A Coluna “Por dentro dos seus direitos” entrevistou nesta semana o membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ex-presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Acre (OAB/AC), Marcos Vinícius Jardim Rodrigues.
Ele é pós-graduação lato sensu em Direito Público pela Faculdade Integrada de Pernambuco (FACIPE).
CONFIRA NA ÍNTEGRA.
2 – De acordo com sua experiência na advocacia, quais os maiores desafios para os advogados neste atual cenário de Pandemia do covid-19?
Inegavelmente, o período da pandemia impactou deveras a advocacia, assim como muitos outros prestadores de serviços, a despeito da essencialidade da atividade advocatícia. Decerto, com a restrição de circulação de pessoas, com os decretos de restrição de muitas atividades econômicas, públicas e até de ordem privadas, reduziu-se de forma abrupta e vigorosa o exercício da especial atividade, o que envidou em muitas sequelas, como o fluxo de receitas, o volume de contratações, as rescisões contratuais, a inadimplência, dentre muitos outros.
Sabe-se que o fluxo de receitas na advocacia, nem sempre é regular, contudo com boas regras de gestão pode-se organizar uma administração segura, confiável, com previsibilidade e segurança. Com a pandemia, restou a imperiosa a necessidade de maximizar a administração profissionalizada da carreira, implementando as iniciativas cabíveis e necessárias ao difícil momento, que impuseram muita cautela e cortes, não sendo raras as notícias de demissão, enxugamento e redução de estruturas, tudo visando a preservação da atividade.
Os desafios são muitos e variados, mas, em tempos de crise, a criatividade destaca-se como importante fator de manutenção e até de crescimento no concorrido mercado, como a busca por informações que não sejam ínsitas ao Sistema Jurídico, por exemplo, no desenvolvimento de novas teses em áreas importantes, já que contratos precisarão ser renegociados (teoria da imprevisibilidade) e, no campo tributário, as iniciativas governamentais que autorizaram a redução de tributos, com foco na manutenção dos empregos.
Testemunhei bancas advocatícias investindo numa melhor relação com clientes, disponibilizando consultas virtuais sobre dúvidas jurídicas emergentes do período pandêmico, fomentando diálogo até além da seara jurídica, denotando preocupação relativa à saúde, de modo a aprofundar a relação de confiança e lealdade entre advocacia e clientes.
De outro lado, é fato que parte das prerrogativas da advocacia – previstas nos artigos 6º e 7º da Lei 8.906/1994 – foi suprimida. A título exemplificativo, restou inviabilizada a comunicação com clientes, “pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis”.
Notório, ainda, que a modalidade virtual subtrai do advogado a possibilidade de ingressar livremente: “a) nas salas de sessões dos tribunais, mesmo além dos cancelos que separam a parte reservada aos magistrados; b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios, ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e independentemente da presença de seus titulares; c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional, dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache presente qualquer servidor ou empregado; d) em qualquer assembléia ou reunião de que participe ou possa participar o seu cliente, ou perante a qual este deva comparecer, desde que munido de poderes especiais”.
O CNJ, no contexto, visando minimizar esses e outros impactos ocasionados por COVID-19, editou https://www.cnj.jus.br/coronavirus/. Dentre estas algumas de destacada importância para a advocacia, como a recomendação para que juízes e desembargadores criem e disponibilizem um canal eletrônico para comunicação direta com advogados.
Portanto, como último destaque, considerando que não é certo o término do período pandêmico, sugerimos aos advogados que se preparem para a retomada, identificando-se, entre seus clientes já existentes, renegociações e litígios emergidos da pandemia. É importante, ainda, a captação de novos clientes que possam se beneficiar de teses e aconselhamentos aplicáveis ao período subsequente.
Em síntese, o período de quarentena pode ser revisitado como oportunidade para organizar a casa (escritório) para quando da plena retomada das atividades vigore novas e melhores condições no atendimento e melhoria dos processos produtivos.
3 – Qual seu papel como Conselheiro no CNJ?
Conforme art. 103-B da CF/88, o CNJ é uma instituição pública que visa aperfeiçoar o trabalho do Judiciário brasileiro, especialmente quanto ao controle e à transparência administrativa, funcional e processual. Criado pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004 e instalado em 14 de junho de 2005, trata-se de um órgão do próprio Judiciário com sede em Brasília (DF) e atuação em todo o território nacional.
No contexto, os membros do CNJ, denominados Conselheiros, participam no desenvolvimento de políticas judiciárias orientadas para os valores de justiça, eficiência e paz social, uma vez que integram órgão de planejamento estratégico, governança e gestão judiciária, com o escopo precípuo de impulsionar a efetividade da Justiça.
Entre as atribuições dos integrantes do CNJ estão o processamento e julgamento de procedimentos disciplinares (Revisão Disciplinar, PAD etc.) instaurados contra membros do Judiciário, assegurada, sempre, ampla defesa e contraditório. Ao cabo do processo, poderá o plenário do Conselho determinar a remoção, a disponibilidade, a aposentadoria com proventos proporcionais ao tempo de serviço do processado, além de outras sanções administrativas mais brandas, como advertência e censura, conforme previsto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LOMAN).
Contudo, o Conselho não possui competência para investigar judicialmente (esferas cível e criminal) os membros da magistratura brasileira. No caso de desembargadores (juízes que estão no 2º Grau de Jurisdição), cabe ao STJ o julgamento de crimes comuns por eles praticados. Nesses casos, um ministro do STJ preside o inquérito, conduzido pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal. Ao final das investigações, um subprocurador-geral da República apresenta denúncia, se entender existir indícios de crime. A denúncia é analisada na Corte Especial do STJ. Se recebida, tem início a ação penal. Ao final do processo, a ação é julgada, podendo resultar em condenação (podendo ensejar a perda do cargo e até mesmo a prisão) ou absolvição do desembargador.
Voltando às tarefas inerentes ao cargo de Conselheiro do CNJ, promover a transparência e o controle do Judiciário são funções típicas, sem descurar da parcela de autonomia de que gozam os tribunais.
Para tanto, o plenário do Conselho pode expedir atos normativos e recomendações, com vista ao cumprimento do planejamento estratégico, os planos de metas e os programas de avaliação institucional do Poder Judiciário, evidenciando a modernização e a celeridade dos serviços dos órgãos do Judiciário.
Vale dizer que aas políticas judiciárias do CNJ são embasadas em relatórios estatísticos sobre movimentação de acervo processual e outros indicadores pertinentes à atividade jurisdicional em todo o País.
Na processualística do CNJ, cabe aos seus integrantes receber, instruir e julgar processos autuados contra membros ou órgãos do Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, serventias e órgãos prestadores de serviços notariais e de registro, promovendo ajustes em atos que extrapolem os limites da autonomia judiciária, quando irregulares.
4 – O que é o “Juízo 100% Digital” que está sendo divulgado pelo CNJ?
A pandemia ocasionada pelo coronavírus testou a capacidade de resiliência institucional do Poder Judiciário como nunca na história contemporânea. Com velocidade e senso de adaptação, conseguimos prestar jurisdição, ininterruptamente, por meio da utilização da tecnologia. (Ex. O Tribunal de Justiça de São Paulo produziu, até novembro de 2020, mais de 15,4 milhões de atos processuais, com o registro de 4 milhões de acessos remotos).
Assim, temos sido, simultaneamente, espectadores e protagonistas de uma das maiores transformações da história da humanidade: o sepultamento da era analógica e a emergência da era digital, em que o big data (expressivo número de dados gerados na internet) se torna a fonte principal de produção de dados públicos.
É nesse contexto que surge o denominado “juízo 100% digital”, em que todos os atos processuais sejam realizados de forma eletrônica e remota, com juízes acessíveis a todos os jurisdicionados, sem a necessidade, no futuro, de uma estrutura física para o seu suporte.
No que se refere especificamente aos termos da Resolução 345, deve-se salientar o seu caráter facultativo, porquanto a parte autora poderá, até o momento da distribuição da ação, optar pelo ajuizamento de ações em “Juízo 100% Digital”, observadas as diretrizes da Resolução e os atos normativos de organização judiciária local.
Previsões relevantes da Res. 345, com destaques:
Art. 2º As unidades jurisdicionais de que tratam este ato normativo não terão a sua competência alterada em razão da adoção do “Juízo 100% Digital”.
Parágrafo único. No ato do ajuizamento do feito, a parte e seu advogado deverão fornecer endereço eletrônico e linha telefônica móvel celular, sendo admitida a citação, a notificação e a intimação por qualquer meio eletrônico, nos termos dos arts. 193 e 246, V, do Código de Processo Civil.
Art. 3º A escolha pelo “Juízo 100% Digital” é facultativa e será exercida pela parte demandante no momento da distribuição da ação, podendo a parte demandada opor-se a essa opção até o momento da contestação.
- 1º Após a contestação e até a prolação da sentença,as partes poderão retratar-se, por uma única vez, da escolha pelo “Juízo 100% Digital”.
- 2º Em hipótese alguma, a retração poderá ensejar a mudança do juízo natural do feito, devendo o “Juízo 100% Digital” abranger todas as unidades jurisdicionais de uma mesma competência territorial e material.
Art. 4º Os tribunais fornecerão a infraestrutura de informática e telecomunicação necessárias ao funcionamento das unidades jurisdicionais incluídas no “Juízo 100% Digital” e regulamentarão os critérios de utilização desses equipamentos e instalações.
Parágrafo único. O “Juízo 100% Digital” deverá prestar atendimento remoto durante o horário de expediente forense por telefone, por e-mail, por vídeo chamadas, por aplicativos digitais ou por outros meios de comunicação que venham a ser definidos pelo tribunal.
Art. 5º As audiências e sessões no “Juízo 100% Digital” ocorrerão exclusivamente por videoconferência.
Parágrafo único. As partes poderão requerer ao juízo a participação na audiência por videoconferência em sala disponibilizada pelo Poder Judiciário.
Art. 6º O atendimento exclusivo de advogados pelos magistrados e servidores lotados no “Juízo 100% Digital” ocorrerá durante o horário fixado para o atendimento ao público de forma eletrônica, nos termos do parágrafo único do artigo 4º, observando-se a ordem de solicitação, os casos urgentes e as preferências legais.
- 1º A demonstração de interesse do advogado de ser atendido pelo magistrado será devidamente registrada, com dia e hora, por meio eletrônico indicado pelo tribunal.
- 2º Aresposta sobre o atendimento deverá ocorrer no prazo de até 48 horas, ressalvadas as situações de urgência.
Art. 7º Os tribunais deverão acompanhar os resultados do “Juízo 100% Digital” mediante indicadores de produtividade e celeridade informados pelo Conselho Nacional de Justiça.
Art. 8º Os tribunais que implementarem o “Juízo 100% Digital” deverão, no prazo de trinta dias, comunicar ao Conselho Nacional de Justiça, enviando o detalhamento da implantação.
Parágrafo único. O “Juízo 100% Digital” será avaliado após um ano de sua implementação, podendo o tribunal optar pela manutenção, pela descontinuidade ou por sua ampliação, comunicando a sua deliberação ao Conselho Nacional de Justiça.
5 – Quais vantagens e/ou desvantagens você considera com a adoção do Juízo 100% Digital?
Trata-se de projeto estratégico, destinado a conferir mais celeridade à tramitação de processos judiciais, bem como a ampliar o acesso à Justiça, com vistas a melhor atender aos anseios do cidadão pela prestação da Justiça.
Nesse aspecto, são inegáveis os avanços com o novo método, notadamente porque a tecnologia é importante ferramenta para melhorar os processos de trabalho do Judiciário.
No caso, o Processo 100% Digital permite ao cidadão valer-se da tecnologia para ter acesso à Justiça sem precisar comparecer fisicamente nos Fóruns, cujos atos processuais serão praticados exclusivamente por meio eletrônico e remoto, pela Internet.
A Resolução n° 345, de 9 de outubro de 2020 é normativa que AUTORIZA a implementação do “Juízo 100% Digital”, mas não OBRIGA, o que nos parece extremamente salutar, diante dos ainda desconhecidos efeitos colaterais que poderão sobrevir, valendo lembrar que ao longo do ano de 2020, restamos vencidos em julgados do CNJ que aludiam à possibilidade de que o juiz, mesmo diante da discordância de uma ou ambas as partes ou advogados, realizasse atos processuais em meio virtual, como audiências, por exemplo.
Naquelas oportunidades, registramos nosso entendimento sobre a violação ao artigo 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal. Entendíamos, pois, ser imprescindível a anuência das partes e advogados para a realização das audiências virtuais, assegurando-se, ainda, a não aplicação de penalidades processuais às partes em caso de não comparecimento no dia e hora designados para audiência virtual ou de interrupção de acesso, em razão de problemas técnicos.
Em respeito à reiterada jurisprudência do CNJ, curvamo-nos ao entendimento dos demais membros, atendendo, ainda, ao Princípio da Colegialidade – que rege os órgãos plurais – não mais ofertamos, nos casos, divergência que, certamente, seria inócua.
Observação feita sobre audiências virtuais realizadas no período pandêmico, voltemos a vantagens e desvantagens do “Juízo 100% Digital”. Nas últimas décadas, o Poder Judiciário tem refletido sobre sua natureza e sobre os resultados que são ofertados à sociedade. Portanto, governança, eficiência, inovação tecnológica e transparência são vetores estratégicos que impulsionam a diversificação no modo de se pensar e de se fazer a Justiça no Brasil.
Dentre os cinco eixos de atuação da nova gestão do CNJ, está o incentivo ao acesso à justiça digital (alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas). A ideia é no sentido de que inovações tecnológicas permitirão “transformação revolucionária da prestação jurisdicional, sem olvidar a coexistência com o trabalho humano”, conforme assinalou o Min. Fux em seu voto de apresentação da Resolução em comento.
Decerto, em tempos de restrições orçamentárias, soluções criativas – de baixo custo – com potencial e positivo impacto precisam ser estimuladas. Com a pandemia que ainda nos assola, testou-se, de fato, a capacidade de resiliência do Poder Judiciário, direcionando-o à justiça digital de acesso amplo, irrestrito e em tempo real a todas as pessoas que dela necessitarem.
Lembramos, por fim, que o Código de Processo Civil privilegiou a utilização dos meios eletrônicos para a prática dos atos processuais que serão produzidos, comunicados, armazenados e validados por meio eletrônico (art. 193), com vistas à celeridade e eficiência na prestação jurisdicional.