. O plano se valia de mecanismos pouco republicanos, como a suspensão unilateral do pagamento de dívidas, que, há tempos, são adotados por estados e municípios para pagar seus crescentes gastos com salários e aposentadorias.

O governo, que se dizia liberal na economia, segue confirmando que era tudo conversa para inglês ver. Não há privatização, abertura da economia e redução da arrecadação compulsória destinada ao Sistema S. Anunciou-se um esquisito “mais Brasil, menos Brasília”, que tampouco saiu do discurso.

São muitas as promessas não cumpridas, mas o pior ocorre quando se copia o que de mais reprovável é feito por estados e municípios. Propor o adiamento compulsório do pagamento de decisões judiciais é malandragem para viabilizar novas despesas públicas às custas de maior endividamento.

Para quem imaginava que o governo poderia expandir sua dívida sem prejudicar a economia, deve ser perturbador assistir ao choque de realidade dos últimos tempos.

A falta de agenda para controlar o crescimento dos gastos públicos resultou no aumento das taxas de juros de longo prazo, na desvalorização do câmbio e em mais dificuldades para financiar o governo e o setor privado.

Esses danos colaterais podem se agravar em poucos meses se não houver mudança de rumo. O governo escolhe o caminho errado ao optar pela inação frente aos dilemas do país. A tímida proposta de reforma administrativa é um dos exemplos do temor de desagradar aos grupos de interesse.

O apoio maroto ao perdão da dívida tributária das igrejas, as concessões aos militares e a resistência a realizar ajustes nas despesas revelam que o Palácio desconhece a extensão dos problemas. Incapaz de arbitrar conflitos, o presidente parece se desesperar frente às consequências da sua inação, pedindo soluções mágicas.

Dois dias depois do anúncio detalhado do plano, com direito a muitas entrevistas, o ministro da Economia disse que não era bem assim. Afinal, o governo sabe o que o governo faz ou, frente à repercussão, criou-se uma fantasia ministerial?

Alguns têm defendido “pensar fora da caixa”, como se toda criatividade fosse construtiva. Esquecem que pode ser também uma porta para o retrocesso. Nos anos 1980, assim como no começo da década de 2010, houve vários planos mirabolantes que prometiam milagres. Os resultados foram devastadores.

Como no passado, a responsabilidade pelo fracasso será do presidente.

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Jessé Fernandes Castro Santos é economista por vocação, historiador por paixão e jornalista por opção. 
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