Neste 18 de outubro, quando se celebra nacionalmente o Dia do Médico, há quem pense que se trata de uma data relacionada a Hipócrates, considerado o pai da medicina. Mas não é uma homenagem ao grego.
Nascido na Grécia em 460 a.C. e que viveu até 370 a.C., Hipócrates é considerado o pai da Medicina por suas explicações míticas quanto aos problemas de saúde e de como curar doenças, já que sua preocupação estava centrada no organismo humano e sua forma de funcionamento. A homenagem neste dia, no entanto, é a um santo.
Consta na história que a celebração neste dia está relacionada à tradição cristã. É que em 18 de outubro se celebra o Dia de São Lucas, um dos quatro evangelistas do Novo Testamento, que, segundo a tradição da Igreja, também era médico e, por isso, São Lucas é considerado o padroeiro dos médicos.
Seja quem for o homenageado, o que se sabe é que 18 de outubro é uma data especial para celebrar aqueles homens e mulheres que dedicam suas vidas ao cuidado de outros, que desempenham papel fundamental na sociedade, zelando pela saúde e pelo bem-estar da população, em qualquer lugar do mundo.
Afinal, a medicina é uma profissão que exige dedicação, conhecimento científico e, acima de tudo, um profundo senso de humanidade. Os médicos são responsáveis por diagnosticar doenças, prescrever tratamentos, realizar procedimentos cirúrgicos e oferecer acompanhamento aos pacientes em todas as fases de suas vidas. Quando dedicados e comprometidos, podem ser comparados, sem favor algum, a anjos na terra.
No Acre, são 860 médicos e 682 médicas. A média de idade desses profissionais é de 43 anos, enquanto a média do tempo de formado chega a 14,69 anos. Na distribuição pelo território, verifica-se 1.164 médicos atuando na capital, Rio Branco, ou seja, 75% do total, e 378 no interior. A maioria dos médicos não tem Registro de Qualificação de Especialidade Médica (RQE): 942. Outros 600 são especialistas (têm RQE).
Com mais médicos, Rio Branco se destaca com uma média de densidade médica quatro vezes superior à registrada no interior do estado. Na capital, são 3,13 médicos para cada mil habitantes. Já no interior, é 0,80 por mil habitantes.
A Demografia Médica 2024 do Conselho Federal de Medicina (CFM) revela que, nunca antes na história, o País contou com tantos médicos como atualmente. O levantamento mostra que o Brasil tem hoje 575.930 médicos ativos, uma das maiores quantidades do mundo. O número resulta em uma proporção de aproximadamente 2,81 registros de médicos por mil habitantes, a maior já registrada pelo País.
Desde o início da década de 1990, a quantidade de médicos mais que quadriplicou, passando de 131.278 para a atual, registrada em janeiro de 2024. Este crescimento, impulsionado por fatores como a expansão do ensino médico e a crescente demanda por serviços de saúde, representa um aumento absoluto de 444.652 médicos e de 339%, em termos percentuais.
Comparando os crescimentos da população em geral e a população médica, é possível ver que o número de médicos aumentou oito vezes mais do que o da população em geral durante esse período. Em termos absolutos, a população brasileira expandiu-se de 144 milhões em 1990 para 205 milhões em 2023, conforme dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
No entanto, a profissão médica enfrenta diversos desafios, como a crescente demanda por atendimento, a complexidade das doenças, a necessidade de atualização constante e a pressão emocional de lidar com a vida e a morte. Além disso, os médicos também enfrentam dificuldades relacionadas à burocracia, à falta de recursos e à violência cada vez mais crescente, seja por problemas do cotidiano ou em guerras declaradas, como as registradas no momento em várias partes do mundo, cujas vítimas, as que sobrevivem, acabam tendo que ser cuidadas por mãos médicas, muitas vezes tão aflitas quanto quem está em meio aos bombardeios.
Em meio a tantos desafios, surge mais um: a chamada era tecnológica, com modernidades como consultas online em tempos de Inteligência Artificial (IA) e até a realização de cirurgias feitas por robôs. Mesmo assim, quem está no meio, profissionais antigos e os que estão chegando ao mercado, diz que o futuro da medicina é promissor.
Célia Rocha: uma sobrevivente que já derramou sangue, literalmente, pela medicina no Acre
Profissionais antigos como a pneumologista Célia Rocha, nascida em João Pessoa e formada na turma de 1977 da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), vieram à Amazônia como turistas para conhecer a famosa maior floresta tropical do mundo. De repente, viu-se no Acre. Bebeu das águas barrentas do rio Acre e, em outubro de 1980, abriria uma clínica em Rio Branco.
Os pacientes acreanos ganhariam uma profissional com residência feita na Policlínica Geral do Rio de Janeiro e pós-graduação na PUC do Rio de Janeiro. Ela é uma das sobreviventes do fatídico voo da Rico Linhas Aéreas, cujo avião caiu prestes a pousar no aeroporto de Rio Branco, em 30 de agosto de 2002, após 44 cirurgias em três meses numa UTI em São Paulo. Ela retornava de uma atividade profissional em Cruzeiro do Sul naquele avião que não completaria seu voo e deixou 23 mortos, oito feridos gravemente, como Clia Rocha. Se há, portanto, uma profissional de medicina que pode dizer ter derramado ou dado literalmente o sangue pela medicina no Acre, essa pessoa é Célia Rocha.
“Vim conhecer a Amazônia fazendo turismo. Daí, gostei da hospitalidade do povo e fiquei no Acre. Comecei a clinicar em Rio Branco, instalei consultório em outubro de 1980. Sou especialista em Doenças Pulmonares. Faço no meu consultório o exame de espirometria, essencial para quem tem patologia respiratória. Esse exame avalia o pulmão funcionando”, revela.
Célia Rocha, no entanto, não teme o avanço da tecnologia na área médica. “O que me preocupa é, a meu ver, a má formação de médicos sem empatia com o paciente. O que mais ouço são reclamações de que alguns colegas mal olham para o paciente, não sentem suas dores e vão logo passando receita como um desencargo, um desafogo e sem um diagnóstico mais apurado. Isso, sim, me preocupa”, diz a experiente profissional.
Zico Bronceado: o político que virou sacerdote da medicina
O médico João Antônio Bronzeado, 44 anos, acreano de Brasileia, fez o caminho inverso ao de sua colega Célia Rocha. É um desses médicos novos, mas ressalta que ele, particularmente, vindo de uma família de origem humilde, prefere trabalhar para os mais pobres, ao lado de quem se sente bem à vontade.
Depois de ter sido vereador e deputado federal pelo PT do Acre, o político que atendia pelo nome de Zico Bronzeado decepcionou-se com a atividade e percebeu que, como médico, poderia ajudar melhor aos que precisam. Hoje, ele trabalha na saúde indígena no interior do Amazonas. “Hoje sou muito mais realizado como médico”, diz ele, formado em medicina na cidade de Cobija, na fronteira com Brasileia.
Caminhos não menos diferentes daqueles percorridos por Bronzeado foram os de outro político – se não propriamente um político, mas filho de um desses mestres locais da atividade, o ex-deputado estadual Chico Sombra, que exerceu quatro mandatos na Assembleia Legislativa do Acre (Aleac). Nixon Lopes Pessoa, ou Nixon Sombra, formado há seis anos pela Unifranz, uma universidade de Cochabamba, na Bolívia, fez seu revalida na Universidade Gurupi, em Tocantins, e trabalha atualmente na região de Envira e Tarauacá, no interior do Acre.
Pedro Mariano: “Não escolhi a medicina; com certeza, foi uma força maior que me escolheu.”
Um caso não diferente dos demais é o de Pedro Mariano, formado pela Ucebol (Universidade Cristiana da Bolívia), em Santa Cruz de La Sierra, em 2019, e com revalida feito pela Universidade Federal do Amazonas (Ufam), cujas provas foram aplicadas em Brasília. Os três jovens acreanos que passaram pela Bolívia, como quase 80% dos médicos acreanos, pensam como Célia Rocha em relação ao futuro da profissão e à tecnologia.
“O avanço da tecnologia na medicina é de fundamental importância para diagnóstico precoce, medidas preventivas e tratamento, além de acesso à saúde de pessoas de lugares remotos, como é o caso do nosso Acre, onde a tecnologia facilita de forma adequada o atendimento”, resume Nixon Pessoa.
Pedro Mariano, com a palavra, sobre o mesmo assunto:
“Eu costumo dizer que não fui eu que escolhi a medicina, foi ela que me escolheu. Com certeza, foi uma força maior.” E acrescenta: “O futuro chegou e só vejo benefícios nisso. Acredito que nunca uma máquina substituirá uma anamnese e exame físico humano. Amo servir o meu próximo com esse grande sacerdócio que é a medicina.”
Presidente do CRM também foi formada na Bolívia e diz que o importante não é a origem do profissional, e sim a forma como trabalha. A influência do ensino da medicina da Bolívia na formação de médicos brasileiros, especialmente acreanos, não oferece qualquer risco à população que precisa de atendimento, afirma a presidente do Conselho Regional de Medicina do Acre (CRM-AC), Leuda Maria da Silva Davalos – ela própria formada há 20 anos na Universidade Federal de São Francisco Xavier, de Sucre, na Bolívia. “É uma universidade pública, que só aceita estrangeiros a partir de um convênio com universidades federais de outros países. Entrei nessa cota”, disse Leuda.
“O que mais motiva a ser médico, especialmente nos dias de hoje, é o poder de fazer a diferença na vida das pessoas em momentos tão vulneráveis. Vivemos uma era de avanços tecnológicos impressionantes, que transformam o diagnóstico e o tratamento, trazendo benefícios imensos para a medicina. Com essa evolução, é fundamental que os médicos estejam sempre se renovando, acompanhando as novas tecnologias, mas sem perder de vista o essencial: a relação humana com o paciente. A tecnologia é uma aliada poderosa, mas o vínculo, a escuta atenta e a empatia continuam sendo o coração da nossa profissão. Isso é o que realmente faz a diferença”, acrescenta ela.
Fabrício Lemos, o padeiro do Bairro da Conquista que virou médico e empresário
Se a medicina é capaz de tornar melhor a vida de quem recebe seus benefícios, também é transformadora na vida daqueles que a praticam com amor e dedicação. É o que pensa o médico Fabrício Lemos. Aos 44 anos, acreano de Rio Branco e também formado na Bolívia, Lemos é o mais novo de uma família de quatro irmãos, de origem muito pobre e que vivia de vender pão no bairro da Conquista, na época o coração da periferia da capital. Ele e seus irmãos ajudavam no sustento da família vendendo pão de porta em porta, numa bicicleta que ora empurravam, ora montavam, numa vida de muitas lutas.
Formado há 16 anos, Lemos tem o irmão mais velho como empresário do ramo da agropecuária – Maurício Lemos, criador de bois da raça Nelore, e outros dois irmãos, um que está se formando em medicina com sua ajuda e outro já trilhando também o ramo empresarial. “Nada mal para quem vendia pão, hein?”, ele pergunta, rindo. Sim, nada mal.
O que esperar da medicina do futuro em meio à tecnologia? O que todos esses profissionais têm em comum é um passado de lutas e a preocupação com o futuro. Um futuro de novas tecnologias, como a inteligência artificial e a medicina de precisão, transformando a forma como os médicos trabalham e oferecem cuidados aos seus pacientes. Além disso, a crescente conscientização da população sobre a importância da prevenção e do cuidado com a saúde também contribui para um futuro mais saudável.
De acordo com dados do CFM, em 2024, o Brasil possui uma densidade de 2,81 médicos para cada mil habitantes. A média de idade dos profissionais é de 45,67 anos, refletindo a experiência acumulada ao longo de anos de formação e prática médica. Esses dados revelam não apenas a quantidade de médicos disponíveis, mas também um esforço contínuo para atender à demanda crescente por serviços de saúde de qualidade, em um contexto marcado por desafios como a distribuição desigual de profissionais pelo país e a necessidade de atualização constante dos conhecimentos médicos.
O Acre tem 1.513 médicos, com uma média de 1,83 profissional para cada grupo de mil pessoas. A quantidade de médicos no Acre duplicou de 2010 para cá, segundo dados da Demografia Médica 2024 elaborada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). O levantamento, divulgado em abril deste ano, aponta que o estado tinha 750 médicos há 14 anos e agora conta com 1.542 profissionais. Com isso, a densidade por mil habitantes também duplicou: passou de 0,92 para 1,82 médicos por cada grupo de mil pessoas.