Brasileiro adora bacalhau e faz piada com o fato de o peixe vindo do outro lado do oceano Atlântico, das águas geladas da distante Noruega, nunca ter sido visto com cabeça. Agora a piada somos nós.
Onde estávamos com a cabeça quando negligenciamos um projeto -financiado pelos noruegueses- para proteger a Amazônia e os povos da floresta? Foram quase R$ 3 bilhões doados por eles a um fundo criado por nós em 2008, gerenciado pelo BNDES, para apoiar projetos de combate ao desmatamento e de desenvolvimento sustentável na Amazônia Legal.
Pelas regras do fundo -criadas pelo próprio governo brasileiro-, vínhamos recebendo aproximadamente R$ 400 milhões por ano (valor próximo do orçamento do Ministério do Meio Ambiente previsto para este ano) até que as taxas de desmatamento voltaram a subir. “De acordo com as regras que foram desenhadas pelas próprias autoridades brasileiras, se o desmatamento aumenta, haverá menos dinheiro saindo da Noruega”, disse na última quinta-feira o ministro de Clima e Meio Ambiente daquele país. Estima-se que o corte seja de aproximadamente R$ 200 milhões.
O anúncio ocorre no momento em que especialistas começam a duvidar da capacidade de o Brasil cumprir, pelo rumo dos acontecimentos, a meta estabelecida no Acordo de Paris de reduzir as emissões de gases estufa em 43% até 2030. Uma meta confortável de ser alcançada desde que não hajam barbeiragens na proteção das áreas verdes.
O Presidente Temer e o ministro Sarney Filho tentaram defender em Oslo os interesses de um governo afogado em fatos e números desabonadores que vieram da gestão Dilma e prosseguem sem controle.
Os desmatamentos aumentaram 29% (em 2016), os assassinatos no campo registraram o segundo maior índice em 25 anos (61 homicídios em 2016) e apenas neste ano massacres como os de Colniza/MS (9 mortos) e Pau D’ Arco/PA (10 mortos) levaram o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos a alertar o Brasil para o risco de uma escalada de violência no campo.
O atual governo dá claros sinais de subserviência aos interesses da parcela do agronegócio que deseja flexibilizar o licenciamento ambiental, interferir nas decisões sobre novas reservas ambientais ou demarcações indígenas (mudando a Constituição de 1988), entre outras medidas desastradas. A julgar pelos protestos ocorridos na Noruega durante a passagem da delegação brasileira por lá, o governo Temer não é mal visto apenas por aqui.
Por: André Trigueiro, Especializado em gestão ambiental e sustentabilidade, é jornalista, professor, escritor e conferencista. Escreve aos domingos, mensalmente.
Fonte: Folha de São Paulo