21 de abril de 2024

Advogados cooptados pelo PCC têm registro ativo na OAB

Responsáveis por garantir a defesa aos acusados de crimes, os advogados criminalistas têm papel indispensável no resguardo do funcionamento de um estado democrático. Por esta razão, a legislação lhes confere prerrogativas que asseguram o pleno exercício da defesa dos clientes.

Essa relação advogado-cliente pode abrir margem para distorções. A mais perigosa delas é quando alguns desses profissionais são recrutados por organizações criminosas para integrar a célula jurídica da cúpula. Na maior facção do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC), o “departamento” de apoio jurídico aos faccionados é chamado de “Sintonia das Gravatas”.

Dos 54 criminosos denunciados pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP) na Operação Ethos, em 2015, por integrar organização criminosa, 39 são advogados. Levantamento feito pelo Correio mostra que, desse total, 35 advogados paulistas continuam com o registro ativo na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP) até junho deste ano, e podem exercer a profissão sem restrições.

A referida denúncia do MPSP de 2015 trata de uma carta encontrada sobre os telhados da Penitenciária Maurício Henrique Guimarães, em Presidente Venceslau (SP).

No manuscrito, constava a informação de que dois advogados integrantes do PCC estariam cooptando o então vice-diretor do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe) da época, condenado por receber dinheiro da facção em troca da implantação de acusações falsas de violação dos direitos humanos.

As investigações da época tomaram uma dimensão maior após a polícia descobrir um grande esquema de pagamentos de propinas a agentes públicos do estado, a partir da célula jurídica da facção composta à época por mais de 40 advogados.

“A partir dessa célula, os advogados integrantes prestam serviços aos líderes da organização criminosa, como assistência aos familiares dos presos, em auxílio funerário ou em contribuições financeiras para imprevistos, realizando um adiantamento ao familiar ou ao afiliado da organização, que, posteriormente, lhe será reembolsado”, diz trecho da denúncia.

Os membros do PCC raramente contam com o apoio jurídico dos advogados recrutados para o crime. A função da defesa geralmente é encarregada a outros profissionais da área. Dessa forma, os “gravatas” constituem-se numa associação criminosa que, sob o manto constitucional do sigilo das informações dos clientes, passam a praticar os crimes ordenados pela facção.

Condenações

Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, chefe do PCC, foi sentenciado pela Justiça de São Paulo a pena de 30 de anos de reclusão por integrar e liderar organização criminosa e pela prática do crime de corrupção ativa.

Ficou claro para a Justiça que Marcola tinha total liderança na célula jurídica da facção. Em um dos e-mails enviados por uma advogada com recado destinado ao chefe, ela pergunta se o criminoso precisa de algum medicamento e o informa sobre a aplicação até de botox.

“Percebo que o réu é dado tratamento diferenciado dos demais presos, até mesmo daqueles que compõem o Conselho Deliberativo, eis que é a própria advogada que o questiona sobre a necessidade de tratamento médico, sem a necessidade de prévia requisição, como se viu aos demais custodiados”, aponta o juiz Gabriel Medeiros, em sentença assinada em 21 de fevereiro de 2018.

No mesmo processo, 39 advogados foram denunciados e alguns condenados. No entanto, a maioria dos processos ainda seguem em andamento na Justiça, com direito a recursos pela defesa. Ainda como resultado da Operação Ethos, em outubro de 2017 seis advogadas foram condenadas a penas que variam de 8 a 17 anos de reclusão em regime fechado.

Dessas, cinco estão com registro ativo na OAB-SP e uma inativa. No mesmo ano, em novembro, outros sete “gravatas” foram condenados pela Justiça, todos a pena privativa de liberdade no regime fechado. Seis deles estão ativos.

A reportagem questionou a ouvidoria-geral do Conselho Federal da OAB em busca de dados sobre o Cadastro Nacional de Sanções Disciplinares (CNSD) mantido pelo órgão. No entanto, a resposta foi de que a competência para tratar do assunto é das OABs regionais.

O Correio também entrou em contato com a seccional de São Paulo da OAB para ter acesso a dados estatísticos, não sigilosos, de advogados expulsos e ou que sofreram qualquer penalidade por envolvimento em organização criminosa. Foram tentadas duas formas de contato: o Tribunal de Ética e Disciplina (TED) e a Presidência do TED. A OAB-SP não respondeu.

Gravatas no DF

Em janeiro de 2020, a Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF) desencadeou a operação Guardiã 61, que desarticulou uma célula do PCC composta por, pelo menos, 30 integrantes do DF. Entre os alvos, estavam advogados da capital, que integravam a organização criminosa. As investigações mostraram, ainda, a participação de presidiários e criminosos egressos do sistema prisional. O grupo era responsável pelo tráfico de drogas e armas, roubos e ameaças a autoridades.

Denunciada pelo Ministério Público do DF (MPDFT), uma advogada de Brasília foi condenada a quatro anos, em regime aberto, por integrar organização criminosa. Segundo consta na denúncia, a advogada chegou a intermediar o transporte de familiares de faccionados do PCC de outros estados do país e até alugar “casas de apoio” de alto valor para os parentes dos criminosos, com o dinheiro da cúpula.

“A denunciada, malversando prerrogativas funcionais, promoveu interlocução ilícita entre integrantes presos da facção criminosa e o exterior de unidades penitenciárias distritais, difundindo recados de faccionados presos no DF e entorno para lideranças do PCC, o que permitiu que a horda delituosa mantivesse sua malha comunicativa e tomasse conhecimento de situações ocorridas no sistema prisional, podendo, então, tomar decisões informadas e adotar posturas reativas”, revela trecho da denúncia. Mesmo condenada, a advogada mantém situação regular na OAB-DF e na OAB-AM. No DF, 22 advogados foram expulsos desde 2008. No entanto, a motivação não é esclarecida.

Quem é Marcola?

Nascido em 25 de janeiro de 1968 em Osasco, no interior de São Paulo, Marcos Willians Herbas Camacho, 54 anos, perdeu os pais, o boliviano Alejandro Juvenal Herbas Camacho e a auxiliar de contabilidade Rosita Serafim de Oliveira, aos 9 anos. Marcola é casado há 13 anos com Cynthia Giglioli Camacho, com quem tem três filhos.

Condenado a mais de 300 anos de prisão, ingressou na vida do crime ainda adolescente, quando roubava carteiras e aparelhos de rádio pelas ruas de São Paulo. Mas a primeira prisão veio dias depois de completar 18 anos, em 31 de janeiro de 1986, quando foi acusado de roubar uma empresa de segurança privada.

Foi em 1999 que Marcola teve a captura final e segue preso ininterruptamente. Nesse período, ele esteve em mais de 35 cadeias de vários estados ao longo da vida carcerária e esteve no DF, pela primeira vez, em 2001. Apesar das muitas transferências, Marcola passou os últimos 23 anos atrás das grades, o que representa 42% da vida do narcotraficante paulista. A última vez que sentiu o gosto da liberdade foi na Páscoa de 1997, quando foi beneficiado por uma saída temporária. Nunca mais voltou a ser liberado.

Marcola é apontado como peça-chave do surgimento do PCC, em 1993. Em um inquérito policial de 2019, da Polícia Civil do Estado de São Paulo (PCSP), consta que, inicialmente, os objetivos da criação da facção eram o controle do sistema prisional de SP e, ainda, o efetivo monopólio do crime no estado. Atualmente, o chefe da facção encontra-se preso na Penitenciária Federal de Porto Velho — que abriga 123 detentos de alta periculosidade. Ele deixou o DF, em março deste ano.

O que diz o estatuto?

O Estatuto da Advocacia, registrado em lei, define que um advogado poderá ser excluído da Ordem de “tornar-se moralmente inidôneo para o exercício da advocacia” ou se “praticar crime infamante”.

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