Vendas de discos de vinil dispararam; mas essa volta é real ou modinha?

Que o ressurgimento do vinil e da mídia física musical existe você já sabe ou deveria saber. Esta coluna, por exemplo, nem sequer existiria se esse processo não estivesse em curso desde a última década.

Mas até que ponto tal volta é uma realidade concreta e não uma marolinha?

Afinal, entramos no apogeu digital, com o domínio do streaming e de uma cultura de massa que não dá indícios de arrefecimento —até a eclosão da revolta das máquinas prevista em “O Exterminador do Futuro”, pelo menos.

Antes de responder à pergunta acima, precisamos passar por sete números. Sete indicadores de que estamos testemunhando uma silenciosa revolução.

1.

O novo disco da apontadora de tendências Billie Eilish, “Happier Than Ever”, lançado no último dia 30 de julho, vendeu 129 mil cópias físicas nos EUA em sua primeira semana. 73 mil discos de vinil (duplos), 46 mil CDs e quase 10 mil fitas cassete (!).

E o que mais impressiona: a soma —números de pré-venda inclusos— representou a maioria nas vendas totais que colocaram a californiana no número 1 da parada de álbuns da Billboard. 54% vendas físicas contra 46% digitais.

2.

Ainda falando de Estados Unidos, maior consumidor do planeta, o vinil por lá cresceu pelo 15º ano consecutivo, atingindo 27,5 milhões de cópias comercializadas em 2020, segundo a MRC Data (antiga Nielsen SoundScan).

Parece pouco diante de outras décadas, quando um só grande artista conseguia arrebatar tudo isso em cinco anos? Certamente. Mas perceba a curva: a alta em relação a 2019 foi de significativos 46%. Comparando com 2006, pouco antes do boom do vinil, temos crescimento de 3.000%.

3.

E a maré continua a subir na América do Norte. A procura por LPs mais que dobrou nos primeiros seis meses de 2021, em relação ao mesmo período do ano passado —metade dele sem pandemia. O aumento foi de surreais 108%, ou 19,2 milhões de discos vendidos.

Difícil encontrar segmento mais próspero. Mesmo com sérias restrições de circulação e economia estagnada, o norte-americano (e não só ele, diga-se) está comprando cada vez mais discos.

4.

Só para mensurar melhor, a marca de 19,2 milhões já é maior que a de CDs vendidos, que chegaram à casa de 18,9 milhões. Não por acidente, em 2020 o vinil superou seu sucessor pela primeira vez nos EUA desde 1986.

5.

Isso significa que o consumo do formato cresceu dez vezes mais que o de streaming (Spotify, Apple Music, YouTube etc), que saltou 10,8% no período. Obviamente, o faturamento do segmento digital é muito maior, mas trata-se de uma expansão monumental.

6.

Quer mais dado? E se eu te disser que os LPs foram responsáveis por simplesmente 27% das vendas de álbuns completos nos Estados Unidos em 2020, de acordo com a MRC?

Mas aqui é preciso ressalvar: essa fatia despenca para 3,6% quando computados streamings individuais de músicas e downloads de faixas individuais.

7.

E no Brasil, você deve estar se perguntando? Aqui embaixo, como diria o glorioso Biquini Cavadão, as leis são diferentes. Nosso mercado é baseado em discos usados, não temos um levantamento oficial de vendas e contamos com apenas duas fábricas de LPs como porte industrial.

Assim assim, segundo lojistas de São Paulo, a demanda durante a pandemia apresenta forte viés de alta, de 20% a 30%. Novas lojas estão pipocando em grandes cidades a todo momento. Nunca se vendeu tanto vinil na internet brasileira.

 

Mas o que isso tudo quer dizer?

Primeiro: não, não é uma modinha. Os discos realmente voltaram e não param de crescer. Voltou a ser um produto rentável para artistas e gravadoras, que está movimento milhões de dólares no mundo com lançamentos e relançamentos.

Segundo: o LP não crescerá a ponto de destronar as plataformas de streaming, se é isso que você está pensando. Em breve, esse movimento que atende basicamente a nichos baterá em um teto.

Mas não deixa de ser interessante testemunhar o brilhante renascimento de uma tecnologia centenária que voltou a conquistar espaço após praticamente ser dada como morta.

Como já datilografei nesta coluna, a origem desse resgate é sociológica. Vai além da nostalgia e deriva de uma gama de fatores. E um deles é justamente o fator digital dos hábitos modernos.

Em tempos de demandas, multitarefas e playlists como trilhas incidentais da vida de home office, há quem encontre no suporte físico e sua materialidade um antídoto contra o stress e a superficialidade cotidianos.

Eu sou um deles. E espero que você, por ter chegado até o fim deste texto, também seja (ou um dia venha a ser).

De resto, vida longa e próspera ao “deep listening” e à música como terapia e experiência, independentemente da tecnologia envolvida.

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