“Não saio mais de casa, só durmo à base de remédios. Não consigo comer direito, minha vida está um caos.” O relato é da vítima de uma mulher que diz ter sofrido estupro dentro de uma delegacia, na sala dedicada ao atendimento de mulheres vítimas de violência de gênero, em Sidrolândia (MS), por um investigador da Polícia Civil, Elbesom de Oliveira, que é réu no caso.
A mulher de 28 anos, que não é de Mato Grosso do Sul, chegou ao estado por Ponta Porã (MS). Foi até à cidade de fronteira para viajar com um rapaz até São Paulo. No dia da viagem, a van em que eles estavam foi abordada em Sidrolândia. O homem viajava com uma quantia de droga na mochila. Com o flagrante, o casal foi levado até a delegacia e, no mesmo dia à noite, ela conta ter sido estuprada pela primeira vez pelo investigador.
“Ele já abusou de mim desde a primeira vez que cheguei. Cheguei de manhã, e à noite era o plantão dele. No primeiro dia, eu já fui estuprada. Na primeira noite, fui levada até a Sala Lilás [espaço da unidade policial dedicado ao atendimento de mulheres vítimas de violência de gênero]. Toda vez que tinha plantão dele, ele fazia questão de ir na cela”, conta.
Com exclusividade, o g1 conversou com a mulher que falou sobre os abusos e traumas com os quais convive diariamente desde então. Por segurança, a identidade da vítima será preservada. Assista a um trecho da entrevista acima.
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O policial está preso na capital na 3ª DP. O g1 entrou em contato com a defesa de Elbesom, que não se manifestou sobre o caso.
A vítima comentou que, no primeiro dia, para que saísse da cela, o investigador alegou que uma prima estava em ligação. “Quando saí da cela, ele começou a me ameaçar. Disse para eu não falar para ninguém, que eu não era daqui e que, se eu fizesse alguma coisa, ninguém ia sentir a minha falta”.
Após ser violentada, a vítima foi levada para a cela e conta que passou a noite em claro e aos prantos. Como o investigador apenas cobria plantões em Sidrolândia, a ida à delegacia era feita de dois em dois dias.
“Eu me senti a pessoa mais desprotegida do mundo. A pessoa já está em um canto onde tem que ser protegido, e isso acontece com você?”
A vítima relata que assim que Elbesom chegava na delegacia, o sentimento de medo e desespero a tomava conta. Conforme relatado pela mulher, o investigador ia até a cela onde ela estava, a chamava na grade e começava a alisá-la e a ameaçava constantemente.
“Todo plantão que ele tinha, ele ia na cela, ficava me abusando e me tocando. Depois que chegou uma menina na cela, ele não pode fazer isso ali. Foi então que ele me tirou da cela novamente, dizendo que um advogado estava me chamando.”
O crime foi denunciado por outros presos, que pediram para falar com uma delegada após saberem da série de abusos sexuais. Para ela, os detentos disseram ter escutado a vítima chorando na noite anterior, ocasião em que ela revelou ter sido abusada sexualmente pelo investigador.
Elbesom foi denunciado pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS) pelos crimes de estupro, importunação sexual e violência psicológica contra a vítima. A denúncia foi recebida pela Justiça do MPMS, que o tornou réu no caso.
Traumas
Após o crime sexual, a mulher teve a prisão por tráfico de drogas revogada e voltou para cidade onde mora com a mãe e filhos. Na época, a decisão foi tomada pela Justiça de Sidrolândia para “resguardar a integridade física e psicológica” da vítima.
Durante todo o período quem permaneceu em Mato Grosso do Sul, a vítima relata ter perdido cerca de 6kg. Além da perda do peso, os traumas são sentidos na pele: ela só consegue dormir após tomar uma série de remédios pesados e acompanhada de alguém da família.
“Não saio mais de casa, só durmo à base de remédios. Não estou comendo direito, minha vida está um caos. Quando eu fecho os olhos, não consigo esquecer o que passei. Ele acabou com minha vida. Eu tenho vergonha e medo de sair de casa e pensar sobre o que as pessoas vão pensar sobre mim.”
Os abusos, sexual e psicológico, provocaram inúmeras sequelas na vítima, como ela relata. O medo se tornou inconsciente.
“Me causa muito medo. Eu tenho medo do que ele possa fazer comigo. Ele falava a todo instante que se eu abrisse minha boca, ele ia me matar. Ele disse que ia até no inferno, onde eu estivesse. O que passei não foi brincadeira. Só eu e Deus sabe o que passei.”
Sem apoio psicológico
A vítima afirma não ter passado por nenhum atendimento psicológico. O g1 procurou a Polícia Civil de Mato Grosso do Sul para saber se o serviço foi oferecido à vítima, mas até a última atualização desta reportagem, nenhuma resposta foi enviada.
Sem ajuda profissional, a mulher se ampara no ombro de familiares e dos filhos. “Minha família está me apoiando. Estou tentando me reerguer, é muito complicado. Não tem como a cabeça da pessoa ficar boa. Parece que minha cabeça não funciona mais.”
“Estou tentando me reestruturar agora. Eu não comia, não bebia, só ficava com medo, o tempo todo. Ficava com medo dele fazer algum de mal comigo. No dia que os meninos denunciaram, eu passei a noite em claro, só chorando e pedindo a Deus por misericórdia. Eu não sabia o que ia acontecer.”
“Se não fosse minha mãe e meus irmãos, não sei o que seria de mim. Só eles para me ajudarem nesta hora. Não consigo dormir só, se eu ficar muito tempo sozinha, fico pensando que vai ter alguém querendo fazer alguma coisa comigo. Só de eu estar perto da minha mãe e filhos já é tudo. Não consigo ficar mais só.”
Entenda o caso
Um investigador da Polícia Civil foi preso em flagrante, do dia 12 de abril, suspeito de estuprar uma detenta, de 28 anos, na delegacia de Sidrolândia (MS). Conforme a denúncia, o crime veio à tona após o policial tentar “comprar” o silêncio de outros presos.
Segundo a denúncia dos outros detentos, um dia antes da prisão, o policial retirou a vítima da cela em que estava e a levou para a Sala Lilás, espaço da unidade policial dedicado ao atendimento de mulheres vítimas de violência de gênero. Lá, segundo os relatos, a detenta foi estuprada.
Conforme o boletim de ocorrência, os detentos, que haviam tido o silêncio “comprado” com um celular, solicitaram a presença de uma delegada da cidade. O grupo afirmava estar com um celular, o que chegou a ser questionado por policiais, mas só foi esclarecido após a chegada da delegada. Para ela, os detentos disseram ter escutado a vítima chorando na noite anterior, ocasião em que ela revelou ter sido abusada sexualmente pelo investigador.
Após ouvirem o relato dos detentos, a delegada realizou atendimento especializado com a vítima. A detenta relatou que o suspeito foi até a cela dizendo que o advogado dela estava na delegacia e desejava conversar. Foi neste momento que, conforme a presa, ela foi retirada da carceragem.
Com os depoimentos, a delegada buscou imagens das câmeras de segurança da delegacia, que confirmaram que o servidor havia retirado a mulher da cela. Uma detenta que dividia cela com a vítima também confirmou que a companheira foi retirada pelo investigador.
A denúncia foi colhida pela juíza da Vara Criminal, em Sidrolândia, Silvia Eliane Tedardi da Silva, no fim de abril deste ano. Nesta terça-feira o juiz da 7ª Vara Criminal, em Campo Grande, Marcelo Ivo de Oliveira, determinou que defesa do réu se posicione.