24 de abril de 2024

Um ano após queda da Ciclovia Tim Maia, viúva diz não ter coragem de passar perto

Eliane Couto vive as consequências do dia 21 de abril de 2016 até hoje. Naquele feriado de sol, seu marido, Eduardo Marinho, foi correr na então recém-inaugurada ciclovia Tim Maia, na Avenida Niemeyer, entre Leblon e São Conrado, na Zona Sul do Rio. Uma onda, no entanto, pôs fim a uma parte da pista e às vidas do engenheiro de 54 anos e do gari comunitário da Rocinha Ronaldo Severino da Silva, de 61 anos, que passavam por ali.

Apesar de interdição, ciclovia é utilizada por pedestres e ciclistas (Foto: Káthia Mello/G1)

Um ano depois da tragédia, a viúva disse ao G1 que não consegue passar perto do local.

“Eu nunca tive coragem de passar pela Niemeyer. Eu olho de longe e não tenho coragem de passar por ali. Eu fiz uma homenagem ali a ele, mas de barco. Joguei rosas brancas para ele no mar. Mas nunca subi na ciclovia, tenho medo. Eu nunca pisei lá”, relatou Eliane, que definiu Eduardo como “pai e filho maravilhoso”.

As indenizações das duas famílias foram pagas ainda no final da administração do então Eduardo Paes, sem valores divulgados. Mesmo assim, Eliane não poupa críticas aos responsáveis pela construção da ciclovia. O laudo do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Rio de Janeiro (Crea), que pediu à Justiça a não reabertura da ciclovia, segundo ela, é uma prova de que a construção foi feita de forma negligente.

Tragédia da ciclovia da Niemeyer completa um ano

“Ninguém foi responsabilizado por isso. A vida deles transcorre normalmente, a vida deles não mudou em nada. Não que isso vá trazer meu marido de volta, mas é uma responsabilidade que tem que vir à tona. Poderia ter muitas outras vítimas. As pessoas passaram a Páscoa bem, o Natal, e a gente reaprendendo a viver”, emocionou-se Eliane.

A família de Eduardo prepara a missa que lembra um ano da morte dele no sábado (22), às 10h, na Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema. Nesta sexta (21), às 9h, um ato será feito em homenagem no local do acidente. Às 10h, amigos colegas de surfe de Eduardo também farão um tributo a ele no Posto 6 da praia de Copacabana.

‘Profeta’ era querido na Rocinha

Ronaldo da Silva, irmão por parte de pai de Ronaldo Severino, diz que a região em que Ronaldo acabou atingido pela onda era como se fosse o “quintal da casa dele”.

“Ele trabalhava como gari comunitário, tinha tido alguns problemas com a polícia, e ele era chamado de Profeta ou Guarda Belo depois que virou evangélico. Ele ajudava a evangelizar muita gente na comunidade. Era um cara trabalhador e fazia as caminhadas dele. Quando inaugurou a ciclovia, ele foi para lá e acabou acontecendo o que aconteceu. É uma pena”, afirmou.

Investigação

O processo criminal que trata do caso ainda se encontra em seus movimentos iniciais na Justiça. Uma consulta ao sistema do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro mostra que a ação movida pelo Ministério Público está na 32ª Vara Criminal na fase de citação e apresentação de defesa, quando se dá aos réus o conhecimento do processo movido contra eles.

O inquérito da 15ª DP (Gávea), que deu origem à ação do MP, responsabilizou por homicídio culposo 14 pessoas (veja os nomes), entre funcionários da Geo-Rio, do consórcio Contemat-Concrejato e também da Engemolde.

Por meio da 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção da Ordem Urbanística, o Ministério Público também moveu uma ação na 9ª Vara de Fazenda Pública contra o Município do Rio e a Geo-Rio.

No dia 28 de março, essa ação gerou uma vistoria feita pelo Crea-RJ. Baseado no laudo emitido pelos engenheiros, o juiz Marcello Alvarenga Leite decidiu manter a interdição da ciclovia no trecho compreendido entre o número 318 da Avenida Niemeyer e a Praia de São Conrado.

Na decisão, o magistrado também determinou que o município promova os reparos e providências constantes no laudo.

“Mantenho decisão que condicionava a desinterdição à realização de perícia pelo Crea-RJ e, considerando a existência de graves ameaças à incolumidade pública e ao bem estar social, determino ao réu Município do Rio de Janeiro obrigações consistentes na realização de reparos e providências, como os apontados no laudo técnico desta decisão, mantendo-se a interdição da Ciclovia Tim Maia por prazo indeterminado, até que venham aos autos documentos que atestem e comprovem o cumprimento das medidas necessárias ao resguardo da obra e da segurança dos usuários”, determinou o juiz em sua decisão.

Prefeitura desiste de recurso

O investimento de R$ 44 milhões da prefeitura no último ano da gestão de Eduardo Paes está parcialmente paralisado. Nesta semana, a prefeitura e a Fundação Geo Rio desistiram do recurso contra a decisão dada em 1ª instância que mantém a interdição de parte da ciclovia.

O recurso foi apresentado à 21ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. O agravo de instrumento negado foi julgado pelo desembargador Pedro Raguenet, conforme divulgou o Tribunal de Justiça do Rio na terça-feira (18).

As partes alegavam que um laudo técnico conjunto da Secretaria Municipal de Defesa Civil e da Fundação Geo Rio atesta a inexistência de risco na via.

Já o Ministério Público Estadual se manifestou contrário e afirmou nos autos que a Geo-Rio se mostrou incapaz de fiscalizar o contrato e aceitação da obra na via, e que a empresa contratada “cometeu erro grosseiro”. Além disso, o MP sustentou que a realização de controle interno não afasta a necessidade de realização da perícia.

A Prefeitura disse, em nota, que vai continuar cumprindo as determinações da Justiça. Segundo o texto, no momento, a Geo-Rio, da Secretaria Municipal de Obras, aguarda a decisão de conceder os 90 dias solicitados para realizar um estudo detalhado para que empresa responsável possa fazer as melhorias com base em dados completos.

Em resposta à reportagem do G1, a prefeitura afirmou que a Concremat não possui nenhum vínculo de obra com a administração municipal além da ciclovia, e que espera a decisão da Justiça para que a empresa faça todas as mudanças necessárias na obra.

“Os laudos do Conselho de Engenharia e Agronomia determinaram que a ciclovia deve permanecer fechada, e é isso que nós estamos fazendo”, disse o prefeito Marcelo Crivella na quinta-feira (20).

Em nota, o consórcio Contemat-Concrejato, responsável pela obra, disse que procurou as famílias das vítimas na época do ocorrido. A nota diz que “tanto na elaboração do projeto executivo quanto na realização das obras da Ciclovia Tim Maia, observou as especificações contidas no Projeto Básico elaborado pela Geo-Rio e todas as normas técnicas aplicáveis, tendo convicção de que o acidente em questão não foi causado pelo seu descumprimento”.

As empresas dizem ainda que já deram resposta preliminar sobre a acusação de homicídio culposo e que demonstrarão “a ausência de violação a dever objetivo de cuidado por parte de seus funcionários”.

Vídeo mostra queda

Um vídeo gravado por um ciclista mostra o exato momento do desabamento da ciclovia. Nas imagens (veja abaixo), é possível ver uma onda batendo nas pedras do costão e cobrindo totalmente a ciclovia.

Em seguida, aparece uma nuvem de poeira escura em meio à espuma do mar. Quando a onda baixa, a ciclovia reaparece já parcialmente destruída, sem um trecho.

Muitas pessoas passavam pelo local no momento do acidente e pareciam não se dar conta da gravidade. Algumas pararam para tirar fotos da ressaca, que impressionava pedestres, corredores e ciclistas. Segundo especialistas, as ondas chegaram a quatro metros de altura.

‘Do Leme ao Pontal’: só no projeto

A ciclovia foi batiza em homenagem a Tim Maia, que compôs a canção “Do Leme ao Pontal”. O projeto era ligar a ciclovia do Leblon à de São Conrado, e a de São Conrado à da Barra da Tiuca. Com as duas obras, a via para ciclistas finalmente completaria a orla do Leme até o Pontal, no Recreio.

O primeiro trecho inaugurado foi na Avenida Niemeyer, em 17 de janeiro de 2016. A tragédia e a consequente interdição ocorreram antes da abertura do outro trecho, que só ocorreu em 3 de setembro.

*Colaborou Fernanda Rouvenat

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