O Ministério Público Federal (MPF) no Pará investiga uma cooperativa criada em 2019 com a ajuda do ex-deputado federal e cantor Sérgio Reis e que tem entre os seus principais objetivos viabilizar a exploração mineral na Terra Indígena Kaiapó, no Pará. A apuração tramita em sigilo. Em março deste ano, indígenas divulgaram um manifesto contra a atuação da cooperativa na região alegando que ela não se encaixa no “contexto do modo como a comunidade sobrevive”. Ao GLOBO, Sérgio Reis admitiu ter ajudado a criar a entidade, mas nega ter vínculo com ela atualmente.
A Cooperativa Kaiapó foi criada em fevereiro de 2019 no município de Tucumã, no Sul do Pará. De acordo com a Confederação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), os responsáveis pela cooperativa são os empresários João Gesse e Sérgio Reis. Segundo O GLOBO apurou, ainda não há informações sobre a participação de Sérgio Reis no inquérito do MPF.
Em uma carta assinada por lideranças da região, caciques rechaçaram a atuação da cooperativa. “Cada aldeia já tem sua própria instituição ou associação e não precisamos que brancos falem por nós”, diz um trecho da carta. Segundo dados da Receita Federal, além da mineração em terras indígenas, a cooperativa tem entre seus objetos a exploração de recursos florestais, hídricos e comercialização de créditos de carbono. Ainda de acordo com a Receita, o atual presidente e o diretor da entidade são indígenas.
Por telefone, Sérgio Reis admitiu ter participado da criação da entidade.
— O (João) Gesse (empresário do ramo madeireiro) me contou que eles (indígenas) sofriam muito porque não tinham dinheiro, eram muito pobres. Aí eu comecei a ir lá, a visitar. Levei até minha esposa, que ficou uma semana na tribo. Ela ficou assustada e ficou com dó. Foi aí que resolvemos criar essa cooperativa — disse Sérgio Reis ao GLOBO por telefone.
A investigação do MPF sobre a entidade está tramitando desde 2019 na esfera cível. Os procuradores que cuidam do caso querem saber quais são os produtos atualmente explorados pela entidade, se há indígenas no conselho de administração dela, se a Fundação Nacional do Índio (Funai) ou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) participaram da sua fundação e se houve consulta prévia aos indígenas sobre a sua criação conforme prevê a convenção nº 163 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário.
A criação da cooperativa aconteceu em meio ao avanço dos garimpos ilegais em terras indígenas em estados como o Pará e Roraima. Garimpeiros e uma pequena parcela dos índios defendem a regulamentação da atividade em terras indígenas. A bandeira é defendida pelo presidente Jair Bolsonaro, que enviou um projeto de lei sobre o assunto ao Congresso Nacional. O projeto, porém, ainda não foi votado.
Sérgio Reis disse que participou de uma reunião com indígenas e o presidente com o objetivo de oficializar a mineração nessas áreas.
— Eu fiz a reunião com eles (indígenas). Fui pra Brasília com os caciques para que o Bolsonaro oficialize o garimpo. O governo não vê um tostão do ouro que sai de lá. Sai toneladas. Então, com a cooperativa, o índio tira, pode ser garimpeiro, faz o que tem que fazer, ganha seu dinheiro e o governo recebe a sua parte. É uma coisa bem legal. E os índios aceitaram. […] E nessa semana eu fui a brasília e o Bolsonaro recebeu todos eles lá — afirmou o cantor.
Sérgio Reis disse que a criação da cooperativa teria sido elogiada pelo presidente.
— Ele falou: “Excelente trabalho. Vamos cuidar disso com carinho. O índio não merece viver assim. Eles vivem em cima de milhões” — disse Sérgio Reis.
Apesar de ter admitido sua participação na criação da cooperativa, Sérgio Reis afirma que não tem vinculação com ela atualmente e que não se beneficiará de qualquer atividade exercida por ela.
— (A cooperativa) é dos índios. Eu não tenho nada. Não ganho nada. Não quero nada […] Não tenho terra nenhuma (nas imediações). Não mexo mais com agricultura. Eu só canto e olhe lá, porque de vez em quando eu desafino — afirmou.
Sérgio Reis disse não ter conhecimento da investigação do MPF sobre a cooperativa.
— Eu não tenho conexão lá. Eu não sei como está. Nós só demos a ideia. O que eles vão fazer lá é problema deles, não é meu.
A reportagem do GLOBO procurou o empresário João Gesse, apontado pelos indígenas como um dos responsáveis pela cooperativa. Por telefone, ele admitiu que ajudou a criar a entidade, mas diz que ela é controlada pelos indígenas da região e diz não ter ligação com ela.
— Os índios criaram o estatuto. Eu não tenho ligação com a cooperativa. Ela é 100% indígena. Nós apenas ajudamos a criar — disse.