26 de abril de 2024

Ed Motta: “Quem não se acha não vira artista”

O cantor Ed Motta lança AOR, seu primeiro disco de inéditas em quatro anos (Foto: Divulgação)

O cantor Ed Motta lança AOR, seu primeiro disco de inéditas em quatro anos (Foto: Divulgação)

Ed Motta se diz uma pessoa de “monomanias”. De sua obsessão mais recente, nasceu um novo disco. AOR é o primeiro trabalho de inéditas do músico em quatro anos. Depois de se dedicar ao jazz, ao rock em inglês e ao pop influenciado pela soul music, o músico decidiu mergulhar no mundo do Album-Oriented Rock, o AOR.

O Album-Oriented Rock é um gênero que ficou bastante popular nas rádios entre a metade da década de 1970 e começo dos anos 1980. Com refrões melódicos, um pouco de suingue e arranjos inspirados no jazz, bandas como Steely Dan e Doobie Brothers ficaram famosas entre uma audiência específica, adulta, que se interessava pelos arranjos meticulosos bem-feitos e gravação meticulosa. Por isso, o gênero acabou conhecido também como Adult-Oriented Rock.

O disco de Ed Motta traz letras escritas por Rita Lee, Adriana Calcanhoto e pelo argentino Dante Spinetta. Entre os músicos que tocaram com Motta estão os grandes guitarristas David T. Walker e Jean Paul Maunick, do grupo de acid jazz Incognito.

Em entrevista a ÉPOCA, Ed Motta fala sobre o novo disco, as polêmicas pela internet e o atual cenário musical. O músico afirma que a web expõe não apenas o que é positivo, mas também aspectos negativos dos artistas. Mas diz que a exposição não o faz menos sincero. E rebate os que afirmam que “Ed Motta se acha”: “Quem não se acha não vira artista”. Leia abaixo a entrevista de Ed Motta e assista às melhores partes em vídeo.

ÉPOCA – De onde surgiu a ideia de lançar um disco focado em AOR?
Ed Motta – Eu sou obcecado por essa estética do AOR desde sempre. A primeira vez que eu percebi que minha música era ligado ao AOR foi quando meu disco Manual Prático saiu no Japão. Lá, ele era classificado como AOR. Até então, eu conhecia apenas uma vertente do AOR, que é o chamado AOR Hard Melodic. É o som do Foreigner, Mr. Big, Van Halen. Até um pouco o “metal farofa”, do Def Leppard. Eu achava que AOR era só essas coisas. Foi aí que entrei em contato com essa nomenclatura, que é o AOR West Coast. Que é a música do Christopher Cross, Doobie Brothers, Hall & Oates… Coisas que tocam no rádio até hoje. Vindo para cá, peguei um táxi e estava tocando… Isso já estava na minha música, eu só não tinha dado um nome pra isso ainda.

ÉPOCA – Quando você decidiu lançar um disco inteiro no gênero, inclusive chamando-o de AOR?
Ed Motta –
Eu tenho umas monomanias. Sei lá: mania do spiritual jazz. Aí fui fazer o meu disco Aystelum. Fiquei ouvindo discos de spiritual jazz o tempo inteiro, pesquisando. Vira um troço obsessivo. O AOR já fazia parte da minha coleção, mas eu fiquei mais obcecado com isso nos últimos anos. Fundei o grupo que tem mais fãs de AOR no Facebook. É um saco sem fundo. Como tudo: jazz, rock dos anos 1960, 1970, música clássica, samba… O que for. Tem disco para ouvir a vida inteira, novidade todos os dias da sua vida.

ÉPOCA – Como você faz a pesquisa para gravar um disco?
Ed Motta –
Tem a estética sonora, visual, os instrumentos… Isso já estava ali. Eram instrumentos que eu tinha em casa e já usava em minha música. E esse negócio do AOR West Coast tem uma pegada mais rock em algumas músicas. Tem músicas aí que tenho há quatro, cinco anos. Vou mexendo, tirando isso, colocando aquilo… É um disco de laboratório, que deu muito trabalho para construir.

ÉPOCA – O AOR foi historicamente subestimado pelos críticos e é voltado para um público bem específico. Lançar um disco tão focado nesse estilo não foi uma decisão arriscada? Ou você queria mesmo atingir esse público específico?
Ed Motta –
Eu queria fazer um disco que me agradasse. Que sentisse vontade de mostrar aquilo para as pessoas. E o AOR é muito abrangente. Quando você ouve as rádios “adulto-contemporâneas”, você percebe que elas só tocam AOR. No mundo inteiro. É uma música pop, vigente, comercial pra caramba. E tem um revival de AOR em algumas partes do mundo. Na Escandinávia, está acontecendo um movimento louco, de jovens que amam e tocam AOR. E no Japão. Os japoneses sempre amaram isso. Os melhores guias e os livros mais completos sobre AOR são todos japoneses.

ÉPOCA – Foi pensado para um público mais adulto?
Ed Motta –
Não foi pensado. Usei a nomenclatura para falar da estética. Não fiz o disco pensando que apenas os adultos deviam ouvir meu disco. Na verdade, eu queria que todo mundo ouvisse meu disco, tipo Michael Jackson. Crianças, todo mundo.
Os discos de AOR eram produzidos com muita atenção aos detalhes.
Como dizem, “Deus mora no detalhe”. E Deus mora no AOR! (risos). Os detalhes de mixagem, de gravação, de panorama dos instrumentos, o que vai de um lado, do outro, para o som ficar bem aberto… O AOR tem essa pretensão de ser um disco também para audiófilos, que tem um áudio superacurado, o mais próximo do perfeito possível.

ÉPOCA – Por isso que ele demorou tanto para sair? Porque foram quatro anos desde o lançamento de Piquenique.
Ed Motta –
Na verdade, eu demorei porque eu não sabia o que eu ia fazer. Eu pensei em fazer um disco instrumental, porque tenho repertório para fazer algo como o Dwitza ou o Aystelum. Ou se eu ia fazer um disco assim. E esse disco não estava muito claro na minha cabeça. Peguei algumas músicas que eu já tinha e fui vendo que elas ficaram com um cara meio AOR. E como a obsessão é o que dita a regra, tive de fazer algo no que eu estava mergulhado, que era o AOR. Teve de ser assim.

ÉPOCA – O disco foi lançado também no Chile e na Argentina. Como é a aceitação de seu trabalho nesses países?
Ed Motta –
O Chile e a Argentina têm tido uma resposta incrível à minha música. Desde a primeira vez que eu toquei, em 1995, isso vem crescendo. E o Dante Spinetta, um grande artista argentino, participa do meu disco. Grande parte dos argentinos ainda não sabe disso, e vão ficar doidos quando descobrir.

ÉPOCA – Em Buenos Aires, por exemplo, você consegue fazer mais shows do que no Rio de Janeiro?
Ed Motta –
Sim. Na verdade, nos últimos anos, minha música ficou misturada. Quando eu toco na Europa, toco um repertório mais jazzístico, instrumental. No Brasil, faço um show mais popular, dançante. Na Argentina e no Chile, faço a mistura das coisas. Eu toco um pouco dois temas meio jazz e toco as coisas funk. É maravilhoso. Tem uma coisa meio Japão na maneira de curtir a coisa. No momento de ser contemplativo, no sentido de observação, ótimo. Se for para ser extrovertido, gritar, dançar, também. Bem legal.

ÉPOCA – Vai sair em vinil apenas na Europa?
Ed Motta –
Não, aqui também.

ÉPOCA – Você acha que o mercado de vinis está se estabelecendo no Brasil também?
Ed Motta –
Eu tenho observado de longe, porque compro quase tudo pela internet. Mas vejo que as grandes lojas têm um departamento de vinil. Está meio na moda. Acho importante ter. Ainda mais para mim, que sempre tive uma ligação genuína com o vinil desde sempre. Eu nunca abandonei o vinil. Ele não está na moda pra mim só agora.
ÉPOCA – Mas você acabou se beneficiando com essa onda de lançamentos em vinil?
Ed Motta –
Essa onda do vinil facilitou o mercado de agulhas, mesmo lá fora. E as reedições, algumas muito bem feitas. E não precisa ser de raridades. Quanto mais óbvios e famosos os discos, mais legais as reedições. Outro dia comprei uma coleção do Creedence Clearwater Revival, com discos que eu já tinha, mas quis porque vinha com um livrinho.

ÉPOCA – Você já catalogou sua coleção?
Ed Motta –
Não. Agora, tenho mais de 30 mil discos. Mas eu queria chegar na coleção daquele cara, que tem cinco milhões de discos (Paul Mawhinney, que possui a maior coleção de discos do mundo). Mas nunca vou chegar a isso. Eu tenho 30 mil discos, que já ocupam um bom espaço. É muita coisa. E é um investimento de vida.

ÉPOCA – Piquenique saiu pela Trama e podia ser baixado legalmente no site da gravadora. Agora, o AOR sai apenas em CD. Você achou que o download gratuito não funcionou?
Ed Motta –
Eu acho a ideia do download gratuito absolutamente genial. Mas é uma ideia do João Marcelo Bôscoli, que é um cara superinteligente, de ideias progressistas em relação a como distribuir a música. A história ainda vai reconhecer a importância do João. Por isso, nada contra nem a favor. Eu faço minha música e essa parte eu não tenho tanta presença, na forma como ela vai ser vendida, em que lojas, se vai ser digital, se vai ter no iTunes ou não. Eu deixo isso com quem vai ser meu parceiro, que é a hora de trabalhar junto.

ÉPOCA – O disco sai na Europa e no Brasil com as mesmas músicas, mas com letras em português e inglês. Como foi esse processo?
Ed Motta –
Eu pedi para o meu letrista, o Rob Gallagher as letras em inglês. Mas na verdade um não sabia o que o outro estava fazendo. Mandei “SOS Amor” para a Rita Lee e “Simple Guy” para o Rob fazer a versão em inglês. Mandei para os letristas e cada um me entregou um texto.

ÉPOCA – Está saindo por seu selo, o Dwitza Music. É o primeiro disco que sai por sua gravadora? Tem planos de lançar outros artistas?
Ed Motta –
É o primeiro disco, mas eu já tenho a editora há algum tempo. Eu gostaria, sim. Se eu tiver investidor, um sócio… (risos)

ÉPOCA – Já tem algum artista em mente?
Ed Motta –
Ainda não. Eu tinha interesse em fazer um selo de música instrumental, de jazz. Tem pouco disso aqui. E tem tanta gente, tantos músicos tocando na noite, que as pessoas não conhecem. De vários estilos: jazz, choro…

ÉPOCA – Em 2011, você fez declarações nas redes sociais que repercutiram de maneira bastante negativa (Ed Motta escreveu que o povo do sul do Brasil era mais bonito que no resto do país). Qual foi o impacto dessa polêmica na sua vida?
Ed Motta –
Isso foi bem ruim, claro. Foi péssimo. Eu estava ali, achando que o negócio estava fechado, falando um monte de absurdos com dois amigos, que a gente falaria se estivesse bebendo um chope, gritando no meio da rua. E paguei um sapo que dura até hoje.

ÉPOCA – Até hoje você sente os efeitos, então?
Ed Motta –
Eu sinto que tem um ranço, uma certa implicância. E existe uma certa permissão em me criticar, de uma forma geral. As pessoas dizem coisas como “Esse Ed Motta se acha”. Que artista que não se acha, né, cara? Quem não se acha não vira artista. Isso é uma estupidez. Acho que a internet tem esse poder de te comunicar a parte negativa [dos artistas]. Porque antes você não sabia da parte negativa. Você só via o positivo, aquele cara que você encontrava na rua e dizia “Ed Motta, te adoro!”. Agora, você vê as duas coisas. Ainda mais se você for paranoico como eu, que vê absolutamente tudo de tudo.

ÉPOCA – Você acompanha o que sai na imprensa sobre você?
Ed Motta –
Vejo tudo. Vejo o cara que falou mal de mim em um post no Facebook… Depois ele encontra comigo e fala bem, mas eu sei de tudo. Tudo que sai o meu nome eu fico procurando. Tipo, loucura.

ÉPOCA – O Facebook também aproximou fãs e artistas.
Ed Motta –
Sim, isso é muito legal. Eu vejo que grande parte dos artistas não usa a internet. Apesar de ser tão bonzinhos e educados, eles não falam com seus fãs. Eles são tão especiais… Eu que sou o ‘babaca que se acha o máximo’, falo com todo mundo, o tempo inteiro. Sou eu mesmo que respondo. Eu que falo bem, falo mal das coisas. Sou eu mesmo. Quando você coloca a sua cara à tapa, você paga um preço por isso, por ser verdadeiro. Você tem que saber o que vem: pisou aqui, é ação e reação.

ÉPOCA – Alguns artistas aproveitam para tomar partido em discussões que acontecem fora do mundo da música. Por ter esse papel de destaque, o artista deve tomar partido?
Ed Motta –
Acho que é válido quando você tem pouca informação a ser dissecada sobre o que você faz na arte. Quando é complexo o que você faz… Tem um livro muito interessante do Billy Wilder, que foi entrevistar personalidades da cultura e do pensamento na época da Segunda Guerra. Ele chegou no Stravinsky, um gênio, intelectual da música. Ele perguntou: “E a guerra?” E o Stravinsky responde: “Que guerra?”. Isso é uma ode ao abstracionismo. Provavelmente um artista da música mais ligado à parte de texto, como o Bob Dylan, vai saber de tudo. Mas ele também não é exatamente um músico. Ele usa a música como veículo de ideias. A música toma muito do seu tempo. Eu não tenho interesse mesmo. A internet também piorou isso. Por exemplo, o AOR. De 1977 a 1983. A internet te deixa viver só nesse período, se você quiser. Vendo revistas daquela época, programas de televisão, roupas da época… E você vive ali, no período que você quiser.

ÉPOCA – Além de AOR, você ouviu alguma coisa nova que chamou a atenção?
Ed Motta –
Uma coisa nova que me chamou muito a atenção é um disco de um cara do Espírito Santo, Lucas Arruda. Chama Sambadi. O disco só está saindo na Europa, mas imagino que ele vá fazer tanto barulho que vai ser lançado aqui. Esse cara é um gênio. Para mim, ele salva esse cenário supermedíocre de hoje.

ÉPOCA – Da música brasileira?
Ed Motta –
Da música mundial. Eu não posso culpar a música brasileira disso. O Brasil não está com essa exclusividade de ruindade, não. A ruindade está para todo mundo.

 

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